O Presidente da República, Filipe Nyusi, nomeou Augusta Maíta para o cargo de Ministra do Mar, Águas Interiores e Pescas (MIMAIP), tendo em vista enfrentar os desafios que se colocam ao sector pesqueiro. Um sector assolado, entre outras coisas, por investidas do chamado “take away chinês” (resultado da fraca capacidade de fiscalização), pela atribuição de licenças pesqueiras a operadores que, no fundo, não passam de “testas-de-ferro” de empresas estrangeiras, ou pela realização de pesquisas sísmicas em áreas pesqueiras.
Bem a propósito deste assunto, “Carta” entrevistou Muzila Nhatsave, secretário-geral da Associação Moçambicana de Armadores de Pesca Industrial (AMAPIC).
- Enquanto armador, o que espera que aconteça no mandato que ora inicia?
“Como sabe, agora o nosso ministério de tutela virou de Mar, Águas Interiores e Pescas. Isto significa que é um ministério ou sector transversal. Atendendo e considerando que o país, por causa do advento dos recursos minerais, particularmente o gás natural e o desenvolvimento de outras áreas, tais como o turismo e a mineração de areias pesadas, vai fazer com que este sector tenha vários desafios de modo a equilibrar as várias actividades que acontecem no mar.
Como é sabido, o sector pesqueiro não é único com interesses no mar, mas está preocupado de certa forma com aquilo que é a protecção e conservação dos recursos. Não só por causa destas actividades concorrentes, mas também pelo uso dos recursos, de forma sustentável, não só para a pesca artesanal, mas para todos os subsectores das pescas, porque o que faz com que esta actividade perdure e dure é exactamente a abundância e a conservação dos próprios recursos – essa é a nossa bandeira, é a nossa eterna luta”
- Em termos de instrumentos legais, verificou-se no mandato passado o início da criação de alguns instrumentos jurídicos. Em que estágio estamos neste momento?
“Felizmente, como disse, este Ministério é novo. É preciso dotá-lo, primeiro, de organização e, depois, de alguns instrumentos jurídicos que possam nortear ou reger estas actividades. Felizmente existem bases já lançadas: temos a própria Lei do Mar, a Política do Mar, o Plano de Ordenamento Marítimo, o ROGEM – que embora pioneiros e não acabados, ao menos temo-los como bases, para aquilo que é a tentativa de equilibrar os vários interesses no mar. Esses interesses são, muitas vezes, complementares e outras vezes são conflituantes.
A outra preocupação tem a ver com a questão das licenças de exploração de recursos naturais em zonas de muita produção pesqueira. No nosso caso particular (pescadores), o que nos preocupa são as licenças de exploração de areias pesadas que foram atribuídas ao longo da costa, onde em alguns locais (como por exemplo em Larde) antes eram das zonas mais produtivas em termos de pesca, particularmente de camarão, hoje já não se apanha nada devido à poluição dos rios, à interrupção dos próprios estuários dos rios e outros tipos de violação de gestão ambiental que estão a acontecer.
Outra questão preocupante são as pesquisas sísmicas no delta do Zambeze e em outras regiões que também têm impacto a nível de captura do camarão. Existem inclusive zonas para as quais hoje as nossas frotas já nem vão, porque ainda sofrem dos efeitos dessas actividades, logo, é um desafio muito grande gerir esses assuntos. Teremos de dirimir esses assuntos e esse papel não deve ser só do sector das Pescas, mas também com outros ministérios. Ou seja, o mar hoje virou um assunto transversal que não se circunscreve apenas a este Ministério.
Cinco anos são poucos para montar uma nova dinâmica. É um processo em construção e nós somos parte da construção desse mesmo sistema que até agora conseguiu, pelo menos, lançar as bases para que haja esta convivência – não digo pacífica, mas pelo menos criteriosa – entre vários interesses no mar”.
- Quais os maiores “calcanhares de Aquiles” que o MIMAIP enfrenta e o que propõem para a sua superação?
“A gente augura uma maior cooperação porque a base legal já existe. Em Dezembro último, reunimo-nos com o ministério para ver a proposta de Regulamento da Comissão Nacional de Administração Pesqueira, a qual será composta não só pelo sector das pescas, mas também por todos os outros com interesses no mar. Ali teremos a oportunidade de sentar e discutir aspectos transversais no que diz respeito ao próprio mar.
Fora isso, temos o desafio natural que é a questão da fiscalização, porque achamos que o maior “calcanhar de Aquiles” que este sector tem prende-se exactamente com a fiscalização, que é débil. A fiscalização não tem meios, tanto materiais como humanos. E é uma opinião muito nossa da indústria, que, existindo uma polícia marítima lacustre fluvial, muitos destes problemas poderiam ser minimizados. Temos os fuzileiros navais que podiam muito bem, em algum momento dar apoio a esta actividade, isso para não falar da Força Aérea que também poderia dar a sua contribuição”.
O Ministério por si só não tem capacidade para controlar o que acontece no mar – não falo só de pesca ilegal, nem da pesca abusiva protagonizada mesmo pelos licenciados, mas falo também de outras actividades que acontecem no mar e que poucas vezes são descobertas. No mar acontece muita coisa, num país como o nosso, com uma vasta costa, não se pode dar ao luxo de ter essa mesma costa desguarnecida, logo, todos os esforços necessários serão poucos para controlar isto e a questão da fiscalização terá de ser muito pensada”.
É nossa visão que a questão da fiscalização em particular deveria ser autónoma e dotada de todos os meios para se fazer um bom trabalho. O Estado, por ser um e único, devia fazer aqui uma partilha de esforços e recursos para colmatar esta situação.
É de referir, por exemplo, que há cerca de dois anos as taxas de licenciamento subiram muito e, em alguns casos, essa subida chegou a quase a 300 por cento, sendo que a desculpa era que que parte dessa taxa se destinava a financiar a fiscalização”.
Nhatsave entende que, passado este tempo, não se justifica que a instituição peça ajuda da indústria para fazer face à situação de falta de fiscalização, principalmente neste período de veda do camarão que vai até finais de Março.
“Não se justifica que se subam as taxas e a fiscalização não tenha dinheiro para fazer como deve ser o seu trabalho. Então, neste mandato gostaríamos que houvesse muito investimento e que levassem a questão da fiscalização muito mais a sério. Está legislado que 20 por cento das receitas vai para a fiscalização e gostaríamos que este dinheiro realmente fosse para esse fim e, como indústria, vamos continuar a prestar o nosso apoio.”
- Como analisa a perspectiva de desenvolvimento apresentada pelo presidente Nyusi durante a cerimónia de tomada de posse?
“Claramente que o sector das pescas tem um potencial económico muito grande. Aliás, já foi um sector que muito contribuiu para o equilíbrio da balança de pagamentos neste país. Mesmo hoje, se fôssemos tirar todas as outras exportações dos grandes projectos e considerar só as exportações de mariscos e daquilo que é produzido realmente aqui por empresas moçambicanas, ainda ocupamos um lugar cimeiro em relação aos outros países, então este sector tem muito potencial na geração de receitas. O problema aqui é que deve haver maior fiscalização, investimento em infra-estruturas, em particular para a pesca artesanal”.
- Em relação à pesca artesanal, qual é o vosso real posicionamento?
“A indústria é semi-industrial e é responsável pela exportação de 3500 toneladas de camarão, contra 6 a 7 mil que é da produção dos artesanais, mas este camarão que é o nosso maior valor económico não entra nas contas do Estado. A gente apanha o nosso camarão vendido nos países vizinhos muito mal processado, com caixas das nossas empresas que são roubadas, e camarão mal processado é um atentado à saúde pública, podendo manchar a imagem do nosso produto além-fronteiras”.
A solução aqui não é de combater os artesanais: eu costumo dizer que o sector informal em países como o nosso (particularmente os africanos), não se combate – acomoda-se. É preciso sim disciplinar, dotar este sector de capacidade de infra-estruturas para que os seus agentes possam manusear e processar os seus produtos, de igual maneira e que entrem na cadeia de valor para que aumente renda para os seus praticantes.
E nós como indústria temos um papel muito importante, pelo menos numa fase embrionária, em que em vez de olharmos os artesanais como concorrentes ou maus da fita, temos o dever também de puxá-los para o nosso lado e de colocá-los dentro da nossa cadeia de valor.
Esta produção dos artesanais pode ser muito bem aproveitada pelo sector privado ou industrial que já tem acesso a mercados e conhecimentos no tratamento e na conservação do próprio produto e que muito bem poderia coloca-lo no mercado nacional e internacional com um preço diferenciado. Até porque há segredos para que o camarão tenha preços altos e para que se possa colocar o produto no mercado. O camarão da pesca artesanal fica muito tempo ao sol acabando por perder um pouco da sua qualidade. Porém, esse camarão tem sim saída, não só localmente, como também a nível da região, até porque temos recebido vezes sem conta pedidos deste produto”.
O nosso problema como armadores não é a falta de mercado, mas, sim, a falta de produto e este produto artesanal poderia ser muito bem aproveitado por todos. Seria um maior rendimento para a economia nacional, seria uma maior arrecadação de receitas para o sector das pescas e também uma melhoria na vida para os moçambicanos. Em suma: o que devemos fazer neste sector de pescas é haver uma complementaridade entre todos os sectores.
Mas sem investimento, sem educação e, principalmente, sem infra-estruturas, pouco ou nada se pode conseguir. Daí que eu diga que um dos maiores desafios que temos como país para este sector é exactamente o das infra-estruturas: estradas, energias e processamento destes produtos nas regiões onde se verifica maior produção, em particular artesanal e que este entre nos circuitos da economia nacional”. (Omardine Omar)