A iminência da libertação provisória dos arguidos detidos das “dívidas ocultas” poderia ter sido evitada se a juíza Evandra Uamusse (que está na categoria B de juiz provincial há menos de 1 anos) não se tivesse distraído de uma coisa essencial: a Lei prevê a prorrogação dos prazos de instrução contraditória e de prisão preventiva por 30 dias nos termos do artigo 334 de CPP, mediante despacho fundamentado depois de ouvidas as partes.
No dia 22 de Junho, a juíza prorrogou o prazo de Instrução contraditória por 30 dias, passando a terminar no dia 3 de Agosto. No mesmo dia deveria ter prorrogado o prazo de prisão preventiva por 30 dias, passando a terminar no 25 de Agosto, o que não fez. E, no dia 25 de Julho, também não notificou as partes sobre o despacho de pronúncia, tornando a prisão de todos praticamente ilegal a partir de 26 de Julho.
Esta situação está a causar uma grande celeuma no seio das duas magistraturas (judiciária e do Ministério Público) pois a “gaffe” da juíza é mesmo insanável e o único caminho legal é a soltura dos arguidos. O Tribunal Supremo (a sua secção criminal) tem sido dúbio no julgamento de processos de Habeas Corpus. Presidida pelo juiz-conselheiro Luís Mondlane (um dos mais experientes do TS, e que já foi Presidente do Conselho Constitucional, mas teve de regressar à casa por conduta irregular no CC), a secção criminal mandou libertar, há cerca de dois anos, o cidadão Rufino Licuco, condenado em primeira instância a uma pena de prisão (e também numa acção cível) no caso de violência doméstica interposto por Josina Machel.
Licuco sempre respondeu no processo em liberdade. Após a condenação, ele foi recolhido imediatamente à prisão mesmo depois de ter interposto um recurso (que suspendia a condenação). Seus advogados requereram o Habeas Corpus junto do Tribunal Supremo, que decidiu favoravelmente dentro do prazo de oito dias. Mas a mesma secção teve, mais recentemente (e no caso vertente das “dívidas ocultas”) uma postura diferente, amplamente criticada pela defesa.
Os pedidos de Habeas Corpus de Gregório Leão e António Carlos Rosário (quadros superiores do SISE) foram decididos negativamente depois de 3 meses e os argumentos para a recusa considerados “pouco convincentes” pela defesa. O facto de ter levado meses a decidir um assunto cujo prazo constitucional é de oito dias, levantou suspeitas segundo as quais o TS estava a ser guiado por ditames extra-judiciais.
Agora, a expectativa da opinião pública na sequência dos novos requerimentos de “Habeas Corpus” parece estar redobrada. Uma coisa é certa: a “gaffe” da juíza Evandra Uamusse é insanável. Uamusse é uma novata juíza da sexta secção criminal do Tribunal da Cidade de Maputo. Até bem pouco tempo ela era uma juíza distrital em Quelimane. Depois de ascender à juíza B Provincial, nunca tinha passado pelas suas mãos um caso de grande complexidade como este das “dívidas ocultas”. O critério de distribuição de casos entre os juízes é por sorteio mas há quem pensa que o processo das “dívidas ocultas” deveria ter sido entregue discricionariamente a um juiz mais calejado. (Marcelo Mosse)