Os esforços para extraditar o antigo ministro das Finanças dos dois mantados de Armando Guebuza, Manuel Chang, a Moçambique continuam em marcha. A última acção, levada a cabo pelas autoridades moçambicanas, remonta de 23 de Agosto passado, num expediente encabeçado pela recém-reconduzida Procuradora Geral da República (PGR), Beatriz Buchili.
Depois de o processo ter sofrido um revés com a contestação da decisão do ex-Ministro da Justiça e Serviços Correccionais, Michael Masutha, Beatriz Buchili decidiu, por via oficiosa, requerer a intervenção do Tribunal Supremo da África do Sul (DIVISÃO DE GAUTENG, JOHANNESBURG), no processo Nº 19/22157.
Trata-se de um requerimento “semi-urgente de intervenção nos pedidos do Sr. Manuel Chang, do Fórum de Monitoria do Orçamento e do contra-requerimento do Ministro da Justiça e Serviços Correccionais da República da África do Sul, Ronald Lamola”.
Essencialmente, naquela que pode ser entendida como sendo a derradeira “cartada” para salvar Manuel Chang do rigoroso sistema de justiça americano, Beatriz Buchili solicita que o Tribunal Supremo daquele país vizinho obrigue o actual ministro da Justiça e Serviços Correccionais a implementar a decisão tomada por Michael Masutha a 21 de Maio do ano corrente, em que anui à extradição do antigo ministro das Finanças para Moçambique.
Ronald Lamola solicitou, recorde-se, depois de assumir as pastas da justiça da África do Sul, junto do Tribunal Supremo, a anulação da decisão do seu antecessor por a mesma violar os tratados “nacionais, regionais e internacionais” rubricados pela África do Sul. A imunidade parlamentar de que gozava Manuel Chang, à data, foi outro aspecto evocado por Lamola para dar sustentáculo ao pedido de anulação da decisão de Masutha.
Importa fazer menção que Manuel Chang, actualmente encarcerado no estabelecimento prisional de Modderbee, renunciou ao seu mandato de deputado da Assembleia da República no passado mês de Julho do corrente ano, como forma de evitar eventuais embaraços.
Na argumentação enviada ao Tribunal Supremo, designada por “Contra-Requerimento Institutivo Conjunto e Depoimento de Resposta”, Beatriz Buchili acusa os Estados Unidos de América (EUA) de terem agido de má-fé durante a investigação das “dívidas ocultas”, isto porque nunca, em termos práticos, chegaram a colaborar com as autoridades de justiça de Maputo. Aliás, anota Buchili, que os EUA, na verdade, construíram todo o expediente acusatório contra Manuel Chang com base na informação facultada pela PGR de Moçambique, apontando, na sequência, o Sumário Executivo do relatório da Kroll como sendo a base da acusação de Washington.
“Em 30 de Abril de 2018, a Sra. Gardner enviou-nos informações que não eram mais do que as informações que lhe enviamos, ou seja, que a Privinvest Shipbuilding SAL Holding transferiu fundos para a EMATUM. Remeto a carta a este tribunal como anexo “BB15”. Não havia mais nada. Em 25 de Maio de 2018, respondemos à Sra. Gardner e a informamos que as informações não eram suficientes, pois já as tínhamos. Encaminhamos de volta o pedido de Moçambique na Carta Rogatória. Remeto a carta respondendo à Sra. Gardner a este tribunal como anexo “BB16”. Os EUA solicitaram informações. O nosso escritório forneceu as informações que pôde, mas eles nunca forneceram informações satisfatórias do que estávamos a solicitar. Tudo o que eles forneceram num determinado momento é o que já tínhamos nas nossas investigações. Foi assim que os EUA criaram a impressão de cooperação, com a qual trabalhamos”, refere Buchili no recurso enviado ao TS da África do Sul.
No dia 10 de Junho de 2019, isto depois da decisão de Masutha, anota Buchili, os EUA enviaram uma carta cujo conteúdo, tal como disse, compromete a soberania da República de Moçambique, o Ministério Público e o seu processo judicial. Na missiva, relata a PGR, os EUA apelam, entre outros, que Moçambique retire o mais rapidamente possível o seu pedido de extradição de Manuel Chang à África do Sul; que as limitações constitucionais de Moçambique à extradição de cidadãos moçambicanos poderiam, efectivamente, impedir Chang de ter de responder pelos seus crimes nos EUA; que a investigação dos EUA está completa e que os seus promotores estão prontos para julgamento.
Adiante, a Procuradora Geral afirma que Manuel Chang é figura central do puzzle das “dívidas ocultas” pelo que deve, invariavelmente, ser processado em Moçambique que, segundo disse, possui todas as condições para o fazer.
Em resposta às correntes que defendem que o país lançou a mão à extradição de Manuel Chang quando os EUA decidiram extraditá-lo e que também nunca levou com a devida seriedade o assunto, Beatriz Buchili disse que a narrativa é “enganosa e baseia-se na falta de informação”, uma vez que as autoridades de Maputo começaram a investigar o antigo ministro das Finanças e os co-autores em 2015, sob o processo penal no 1/PGR/2015.
“Afirmo que Moçambique tem a capacidade para processar Chang e seus co-autores. As instituições judiciais do Ministério Público são, efectivamente, utilizadas por organizações da sociedade civil. As organizações da sociedade civil confiam nas instituições judiciais e promotoras de Moçambique. Um exemplo disso é ilustrado pelo Fórum no seu depoimento para provar a sua eficácia como uma rede de organizações”, anotou.
Beatriz Buchili assenta a pertinência do antigo deputado da Frelimo ser julgado no país no facto de os empréstimos contratados à revelia dos órgãos de soberania terem arruinado a economia nacional, votando a esmagadora maioria da população à penúria.
“Este caso é muito importante para Moçambique, uma vez que as infracções penais causaram efeitos devastadores na economia de Moçambique. Isso fez com que os doadores suspendessem e/ou reduzissem o financiamento para Moçambique. Por isso, é importante para Moçambique processar este caso com sucesso para demonstrar o seu compromisso, competência e capacidade no combate à corrupção”, ressalvou Buchili. (I.B)