“Corrupção e más práticas nos sectores dos combustíveis e de energia eléctrica - seus efeitos para o orçamento das famílias moçambicanas”, é o titulo de um estudo versando sobre os métodos usados na criação das redes de corrupção naqueles dois sectores sociais, acabado de sair sob a chancela do Centro de Integridade Pública (CIP). De acordo com o referido estudo, dos 262.810 milhões de Mts correspondentes ao valor da factura de consumo dos combustíveis líquidos em Moçambique durante o período entre 2014 e primeiro semestre de 2018, aproximadamente 118.624 milhões de meticais serviram para cobrir despesas da importadora oficial de combustíveis Petromoc e das distribuidoras.
Para além disso, aproximadamente 65% dos combustíveis que são descarregados em portos moçambicanos estão em trânsito para países vizinhos. Mas uma parte daquela percentagem é retida ilegalmente em Moçambique, num esquema que lesa financeiramente o Estado moçambicano. O estudo do CIP diz que o sinal mais visível de corrupção nos sectores dos combustíveis e de energia eléctrica manifesta-se na sobrefacturação no processo de importação e reimportação, isento de impostos sobre os combustíveis destinados aos países vizinhos.
Tal prática constitui uma fuga ao fisco. Exemplificando, o estudo refere não ser possível calcular a quantidade de combustível reimportada ilegalmente no período entre 2014 e 2017, mas estima-se que seja correspondente a 20% de diesel e gasolina comercializados no país. A impossibilidade de efectuar o cálculo da quantidade do combustível reimportada ilegalmente no período entre 2014 e 2017 deve-se ao facto de se ter tratado de um crime organizado. Com efeito, os combustíveis não eram contabilizados como importações nacionais.
Ganhos políticos
De 2008 a 2016, o Governo manteve inalterados os preços dos combustíveis para obter ganhos políticos através da acumulação de dívidas com as gasolineiras, que atingiram uma situação de insustentabilidade acabando por se repercurtir nos consumidores. Assim, no preço dos combustíveis são imputados actualmente aos consumidores os custos dos subsídios às gasolineiras e das más práticas que acontecem no sector. Estima-se que no período 2014-2015 a corrupção no processo da importação de combustíveis líquidos custou à economia cerca de 80 milhões de USD de sobrefacturação, em parte devido ao não cumprimento, na íntegra, da legislação.
O sector dos combustíveis líquidos é apontado como um dos mais afectados pelo fenómeno da corrupção está. No estudo do Centro de Integridade Pública de 2016, que estimou em cerca de 4,9 mil milhões de USD o custo da corrupção em Moçambique para um período de 10 anos (2004-2014), o sector dos combustíveis líquidos, em toda a sua cadeia desde a importação até a distribuição, foi considerado o terceiro mais corrupto em termos de volume de dinheiro desviado, numa lista de mais de 50 casos de amostra, liderada pelo sector aduaneiro – Alfândegas.
A face mais visível da corrupção no sector de combustíveis líquidos destinados aos países vizinhos é, segundo o CIP, o esquema de sobrefacturação na importação e reimportação do produto, sem pagar impostos, prática que é uma flagrante fuga ao fisco. Em comparação com os combustíveis destinados ao mercado nacional, os destinados aos países vizinhos (em trânsito) estão isentos de imposições fiscais, nomeadamente Direitos Aduaneiros, IVA e Taxa Sobre os Combustíveis (TSC).
Energia eléctrica
Sobre a energia, o estudo do CIP diz que a tarifa média de electricidade em Moçambique é alta, superando aquela que é praticada em muitos países da região. Alguns destes importam energia de Moçambique. Apenas a Tanzânia, Namíbia e África do Sul vendem energia a um preço mais elevado do que o praticado em Moçambique. Mesmo assim, segundo a empresa pública EDM (Electricidade de Moçambique), o preço da venda de energia ao público não cobre os custos de aquisição. No estudo em causa vem explícito que de 2015 até aqui houve três agravamentos de energia eléctrica, uma variação acima de 200% para os grandes consumidores (empresas), e cerca de 120% para consumidores domésticos.
Agravamento dos preços
Quanto ao agravamento dos preços no sector da electricidade, segundo o estudo do Centro de Integridade Pública, o Governo justifica a subida da tarifa de energia eléctrica alegando questões estruturais. Entre tais alegações constam a necessidade de conter os novos custos de aquisição de energia eléctrica das novas centrais, e despesas relacionadas com investimentos na expansão da rede. Faz-se também referência à necessidade de assegurar o equilíbrio financeiro da EDM para garantir a continuidade dos serviços, aproximar a diferença do custo de energia para diferentes categorias de clientes, e para, como era de esperar, “proteger os clientes mais desfavoráveis e manter o subsídio de tarifa social”.
Constata-se no estudo que a EDM tem vindo a ser mal gerida, e que até 2015 não conseguia pagar o mínimo de fornecimento de energia eléctrica que recebia da Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB), tendo acumulado dívidas que em alguns casos chegaram a ultrapassar os 100 milhões de USD.“Até ao fecho do exercício económico de 2018, o Estado, através das suas diversas instituições, tinha dívidas acumuladas com a EDM totalizando 42 milhõesde USD, referentes a facturas não pagas do consumo da energia eléctrica.
Há, adicionalmente, a dívida ZESCO da Zâmbia, que é de 74 milhões de meticais, cujo pagamento está a ser negociado entre os governos dos dois países”, refere o estudo. Paralelamente a isso, o custo da dívida é indirectamente imputada às famílias na factura final de venda.Na verdade, são as famílias que pagam regularmente o consumo para sustentar a produção, aquisição e distribuição de energia a todos os consumidores, incluindo os que não pagam pelo consumo. A partir de 2018, a EDM começou a fazer ameaças de corte de fornecimento a determinadas entidades públicas, incluindo escolas, hospitais, residências de dirigentes. Como resultado destas ameaças, o Governo fez acordos com a EDM assumindo o compromisso de saldar a dívida das instituições públicas.
Justificação governamental
Ainda sobre o agravamento das taxas, o CIP diz que “o Governo justifica o aumento da tarifa de energia eléctrica alegando questões estruturais como a necessidade de suster os novos custos de aquisição da energia eléctrica das novas centrais das IPP’s, e assegurar o equilíbrio financeiro da EDM para garantir a continuidade dos serviços, mas se não fosse pela corrupção e tráfico de influência que desviam milhões da EDM a empresa talvez não precisasse de sacrificar os consumidores com tarifas de energia muito elevadas, dificultando o já muito baixo acesso à energia eléctrica no país”.
Dinheiro que financia a corrupção
O estudo do CIP faz referência ao dinheiro que financia a corrupção, tanto nos sectores dos combustíveis como no sector de energia eléctrica, salientando o facto de ser debitada ao cidadão. Para o efeito recorre-se a duas formas, sendo a primeira directa, através de preços altos praticados na venda ao público dos combustíveis e da energia eléctrica, assim como nos custos das novas ligações. A segunda forma é por via indirecta, uma vez que o Estado deve compensar as entidades distribuidoras dos combustíveis e de energia eléctrica. Isso faz-se com recurso a compensações, desviando o dinheiro das actividades sociais para financiar entidades comerciais.(Sérgio Raimundo)