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quarta-feira, 22 janeiro 2020 04:32

Os riscos da denúncia da depredação florestal em Sofala

Esquemas de corrupção podem estar a ditar que os membros dos comités de fiscalização dos recursos florestais em alguns distritos da Província de Sofala não se estejam a beneficiar dos valores a que têm direito, sempre que denunciam furtivos às autoridades.

 

Esta constatação foi verificada num seminário promovido em Março de 2019 na cidade da Beira, pelo consórcio Livaningo, ADEL Sofala, Muleide, Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica e Rede de Jornalistas Amigos do Ambiente, denominado “Papel dos Comités de Gestão dos Recursos Naturais, Desenvolvimento Local e Relação com Autoridades e Sector Privado”.

 

A Livaningo apresentou estes como sendo os resultados da pesquisa sobre os desafios no processo de fiscalização dos recursos florestais e faunísticos, realizada no âmbito do programa Comité de Gestão de Recursos Naturais de Sofala, sobre o processo de fiscalização dos recursos florestais e faunísticos, em Marínguè e Gorongosa.

 

Um dos casos mais polémicos que se analisou durante o seminário envolve a denúncia feita pelo presidente do comité de gestão de recursos naturais de Kudzi, que as autoridades dizem ter-se beneficiado de parte de uma multa, estimada em 200 mil meticais, tendo as autoridades dito que existia confirmação de já ter sido pago. Porém, os “beneficiários” negam ter recebido tal valor.

 

Esta situação criou desconforto entre as partes envolvidas, uma vez que os mesmos dizem não possuir informação sobre o pagamento. “Nem sei onde e quando foi. Mas, se esse valor foi pago, não tem como não chegar ao beneficiário. É um caso, provavelmente específico, que não posso precisar porque não tenho nenhum dado sobre esse assunto. Se ele (Director do SDAE da Gorongosa, Gimo Simango) disse que ainda está em tramitação, então está mesmo em tramitação. Infelizmente, eu não conheço o caso, podia saber o passo em que está” – disse o presidente do comité de gestão dos recursos naturais de Kudzi.

 

Questionado sobre o período que dura a tramitação de processos idênticos, o director provincial da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural de Sofala afirmou: “isso depende... Primeiro tem de saber que uma vez paga a multa tem de haver um registo, porque não é apenas dizer que hoje pagou e no dia seguinte o valor da compensação é, imediatamente, canalizado ao denunciante. Tendo um problema igual a esse, as pessoas podem aproximar, procurar saber se o caso já está dentro do sistema, se foi ou não transferido o valor, para depois podermos dar a devida resposta”.

 

A fonte assegurou, por outro lado, que existe uma boa articulação no rescaldo do procedimento em análise. “Se houver algum caso mal parado… isso é normal. Acontece, não porque assim está previsto. Mas nessa altura se alguém tem essa preocupação apresenta-se a quem de direito, daí todo o mundo faz o seguimento, em particular nós outros que temos de fazer o seguimento para saber o que aconteceu na verdade para o beneficiário não ter acesso àquilo que é seu de direito”, concluiu.

 

Segundo o Director provincial da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural de Sofala, Diogo Borges David, entrevistado na cidade da Beira, “havendo casos em que não se consegue localizar a conta do denunciante, o que tem acontecido é que o valor permanece no sistema. Contudo, são poucos os casos dessa natureza”.

 

Borges David confirmou, todavia, que o mecanismo de comparticipação do valor das multas está a funcionar normalmente, mas não apresentou um único exemplo revelador que sustente tal afirmação.

 

“É muito difícil dizer linearmente. Dar exemplos é difícil. Dizer categoricamente que fulano X ou Y se beneficiou” afirmou, apesar de ter referido que não são frequentes os casos e que quando acontecem fica-se logo a saber que aconteceram, que alguém denunciou e depois teve a sua comparticipação.

 

“Quando há problemas, ‘eles também comunicam´. Já tivemos casos de contas que estavam bloqueadas e tiveram de ser actualizadas a nível do distrito. Mas, como lhe disse anteriormente, é difícil mencionar X ou Y… estou a falar no geral”.

 

Algumas comunidades, como é o caso de Canda e Nhanguo do distrito da Gorongosa e Palame, Tucuta, Macoco e Nhanchir do distrito de Marínguè não têm domínio da Lei e do Regulamento sobre Floresta e Fauna Bravia e, consequentemente, não conhecem os passos ou procedimentos que devem seguir para receber a compensação de 50% do valor total da multa resultante dessa apreensão, como denunciante.

 

Outro problema levantado na investigação está ligado à falta de informação às comunidades relativamente ao desfecho dos casos de denúncias e apreensão de madeira ilegal que são feitas por alguns membros das comunidades. E essa informação foi levantada nas comunidades de Nhambita e Tambarara, no distrito da Gorongosa e Canxixe, Palame e Nhanchire, Wanchite no distrito de Marínguè. Algumas autoridades locais têm dado indícios de estarem em esquemas com alguns fiscais públicos e os exploradores ilegais. Ex: Comunidade de Tucuta, Canxixe e Wanchite.

 

Foi esclarecido pelos Serviços Provinciais de Floresta e Fauna Bravia que, para terem benefícios, o denunciante deve aproximar-se ao governo distrital no prazo de dois a três dias e informar que foi ele quem fez a denúncia e assinar os respectivos documentos que lhe darão esse direito – o que muitas das vezes não acontece. Além disso, os denunciantes devem ter conta bancária em dia. Caso não tenham, devem indicar, por meio de uma declaração, o número e o titular da conta bancária para a qual se pode transferir os 50% das multas que forem pagas.

 

Muitas vezes é feita a transferência para as contas dos denunciantes, mas esse valor acaba retornando porque as contas não estão em dia e quando se lhes pede para irem à cidade da Beira, apresentam dificuldades de transporte. Em alguns casos não há resposta dos desfechos, pois a maioria deles, dependente do tipo crime, são encaminhados para o tribunal, para que sejam julgados por um Juiz, e quando é assim leva muito tempo.

 

Os casos de líderes locais que entram em esquemas com os exploradores ilegais são reais e já foram capturados alguns. Infelizmente metem-se nesses esquemas por serem aliciados por altos valores monetários. O governo está a pensar em mecanismos para acabar com esse tipo de ligação.


Ainda sobre as evidências da pesquisa, a Livaningo contactou a Agência Nacional Para o Controlo de Qualidade Ambiental (AQUA) visando apresentar os resultados da investigação feita sobre o processo de fiscalização dos recursos florestais e faunísticos em Marínguè e Gorongosa.

 

Durante o encontro, a AQUA reconheceu as fraquezas do governo para a disseminação da legislação nas comunidades pela limitação de fundos e recursos humanos para abranger todas as comunidades do país e pediu apoio às organizações da sociedade civil para promoverem a divulgação da legislação nas comunidades.

 

A AQUA também reconheceu que existe uma falha na comunicação e partilha de informação nas comunidades. Os relatórios de todos os casos de apreensão são elaborados e partilhados com o Governo Distrital e este, por sua vez, devia veiculá-los à comunidade, onde foi denunciado o acto e informar os denunciantes sobre o desfecho do caso e comprometer-se a melhorar a comunicação e partilha de informação entre os governos distritais e as comunidades sobre os desfechos dos casos de apreensão de infractores ilegais e pagamento de multas aplicadas.

 

Segundo a AQUA, as pessoas que foram encontradas, envolvidas em esquemas de corrupção, estão sendo sancionadas de acordo com a legislação –  mesmo sendo régulo, chefe do posto ou quaisquer membros do governo e comunidade. E isso tem servido de exemplo para desmotivar esses actos. (Paula Mawar & Omardine Omar)

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