Consumou-se o falhanço há muito anunciado. Não teve lugar, esta quinta-feira, na 8ª Secção do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo (TJCM), a audição via videoconferência dos declarantes estrangeiros do “Caso Embraer”, que tem no banco dos réus Paulo Zucula, José Viegas e Mateus Zimba.
A não realização da audição ontem (19), tal como estava previsto, veio apenas confirmar o que há muito se previa, tendo em conta a dinâmica da notificação dos declarantes estrangeiros, caracterizada, essencialmente, por um silêncio sepulcral às convocatórias do Tribunal moçambicano.
A audição dos declarantes estrangeiros (executivos e ex-executivos da Embraer, funcionários do Banco Central de São Tomé e Príncipe e os advogados que ajudaram na criação da Xihivele) é descrita como de vital importância para a descodificação da engenharia à volta do pagamento das salgadas luvas no valor de 800 mil USD à Xihivele, empresa da pertença do réu Mateus Zimba.
Até passada quarta-feira (18), um dia antes da audição, apenas havia uma e única certeza. Os declarantes de São Tomé e Príncipe, nomeadamente, um funcionário do Banco Central e os advogados que assessoraram Mateus Zimba no processo de criação da Xihivele Consultoria Limitada não seriam ouvidos, devido à falta de condições no país para a realização da audição via videoconferência.
Os outros declarantes (três brasileiros e um francês) sequer se dignaram a confirmar a disponibilidade para participar da audição. Aliás, nem se deram ao trabalho também de manifestar indisponibilidade para o efeito. Trata-se do francês Patrice Candaten (responsável de vendas para África da Embraer e chefe do grupo das negociações com as Linhas Aéreas de Moçambique), Luiz Fuchs, José Molina e Mauro Keren Júnior (brasileiros) integrantes da equipa.
Na verdade, a não realização da audição via videoconferência na data marcada esteve sempre clara desde o arranque do julgamento a 27 de Fevereiro passado. Na semana passada, o Juiz Fernando Macamo, já indiciando pouca probabilidade de materialização de tal pretensão, mostrara-se preocupado com a não reacção dos declarantes estrangeiros (brasileiros e francês) às convocatórias enviadas via correio electrónico.
Macamo dissera, na ocasião, que aguardava pelas respostas dos declarantes estrangeiros, mas, ainda assim, marcara a audição para o dia 19, no caso ontem, uma data que, no entanto, falhou redondamente.
Perante o cenário, o Juiz Fernando Macamo, depois de longas horas de concertação com o Ministério Público e a defesa dos três réus, adiou a sessão de julgamento para o dia 18 de Junho próximo. A nova data, tal como disse, era susceptível de alterações em caso de resposta favorável às cartas enviadas.
O julgamento está previsto para iniciar às 9:00 horas (18 de Junho), mas do território brasileiro, devido à diferença de horas entre os dois países.
Entretanto, a definição da nova data só foi possível após longas horas de discussão, num ambiente de alguma civilidade, embora com o edifício onde funciona a 8ª Secção do TJCM sem corrente eléctrica, facto que não permitiu a elaboração da acta daquela sessão naquele instante.
Apesar do clima “afável”, a busca de consensos teve os seus momentos de alguma tensão. Por um lado, o MP não disposto a abrir mão dos declarantes por ele arrolados e, por outro, a defesa dividida entre ouvir e prescindir devido às dificuldades de comunicação.
Abdul Gani, advogado de José Viegas, defendeu que os declarantes estrangeiros deviam ser prescindidos, precisamente, por causa dos problemas de comunicação, que, inclusive, forçaram o adiamento da sessão, esta quinta-feira. Gani disse que não havia garantias de que até à data marcada os declarantes atenderiam à convocatória do tribunal, ressalvando que se desconheciam, para já, as razões por detrás da não reacção à primeira solicitação.
O causídico de José Viegas apontou a leitura dos depoimentos constantes dos autos em sessão de julgamento como sendo a via mais acertada para ultrapassar o presente cenário.
Entretanto, tal posicionamento mereceu uma pronta reacção do MP que assentou o seu posicionamento na vitalidade da audição dos declarantes, pelo que deviam ser usadas todas as vias de modo a garantir que os mesmos sejam ouvidos pelo tribunal.
Apesar de reconhecer a morosidade do processo (devido às formalidades-demora na resposta das cartas rogatórias), o MP defendeu que devem, sim, ser acionados todos os formalismos necessários. A estimativa avançada pelo MP ronda entre dois a três meses.
No mesmo diapasão que o MP, o defensor de Mateus Zimba, Tomás Timbane, disse que o contraditório é fundamental. Timbane avançou que não havia melhor oportunidade para confrontar algumas declarações senão mesmo em sede do julgamento, ressalvando que também era do interesse do juiz presidente do Tribunal fazer uso de tal prerrogativa, visto que não foi responsável pela pronúncia.
Damião Cumbane, advogado de Paulo Zucula, também se opôs à ideia de descartar os declarantes estrangeiros e recorrer-se à leitura dos depoimentos constantes dos autos. Para o causídico de Zucula, tal modalidade colocaria o seu constituinte numa situação de desvantagem muito pela impossibilidade de poder fazer um e outro questionamento. (Ilódio Bata)