Uma nova eleição deverá ter lugar dentro de 150 dias, naquilo que pode ser considerado um "golpe" para SADC e para outras missões de observação eleitoral em África. Esta é a primeira eleição presidencial a ser anulada no Malawi, um país encravado dentro de Moçambique. O Tribunal Constitucional em Lilongwe anulou ontem a eleição presidencial de 21 de Maio do ano passado, citando irregularidades graves. A leitura da sentença levou cerca de dez horas.
A sentença é um documento de 500 páginas, que estará disponível a partir da tarde desta terça-feira. O veredicto segue-se à petição apresentada à justiça pelos candidatos da oposição, Lazarus Chakwera, do Malawi Congress Party, e Saulos Chilima, alegando que a eleição presidencial foi fraudulenta e manchada por várias irregularidades, propositadamente cometidas pela Comissão Eleitoral para favorecer a vitória do candidato do partido no poder, Peter Mutharika, para o seu segundo e último mandato.
Mutharika fora declarado vencedor pela Comissão Eleitoral com 38 por cento dos votos. Lazarus Chakwera ficou em segundo lugar e Saulos Chilima em último, nas sextas eleições multipartidárias. O país abraçou a democracia em 1994 depois de um referendo realizado no ano anterior.
Decisão histórica
A decisão do tribunal malawiano é considerada histórica e um alerta para a SADC e para o continente africano em geral, onde o judiciário é acusado de estar a reboque do executivo ou dos políticos. Em 2014, a justiça malawiana rejeitara uma petição da Presidente Joyce Banda, que pretendia unilateralmente a anulação das eleições gerais depois de perder o pleito.
Depois da proclamação dos resultados finais das eleições de Maio do ano passado, dando vitória a Peter Mutharika e ao seu partido DPP, o Malawi mergulhou-se numa vaga de manifestações de rua, organizadas por activistas da sociedade civil, exigindo a resignação da Presidente da Comissão Eleitoral, Jane Ansah, e a anulação da eleição presidencial.
Ao ler a sentença, o juiz Healey Potani disse na noite de segunda-feira (ontem) que Peter Mutharika não foi eleito devidamente nas eleições de Maio de 2019. Potani frisou que, do ponto de vista legal, tudo volta a situação anterior às eleições, em que Peter Mutharika era presidente e Saulos Chilima vice-presidente.
Isto significa que cai o actual vice-presidente Everton Chimulirenji. O tribunal disse ainda que para alguém ser declarado eleito como presidente do Malawi deverá arrecadar cinquenta por cento mais um de votos.
Na sua sentença, o tribunal diz que as irregularidades nas eleições de 21 de Maio do ano passado foram extremamente graves e afectaram os resultados finais.
O Tribunal Constitucional condenou a Comissão Eleitoral por ter subvertido as leis eleitorais e por ter falhado na realização de eleições livres e justas. “Uma eleição não é justa e livre se a administração eleitoral falhar na contagem de votos, se as actas e editais são alterados na ausência dos delegados de lista ou de candidatura, se a administração eleitoral falhar no armazenamento do material usado nas eleições, que é essencial para a solução de disputas, e se o processo de reconciliação dos boletins e dos votos está comprometido ou não confere, como foi o caso das eleições de 21 de Maio”, disse Potani.
Simpatizantes da oposição cantam e dançam
Apoiantes do partido do Congresso do Malawi, MCP e do Movimento Unido para a Transformação celebraram de forma efusiva até esta madrugada a decisão do Tribunal Constitucional, que anula a eleição do actual presidente Peter Mutharika, devido a várias irregularidades. Os apoiantes do líder do MCP, Lazarus Chakwera, e do Movimento Unido para a Transformação, de Saulos Chilima, encheram ontem à noite as ruas de Lilongwe, saudando a decisão do Tribunal, considerada um golpe para a Comunidade de Desenvolvimento da Africa Austral ao ter declarado que, apesar de algumas irregularidades, as eleições malawianas tinham sido livres e justas.
A missão de observação eleitoral da SADC no Malawi era constituída por 39 observadores de oito estados-membros da organização, nomeadamente, África do Sul, Angola, Botswana, Lesotho, Namibia, Tanzania, Zâmbia e Zimbabwe. Os observadores foram distribuídos por 27 dos 28 distritos do Malawi. Na altura, a missão comprometeu-se em observar o processo eleitoral de acordo com os princípios e directrizes da SADC para eleições democráticas em conformidade com o quadro de eleições da Comissão Eleitoral do Malawi.
Estes princípios e directrizes incluem a plena participação dos cidadãos nos processos democrático e de desenvolvimento, liberdade de associação, de reunião e de expressão e medidas para prevenir a corrupção, suborno, violência política, intimidação e intolerância. O guião da SADC também visa a garantia de oportunidades iguais para todos os partidos políticos no acesso a "mídia" estatal.
Concluído o processo de votação e o apuramento provisório, a SADC declarou que, apesar de algumas irregularidades, as eleições malawianas foram livres e justas, o que contrasta com a decisão do Tribunal Constitucional. Mesma posição fora tomada pela Missão de Observação da União Africana e por outras organizações, incluindo a Commonwealth.
O antigo presidente do Gana, John Mahama, chefiou a equipa de observação eleitoral da União Africana e o antigo estadista sul-africano, Thabo Mbeki, a missão de observadores da Commonwealth. (Faustino Igreja)