O presidente da Associação Moçambicana de Juízes (AMJ), Esmeraldo Matavele, lançou quarta-feira um ataque extraordinário ao Conselho Constitucional que descreveu como “envenenando” a democracia moçambicana.
O Conselho Constitucional é o órgão máximo do país em matéria de direito constitucional e eleitoral. No ano passado, após as eleições municipais, o Conselho tomou para si todo o poder para declarar as eleições nulas e sem efeito ou para ordenar recontagens – para grande aborrecimento do Supremo Tribunal, que acreditava que esse poder cabia aos tribunais distritais e municipais.
A legislação eleitoral moçambicana parece afirmar claramente que, em primeira instância, os tribunais distritais têm o poder de anular eleições, embora as suas decisões possam ser objeto de recurso para o Conselho Constitucional.
Em vários municípios, os tribunais decidiram que os resultados das eleições de Outubro de 2023 apresentavam falhas profundas e ordenaram recontagens ou que os resultados fossem anulados e fossem realizadas novas eleições.
Mas em todos os casos o Conselho Constitucional rejeitou os tribunais distritais e declarou que era o único órgão a anular as eleições. O papel dos tribunais distritais foi assim reduzido a uma mera fachada.
Numa conferência de imprensa em Maputo, quarta-feira, Matavele disse que o Conselho estava a subverter o espírito da lei, e apelou ao parlamento do país, a Assembleia da República, para clarificar o papel dos tribunais distritais, e assim contribuir para a consolidação do Estado Democrático de Direito.
“Deliberadamente, e com a intenção de prejudicar o Estado de direito, o Conselho Constitucional quer retirar poder aos tribunais distritais em matéria de disputas eleitorais”, disse Matavele. “Como juízes, pensamos que a intenção do Conselho poderá pôr em causa a construção da democracia em Moçambique e levar o país a conflitos pós-eleitorais”.
O Conselho Constitucional, acrescentou, está a agir “como um veneno para a construção da democracia”. Matavele achou “muito estranho” que o Conselho só tenha descoberto que era o único órgão com poderes para anular eleições ou ordenar recontagens depois de os tribunais distritais terem tentado exercer esses poderes.
Ele considerou que era claro que a lei existente conferia de facto esses poderes aos tribunais distritais, e este era o entendimento da maioria dos juízes do país.
Matavele lamentou que nas suas decisões de 2023, o Conselho Constitucional tenha retirado esses poderes aos tribunais distritais.
Na altura, a AMJ, disse, tinha ido à imprensa “para dizer que não concordávamos com aquela posição". Muitas outras instituições e indivíduos assumiram a mesma posição”.
Um dos pontos da agenda da actual sessão parlamentar é a revisão da legislação eleitoral. Matavele observou que “continua a ser duvidoso se a Assembleia alterará a lei nos termos que a maior parte da comunidade judiciária tem defendido, ou se aceitará a tese avançada pelo Conselho Constitucional”. Matavele não teve dúvidas de que, se a posição do Conselho prevalecer, “isso será um retrocesso para a democracia”. (PF, AIM)