O Governo apontou ontem um novo Presidente do Conselho de Administração (PCA) da Empresa Nacional de Hidrocarbonetos (ENH), Estêvão Pale, um carreirista do sector, que vem dirigindo com sucesso uma das principais subsidiárias da empresa petrolífera nacional, a Companhia Moçambicana de Hidrocarbonetos (CMH). A ascensão de Pale corresponde a queda do economista Omar Mithá, um “outsider” proveniente da banca comercial.
Mithá fora apontado em Agosto de 2015, poucos meses após a chegada ao poder de Filipe Nyusi. Seu mandato de 4 anos à frente da ENH terminara em Agosto do ano passado. Desde lá, ele foi “posto de molho”. Carlos Agostinho do Rosário, o Primeiro-Ministro repetente de Nyusi, mostrou-se, dizem fontes de “Carta”, em desfavor à renovação de Mithá. Porquê? A razão primária nunca nos foi apontada, mas nos corredores principais da indústria, Mithá alimentou a fama de um “homem de trato difícil”, com “mau feitio”, pouco dado a ouvir opiniões distintas da sua.
Ele tinha sido uma escolha pessoal de Filipe Nyusi. Mas, nos últimos anos, o PR cansou-se de ouvir reclamações sobre o seu alegado mau feitio. Por isso, sua saída já estava traçada. E Mithá sabia. Em Dezembro, ele começou a remover seus pertences do gabinete e preparou-se para entregar as pastas.
Durante o seu mandato, Mithá conseguiu, em Abril de 2019, aquele que foi o seu principal feito: consolidar as contas atrasadas da empresa, ao publicar o Relatório e Contas dos exercícios fiscais referentes aos anos 2016 e 2017, o qual mostrava a situação financeira das suas seis subsidiárias, nomeadamente a CMH (Companhia Moçambicana de Hidrocarbonetos), a CMG (Companhia Moçambicana de Gasoduto), ENH Integrated Logistics Services, a ENH Logistics (ENHILS), a Gás Natural, PCD (Portos de Cabo Delgado) e a ENHL Bonatti. No Relatório apresentam-se também as contas das empresas nas quais a ENH detém participações, designadamente a Matola Gas Company, a ROMPCO, ENH Kogas e a ENMAR.
Grosso modo, as contas estavam no vermelho, mas esse não era necessariamente um problema decorrente da sua gestão. Um dos grandes falhanços de Mithá foi a mobilização financeira de 1.5 bilhões de US para a participação da ENH nos projectos do gás do Rovuma. Ele, por várias vezes, anunciou que realizaria “roadshows” na Europa mas isso nunca se efectivou. É certo que o perfil do endividamento do governo dificultaria essa mobilização de dinheiro nos mercados globais, mesmo com uma garantia soberana do Governo. O problema é que Mithá sempre mostrou um optimismo exacerbado, apesar da situação conjuntural negativa. Acabou fazendo um “fundraising” limitado em Sandton, na RAS, num evento organizado sob os auspícios do BAD (Banco Africano de Desenvolvimento).
Outro falhanço foi sua tão propalada parceria com o Frontier Services Group Ltd., empresa de Hong Kong fundada por Erik Prince, anunciada nos primeiros meses de 2019. Mithá exultara com o negócio, que se centraria na área logística. Confrontado com o passado de Prince, ele disse que a ENH tinha feito o devido “due dilligence”, que mostrou que o FSG estava completamente limpa e era um parceiro viável.
Em Dezembro, quando Mithá deu seu último “briefing” à imprensa, ele disse (e a Bloomberg noticiou) que a tal parceria tinha chegado ao fim. “Os accionistas maioritários chineses da FSG decidiram retirar-se da parceria”. Nunca chegou a apontar as razões para essa ruptura.
Governo aposta em Pale
Para o lugar de Mithá, o Governo apostou em Estêvão Pale, 60 anos de idade. Pale tem um CV de mão cheia e mais de 30 anos de experiência na indústria de mineração. Ele é o PCA da Companhia Moçambicana de Hidrocarbonetos, S.A., uma empresa moçambicana de gás natural, onde negocia contratos de venda de gás natural e condensado, além de lidar com credores juniores e seniores da Companhia.
Entre 1996 e 2005, foi Diretor Nacional de Minas no Ministério dos Recursos Minerais e Energia, onde foi responsável pela supervisão e controle das actividades minerais em Moçambique e pela formulação e implementação da política de mineração e geologia aprovada pelo Governo. Pale possui um diploma de pós-graduação em Engenharia de Mineração pela Camborne School of Mines na Cornualha (Inglaterra) e um Mestrado em Economia Financeira pela Universidade de Londres (SOAS). Ele completou um curso em Gestão de Negócios de Gás, em Boston.
Sob sua gestão, a Companhia Moçambicana de Hidrocarbonetos (CMH) foi considerada, em 2008, a melhor empresa de Moçambique pela KPMG. Esta premiação foi uma inovação introduzida pela KPMG na pesquisa das 100 maiores empresas de Moçambique de 2008, que tem como indicadores o crescimento do volume de negócios, o crescimento de negócios por trabalhador, rentabilidade, autonomia financeira e liquidez.
Para o então Director Executivo da CMH, Estêvão Pale, o prémio resultara de muito trabalho bem como do “rigor na gestão da firma e negócio por cada trabalhador”. Em 2008, a CMH tivera um volume de negócios avaliado em 48 milhões de dólares norte americanos (USD) e lucros de cerca de 28 milhões USD. “Somos uma empresa pequena, com muito rigor financeiro. Trabalhamos no sentido de rentabilizar ao máximo o dinheiro dos nossos accionistas e penso que este é um reconhecimento do trabalho que temos vindo a desenvolver nos últimos anos. Tentamos manter uma estrutura leve na empresa”, frisou. (Marcelo Mosse)