O grupo pretende usar a diplomacia do Papa Francisco com vista à “proteção e promoção dos direitos humanos, especialmente quando o país se prepara para realizar suas sextas eleições gerais em Outubro de 2019”
As ONGs estrangeiras dizem-se “preocupadas com a crescente intimidação e assédio aos defensores dos direitos humanos, ativistas, organizações da sociedade civil e mídia, a deterioração da situação dos direitos humanos em Cabo Delgado, a falta de responsabilização, justiça e medidas eficazes para vítimas de violações dos direitos humanos e abusos, bem como violações dos direitos dos refugiados e requerentes de asilo”.
Os activistas reportam ao Papa que “no ano passado, houve uma crescente repressão pelo governo moçambicano aos dissidentes, bem como aos direitos à liberdade de reunião pacífica e associação, liberdade de expressão e liberdade de imprensa. A liberdade de circulação de defensores dos direitos humanos, actores políticos, jornalistas e grupos da sociedade civil também está sob crescente ataque”.
Abusos contra rádios católicas
Aponta que “após as eleições municipais de Outubro de 2018, vários defensores dos direitos humanos, activistas da sociedade civil e jornalistas locais receberam ameaças anónimas de morte, intimidação por telefonemas e mensagens. Aparentemente, isso foi uma retaliação por sua participação no processo eleitoral, que incluiu o monitoramento das assembleias de voto e a publicação dos resultados das eleições municipais”.
A carta das ONGs internacionais refere nomes concretos de alegadas vítimas dos abusos e curiosamente alguns nomes são de figuras ligadas à igreja católica. “Os padres Benvindo Tapua e Padre Cantífulas de Castro, diretor e vice-diretor da Rádio Encontro, respectivamente, e jornalistas de estações de rádio católicas, Watana e Radio Encontro, foram intimidados e perseguidos”.
A denúncia ao Papa elenca também a agressão a “um repórter da estação de televisão Miramar que foi atacada por um membro do principal partido da oposição, a Resistência Nacional de Moçambique (RENAMO), quando estava cobrindo uma revolta no escritório local da RENAMO em Chimoio, província de Manica”.
Cerco ao CIP
E destaca o cerco de que foi alvo, entre os das 21 a 24 de Janeiro de 2019, o escritório do Centro de Integridade Pública (CIP), que lançou uma campanha contra o pagamento de supostos empréstimos secretos adquiridos ilegalmente no valor de 2,2 bilhões de USD. “A polícia ordenou que as pessoas removessem as camisetes da campanha e os funcionários do CIP para que parassem de distribuí-las”.
No rol de exemplos há também uma referência ao bloqueio de uma marcha, em Março de 2019, em Maputo. “A 1de Março, agentes policiais armados interromperam uma marcha organizada por uma escola primária local para marcar o carnaval anual na cidade”. E 4 dias depois, o edil de Maputo, Eneas Comiche, rejeitou os planos do Fórum Mulher para liderar uma marcha contra a violência doméstica no Dia Internacional da Mulher.
Insurgência em Cabo Delgado e Amade Abubacar
A denúncia ao Papa Francisco destaca o aumento da presença militar na região de Cabo Delgado na sequência da insurgência iniciada em Setembro de 2017. “No entanto, a resposta das autoridades têm sido preocupante. As forças de segurança teriam intimidado, assediado, arbitrariamente prendido e detido pessoas sob suspeita de pertencer ao grupo armado. Além disso, há alegações de que os detidos são submetidos a tortura e outros maus-tratos. Profundamente preocupantes são os relatos de casos de execuções sumárias”.
A detenção de jornalistas que tentaram cobrir os eventos ligados à insurgência não ficou sem menção. Em 5 de janeiro de 2019, o jornalista Amade Abubacar foi preso por agentes policiais do distrito de Macomia sem mandado de captura quando fotografava moradores que haviam fugido de suas casas devido a intensos ataques realizados por indivíduos que se crê sejam membros de um grupo armado. “Amade ficou detido antes do julgamento por quase 100 dias, incluindo 12 dias – incomunicável - em prisão militar. Em 23 de Abril, Amade foi libertado provisoriamente da prisão de Miezi, na cidade de Pemba. Ele ainda está enfrentando acusações de crimes de “incitamento público através da mídia eletrônica”.
O relato das ONGs ao Papa é extenso, factual. Seu pano de fundo é comum: Moçambique está a viver um período negro de repressão contra as liberdades individuais e de associação e uma violação crescente dos direitos humanos. Os subscritores da carta, entre os quais se contam a Amnistia Internacional, a CIVICUS, o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), a Federação de Jornalistas de Língua Portuguesa (FJLP) e os Repórteres Sem Fronteiras, pedem à Sua Santidade que “levante essas preocupações de direitos humanos com o Governo de Moçambique e lhe solicite que examine imediatamente os assuntos e tome medidas concretas e significativas para respeitar, proteger, promover e cumprir os direitos humanos". (Carta)