Em Agosto de 2019 a Presidente da Autoridade Tributária de Moçambique já tinha tomado uma decisão inusitada. Oferecia 34 milhões de USD à Intertek num polémico ajuste directo. Um anúncio de adjudicação lacónico, publicado na imprensa a 14 de Agosto, adjudicava à Intertek, uma firma que presta o serviço, em monopólio, da inspecção pré-embarque (IP) no comércio internacional, uma extensão desse serviço a troco de 34 milhões de USD.
Tratava-se de 34 milhões de USD para os seguintes produtos não detalhados: inspecção pré-embarque; equipas de apoio das Alfândegas; Consultoria; Formação e apoio ao ISFET; apoio ao projecto de instalação de um laboratório de análises para as Alfândegas. Era, em suma, um projecto destinado a fazer o “Phase Out” da IP em Moçambique.
Mas uma questão foi levantada em círculos “lobbistas” do ambiente de negócios em Moçambique: como é que uma entidade do topo do Governo viola substancialmente a legislação do Procurement público, oferecendo sem concurso tamanho valor a uma única entidade? “Carta” amplificou essa interrogação, mas não obteve resposta.
Três meses depois, a 31 de Dezembro, Amélia Nakhare, volta a tomar uma decisão inusitada, mas agora em sentido contrário, e usurpando claramente os poderes do Ministro da Economia e Finanças, Adriano Maleiane: rompe com o serviço que a Intertek vinha fornecendo há mais de 20 anos, sem garantir um “phase out” seguro, nomeadamente um mínimo de condições de segurança na inspecção da mercadoria que entra no país no quadro do comércio internacional, através de um plano de “desmobilização”.
No passado dia 31 de Dezembro de 2019, a Autoridade Tributária mandou cessar, por carta, todos os serviços da Intertek, terminando com a IP. Com o início do ano de 2020, e a partir dos próximos dias, todas as importações com “Obrigatoriedade de Inspecção Pré-embarque (IP)”, de acordo com os nºs. 1 e 2 do Art. 2 do Diploma Ministerial nº 19/2003 de 19 de Fevereiro), vão incorrer em potencial risco de não realização de inspecções e verificações, incluindo o cálculo dos impostos devidos ao Estado.
Um dos efeitos da interrupção abrupta da IP a partir dos primeiros dias de Janeiro de 2020, disse uma fonte, é o aumento de encargos em 10% na importação de mercadorias importadas. Mas o grande problema é que o rompimento com a Intertek acontece sem um plano de contingência: um programa de desmobilização, que incluiria a criação de um Laboratório para a Autoridade Tributária e a formação de funcionários que passariam a assegurar os serviços que estavam a ser realizados pela Intertek
Por outro lado, a ausência de inspecção entra em contradição com o Diploma Ministerial nº 19/2003, que estabelece a obrigatoriedade do processo sobre mercadorias e bens importados. Essa ausência vai trazer problemas ao processo de desembaraço aduaneiro das importações. Vive-se agora uma incerteza sobre o futuro de produtos que chegam ao países sem terem passado por uma IP, como manda a lei. O que acontecerá a esses produtos? Serão reexportados ou destruídos? Reexportação de medicamentos para a India? Baterias de células secas para a China? Químicos? Viaturas para o Japão? Pneus, óleo vegetal, têxteis para a Índia? Galinhas congeladas para o Brasil?, eis o dilema.
Uma fonte abalizada disse à “Carta” que o rompimento com a Intertek é um projecto antigo, que se enquadra na melhoria do ambiente de negócios. O problema é que a AT não garantiu uma transição ordeira para a “desmobilização” da Intertek. Em Moçambique, apenas 2 empresas têm capacidade de prestação de serviços de Inspecção Pré ou Pós-embarque, permitindo um normal desembaraço aduaneiro, a Intertek International Limited e a SGS. A grande questão que agora se coloca é: quem vai apagar o fogo ateado pela AT. Haverá um concurso internacional isento para se contratar serviços que garantam um “Phase Out” decente e evitem o caos? Ou há novos “lobbies” à espreita? (Marcelo Mosse)