As suspeitas de corrupção que pairam sobre o processo de construção do polémico Aeroporto Internacional de Nacala, alvo de críticas devido ao seu elevado custo (125 milhões de USD), para além da sua aparente não estratégica localização (está a menos de 200 km do Aeroporto de Nampula, o segundo mais movimentado do país), continuam a ganhar sentido. Isso deve-se ao “surgimento” de dois contratos de financiamento celebrados entre a empresa pública Aeroportos de Moçambique (AdM) e o Banco Nacional do Desenvolvimento Económico e Social (BNDES), do Brasil, instituição financeira que concedeu o crédito, porém, com protagonistas diferentes.
A “Carta” está na posse de duas cópias de “contratos de financiamento mediante abertura de crédito” assinados entre o BNDES e a AdM, com intervenção da Odebrecht (agente exportador), do Governo (agente garantidor), através do então Ministro das Finanças, Manuel Chang, e do antigo Ministro dos Transportes e Comunicações, Paulo Zucula, (terceiro interveniente).
Entretanto, estes foram assinados por protagonistas diferentes num intervalo de dois anos. O primeiro contrato, celebrado a 28 de Abril de 2011 com o n° 10.2.1877.1, concedia à AdM um crédito de 80 milhões de USD e destinava-se à exportação, em 100%, dos bens e serviços brasileiros que seriam aplicados no projecto, através da sua linha de financiamento “BNDES-exim Pós-Embarque, modalidade buyer’s credit”. A linha de crédito em causa é aquela em que os recursos são disponibilizados depois de a operação ter sido aprovada.
O contrato foi assinado por Manuel Veterano e António da Silva, então PCA e Administrador da empresa, respectivamente. Também rubricaram aquele contrato Luciano Coutinho e Luiz Melin, na altura presidente e director do BNDES, respectivamente, bem como Carlos Napoleão e Fernando Soares, directores da Odebrecht. Em nome do Governo rubricou o mesmo contrato Manuel Chang, enquanto Paulo Zucula assinou-o como representante do Ministério dos Transportes e Comunicações (MTC).
O segundo contrato de financiamento, que surge de uma adenda contratual assinada entre AdM e Odebrecht a 08 de Agosto de 2012, foi celebrado no dia 06 de Setembro de 2013 (13 meses depois da assinatura da adenda), com o n° 13.2.0104.1, concedendo um crédito na ordem de 45 milhões de USD. O referido contrato tinha como finalidade complementar as obras de ampliação das capacidades do empreendimento, igualmente através da sua linha de financiamento “BNDES-exim Pós-Embarque, modalidade buyer’s credit”.
No entanto, se o primeiro contrato tinha a assinatura de Paulo Zucula, o segundo contava apenas com os testemunhos da Odebrecht e do Governo, este último representado pelo então Ministro das Finanças, Manuel Chang. Assinaram o segundo contrato Emanuel Chaves e Lucrécia Ndeve, PCA e administradora da empresa Odebrecht, respectivamente, Carlos Napoleão e Carlos de Souza (ambos da Odebrecht), Wagner Bittencourt e Luiz Melin (os dois pertencentes ao BNDES), e Manuel Chang, do Governo.
Esta situação levanta dúvidas sobre as pessoas que possam ter beneficiado dos subornos pagos pela Odebrecht. O facto é que o processo nº 58/GCCC/17-IR, em investigação no Gabinete Central de Combate à Corrupção (GCCC), constituiu apenas dois arguidos, nomeadamente Paulo Zucula e Manuel Chang. Zucula é acusado de ter recebido subornos no valor de 135 mil USD, enquanto Chang é suspeito de ter encaixado 250 mil USD. No total, os dois receberam 385 mil USD.
Entretanto, a Odebrecht declarou ter feito o pagamento, no período 2011-2014, de 900 mil USD a altos funcionários do Governo durante o processo de construção do Aeroporto Internacional de Nacala, ora transformado num “elefante branco”. Ninguém sabe explicar o “desaparecimento” dos restantes 515 mil USD. Importa referir que, aquando da assinatura do segundo contrato, Zucula ainda era titular da pasta dos Transportes e Comunicações, mas não o assinou como fê-lo em relação ao primeiro, situação que levanta algumas questões sobre os motivos de tal situação.
Âmbito da parceria e cláusulas contratuais
Tendo em conta a fundamentação dos dois contratos, o MTC foi o primeiro a celebrar um contrato comercial com a Odebrecht para a construção do Aeroporto Internacional de Nacala a 10 de Dezembro de 2009. Todavia, o Ministério retirou-se do negócio no dia 29 de Novembro de 2010, através da assinatura de um acordo de cessação de posição no contrato, tendo transferido as responsabilidades para a AdM. Com 26 páginas e 24 cláusulas, o primeiro contrato estabelecia, entre outras cláusulas, que o crédito não deveria ser usado para o pagamento de impostos, tarifas alfandegárias, contribuições, comissões e quaisquer outras taxas ou tributos, em Moçambique ou noutro país.
Regido pela legislação inglesa (collateral agency agreement and bank account charge), que terá por objecto o penhor e administração das contas-garantia constituídas como contra-garantia ao seguro de crédito à exportação, o contrato também estabelece, na 20ª cláusula, que em caso de incumprimento o problema será resolvido via Tribunal Arbitral composto por três árbitros e terá lugar na cidade brasileira do Rio de Janeiro com aplicação da legislação daquele país.
Acrescenta, na 13ª cláusula, que na hipótese de uma cobrança judicial da dívida, a AdM pagará ao BNDES uma multa de 10% sobre o principal, e encargos da dívida, para além das despesas extra-judiciais, judiciais e honorários advocatícios. Por sua vez, a AdM declara, na 3ª cláusula, que a eleição da legislação brasileira como aplicável àquele contrato estava em conformidade com a legislação nacional e será aplicada pelos órgãos jurisdicionais, razão por que “as sentenças a serem aplicadas pelos tribunais brasileiros seriam reconhecidas e aplicadas pela justiça moçambicana”.
O primeiro crédito tem uma taxa de juro aplicada para os empréstimos interbancários de Londres (Libor) para um período de 60 meses, acrescida de 2% a título de spread, permanecendo fixa até à liquidação da dívida. Os juros deviam ser pagos em 30 parcelas semestrais consecutivas (15 anos), e seriam calculados dia-a-dia sobre o saldo devedor do crédito. Por sua vez, a própria dívida devia ser paga em 23 parcelas semestrais (11 anos e meio).
O segundo contrato estabelece as mesmas condições impostas no primeiro, mas acrescido a isso especifica que o crédito deve ser amortizado em 23 prestações semestrais (quase dois anos), e a taxa de juro do crédito a ser aplicada deverá ser equivalente à dos empréstimos interbancários de Londres (Libor) para um período de 60 meses, acrescida de 2% a título de spread, permanecendo fixa até à liquidação da dívida. Os empréstimos devem ser pagos em 27 parcelas semestrais (23 anos e seis meses). (Abílio Maolela)