Sessenta e quatro imigrantes etíopes morreram asfixiados dentro de um contentor que estava a ser transportado do Malawi para o distrito de Moatize, em Tete. Presume-se que a porosidade e a corrupção nas fronteiras sejam algumas das causas desta tragédia que se vem juntar a tantas outras envolvendo etíopes, somalis e outros aventureiros dos Grandes Lagos.
De acordo com a estação televisiva Miramar, o camião que transportava os imigrantes ilegais foi interceptado pela polícia esta terça-feira, no posto policial da báscula de Mussacama. Ao ser abordado, o motorista disse que estava a transportar mercadoria, resposta que não convenceu a polícia que pediu a abertura do contentor.
O motorista obedeceu e apurou-se que, dos setenta e oito imigrantes ilegais, apenas catorze ainda estavam com vida. O condutor foi detido de imediato e confessou que foi solicitado para transportar vinte e cinco pessoas para Moatize, a troco de trinta mil meticais. Ele acrescentou que teria sido abordado por um guia de imigrantes ilegais no Malawi, uma pessoa ainda por ser identificada. As autoridades de Lilongwe estimam em mil o número de imigrantes ilegais provenientes dos Grandes Lagos que entram mensalmente no país, devido à turbulência política nos seus países de origem.
A porosidade da fronteira associada à alegada cumplicidade de alguns cidadãos malawianos e de alguns agentes da polícia e da migração estimula esta vaga de imigração ilegal. Em troca de dinheiro, alguns malawianos dão abrigo aos imigrantes ilegais, ao mesmo tempo que servem de guias e de transportadores através de rotas clandestinas. A região norte do Malawi, particularmente o distrito de Karonga, é o epicentro de entrada de dezenas de imigrantes ilegais sobretudo etíopes, somalis, burundeses, entre outros.
O governo de Lilongwe já reconheceu a vulnerabilidade das suas fronteiras afirmando não estar em condições para travar a entrada de imigrantes ilegais. Nos últimos anos, alguns líderes tradicionais do Malawi foram detidos e condenados por envolvimento na imigração ilegal, agindo como facilitadores em troca de valores monetários.
A ofensiva contra a imigração ilegal não está a dar resultados no Malawi, aparentemente porque as penas aplicadas aos infractores estão desactualizadas. De acordo com a legislação malawiana, os cúmplices pagam uma multa equivalente a dois mil meticais, valor considerado irrisório para desencorajar o crime.
Uma vez no Malawi, alguns imigrantes ilegais fixam residência no país e outros prosseguem a sua aventura pelos estados-membros da SADC à procura de melhores condições de vida, em particular para África do Sul. Para chegar à África do Sul, os imigrantes ilegais e os próprios malawianos que também ousam viajar sem documentação de viagem atravessam Moçambique e Zimbabwe. Aqui de novo entra em acção o sindicato de crime que está por detrás do esquema de entrada ilegal de imigrantes nos estados-membros da SADC. “Carta” apurou através do cruzamento de várias fontes que, depois da entrada ilegal de imigrantes no Malawi, a corrupção começa nos postos fronteiriços de Dedza e Mwanza junto do território moçambicano.
Os transportadores subornam os agentes da lei por uma passagem segura
Às vezes os transportadores levando ilegais, quer do Malawi quer dos Grandes Lagos, podem ficar na fronteira de Dedza por um dia ou mais negociando o caminho. Uma vez em Moçambique, os transportadores têm duas opções para usar. Uma é ir por Maputo e usar o posto de fronteira de Ressano Garcia com a África do sul. Aqueles que usam essa rota normalmente levam cerca de duas semanas para chegar a Joanesburgo. Além da rota ser longa, os transportadores precisam de pagar ao longo do caminho até chegar à África do Sul. E geralmente eles viajam à noite porque existem poucos obstáculos, tal como aconteceu em Mussacama, cuja tentativa foi abortada pela polícia moçambicana cerca das duas horas.
Os passageiros ilegais estão sujeitos a um sofrimento incrível, como assédio, fome e cansaço. A segunda opção é usar a rota do Zimbabwe que os leva até Nhamapadza e Beitbridge.
Novamente os transportadores tentam subornar os agentes ao longo do caminho
Os viajantes que optam pela rota de Beitbrigde são obrigados a saltar a fronteira. Os transportadores combinam com indivíduos particulares para ajudar os ilegais a atravessar o rio Limpopo, infestado de crocodilos, representando um grande risco. Às vezes, os viajantes caem nas mãos de criminosos que lhes roubam o seu dinheiro e outros objectos de valor. Em casos extremos, eles assassinam os ilegais e estupram mulheres. Depois de atravessar o rio Limpopo, os ilegais caminham muitos quilómetros antes de chegar à cidade de Musina, donde começam a etapa final da sua aventura para Joanesburgo, cuja rota tem poucas cancelas e raramente verificam os documentos de viagem. Às vezes a aventura dos imigrantes ilegais culmina em detenções ou em tragédia, tal como aconteceu esta terça-feira em Mussacama, a vinte e três quilómetros do posto fronteiriço de Zobwe, próximo de Mwanza no Malawi. Malawi partilha as suas fronteiras com Moçambique, Tanzânia e Zâmbia.
“Carta” sabe que os imigrantes ilegais representam uma ameaça à segurança do Malawi e particularmente para Moçambique, uma vez que maior parte deles são provenientes de países marcados por um ciclo de violência, como Somália, República Democrática do Congo e Burundi. Por outro lado, Moçambique vive momentos conturbados com a onda de insurgência em Cabo Delgado.
Com Moçambique, Malawi partilha uma extensa fronteira de cerca de 1400 quilómetros, dos quais 888 de terra firme, 190 fluvial e 322 lacustre. A linha de 888 quilómetros de fronteira terrestre é considerada porosa com movimentos descontrolados de moçambicanos, malawianos e imigrantes ilegais por não possuir nenhuma vedação. (Faustino Igreja)