Ao assinarem hoje um Acordo de Paz e Reconciliação, o Governo e a Renamo estarão a dar um passo significativo para a desmilitarização e normalização da vida política, económica e social de Moçambique, indo de encontro às aspirações mais sagradas de um povo que viu, ao longo de várias décadas, seu presente e futuro hipotecados pela força das armas.
Este é o quarto acordo rubricado entre o Governo e a Renamo (depois do Acordo Geral de Paz de 1992, Joaquim Chissano-Afonso Dhlakama, com seu Protocolo de Desmobilização; o acordo de cessar-fogo Armando Guebuza-Dlhakama em 2014; e o acordo Filipe Nyusi-Dlhakama, em 2017). Cada um dos acordos falhou devido a razões e contextos específicos, mas, em todos eles, havia um padrão comum: nenhum ofereceu uma perspectiva atractiva de reintegração social para a força de guerrilha da Renamo, que permanece em parte não estruturada e autónoma (cerca de 5 mil homens, recentemente mobilizados).
Aliás, aspectos decisivos desses acordos nunca foram devidamente comunicados à sociedade, a exemplo do Protocolo de Desmobilização de 1992, ferindo-se gravemente o princípio da transparência numa matéria que afecta todo o povo moçambicano. O acordo de 2014 nunca foi oficialmente publicado e só existe uma “cópia”, feita base em fotos tiradas por alguém com seu telefone móvel, a circular em alguns sites na internet.
Hoje, nas vésperas da assinatura de mais um do Acordo de Paz e Reconciliação ainda não é certo que toda a informação relevante sobre os acordos vai ser divulgada.
“Carta de Moçambique” manifesta seu cepticismo pelo facto de, nas vésperas da assinatura de um Acordo de esperança e estruturante para a vida dos moçambicanos, ninguém ter vindo a público explicar qual é o conteúdo desse Acordo e, mais importante, dos seus Anexos. Sobretudo quando se sabe que ainda não existe um plano concreto de reinserção social dos mobilizados da Renamo.
Mais uma vez, o principio da transparência pode estar a ser violado, e como sempre com o beneplácito da comunidade internacional, neste caso tendo como figura cimeira a Alta Representante da União Europeia para Política Externa e Segurança, a senhora Federica Mogherini (a mesma comunidade internacional que ontem criticou o endividamento oculto e hoje apadrinha um acordo oculto, profundamente envolto num manto bafiento de secretismo).
A paz em Moçambique não é um assunto da exclusiva propriedade do Governo e da Renamo e doadores. A assinatura de um acordo hoje deve ocorrer dentro do pressuposto de que toda a sociedade é sua derradeira testemunha. Mas para a sociedade ser a testemunha do Acordo de Paz de hoje, todos os documentos relevantes devem ser apresentados e lidos em público. A sociedade precisa de garantias de que o Acordo de Paz e Reconciliação é uma etapa decisiva para a paz, sendo fundamental uma reinserção completa dos homens armados da Renamo, decisiva para a paz duradoira. É uma questão de transparência e de boa governação. Mas, e sobretudo, é uma questão de mobilização da sociedade para um projecto comum, genuinamente nacional.(Marcelo Mosse)