O famoso criminalista Albano Silva é o advogado com procuração junto do Ministério Público para defender o antigo Governador do Banco de Moçambique, Ernesto Gouveia Gove. “Carta” sabe que Albano Silva foi a terceira escolha de Gove. Na passada sexta-feira, os dois entraram de “mãos dadas” no edifício da Procuradoria-Geral da República (PGR), na Vladimir Lenine, em Maputo. No processo das “dívidas ocultas”, Gove é acusado de abuso de cargo ou função e associação para delinquir.
O criminalista é uma velha raposa da advocacia moçambicana, um investigador nato, trabalhador incansável, como caracterizou um colega que lhe é chegado. Mas, reza outra descrição, Albano Silva é um advogado que sempre se valeu das suas influências extra-processuais para defender clientes, num registo de justicialismo imposto a todo o custo. Ao abraçar Ernesto Gove, o advogado regressa às barras, firmando-se como o mais experiente dos causídicos das “dívidas ocultas”. Para além dele, e de Abdul Gani Hassan, todos os outros pertencem a uma fornada de geração recente, que vai ganhando cada vez mais espaço nas lides.
Na segunda-feira, desta semana, perguntámos a albano se tinha aceite Gove como cliente. “Não sou advogado de ninguém”, disse ele. Mas, a procuração constante no processo desmente essa recusa. Nos últimos anos, Albano Silva esteve afastado das barras. Associou-se a um jovem jurista e criou a Albano Silva e Guilaze, uma firma que faz um pouco de tudo. Na sua página na internet, pode-se ler uma mini-biografia do advogado. Ela reza assim:
“António Albano Silva é sócio sénior e fundador da sociedade. É licenciado em Direito pela Universidade Eduardo Mondlane, em 1981, é advogado e membro fundador da Ordem dos Advogados de Moçambique e está inscrito na mesma (Ordem dos Advogados de Moçambique) desde o ano de 1994 (ano da sua fundação): Tem mais de 37 anos de experiência profissional e é responsável pelos serviços de assistência jurídica em várias áreas, com especial enfoque para o Direito Fiscal, Direito Bancário, Concessões e Licenciamento, Arbitragem, Mediação e Conciliação, Contencioso, Direito Administrativo e Contratação Pública”.
O retrato, breve como um cartão-de-visita, é muito lacónico. Não capta o percurso intenso de um dos mais mediáticos e controversos advogados do pós-independência. Entre meados dos anos 90 a cerca de 2010, Albano Silva tornou-se no advogado com mais parangonas nos “media” nacionais, tanto por motivos de bravura como de chacota. O primeiro grande caso foi de tráfico de droga. Em 1995, a Polícia apreendeu 40 toneladas de haxixe que circulavam na cidade de Maputo, em dois camiões.
A Polícia deteve preventivamente o empresário Mahomed Ikbal Gafar, do Grupo AGT de Nampula. Albano Silva foi contratado como advogado, naquele que foi o primeiro grande caso criminal após a transição para a democracia. O advogado meteu-se no terreno como um exímio detective e cedo desmontou a narrativa incriminatória da Polícia. Ikbal acabou sendo libertado provisoriamente, mas morreu pouco depois de hepatite num hospital no estrangeiro. A única pessoa verdadeiramente presa em conexão com esta apreensão foi o condutor de camião Samssudine Satar.
Depois veio Robert Macbride, na altura funcionário de alto escalão do Departamento de Relações Exteriores da África do Sul. Foi preso pela polícia moçambicana, em Ressano Garcia, com várias AK47 na sua bagageira. Alegou-se que McBride estava em missão de investigação sobre alegações de contrabando de armas de Moçambique para a África do Sul. Está-se em 1998. O Tribunal Supremo mandou soltar McBride após a intervenção do advogado Albano Silva. O sul-africano acabou fugindo do país sem sequer ser julgado.
E por fim a saga do caso da fraude ao antigo BCM (que se desenrolou em várias dimensões e episódios). A fraude (14 milhões de USD) foi descoberta entre 1996/1997. O BCM, maior banco comercial do pais, contratou Albano Silva, que trabalhou incansavelmente para levar o caso do BCM ao tribunal, apesar de obstáculos de vária ordem. Esbarrou com agentes da Polícia corruptos e entrou em rota de colisão com dois procuradores encarregues de investigar o caso, nomeadamente, Diamantino dos Santos e Rui Seuane (marido da Procuradora Geral Beatriz Buchili). A investigação recaía sobre um antigo gerente do BCM, Vicente Ramaya, e sobre os irmãos Satar (Ayob e Nini, na Unicâmbios).
Os dois lados, nomeadamente, o grupo investigado e o advogado, tornaram-se inimigos figadais. O advogado tinha descoberto evidências que levavam ao grupo como sendo o mentor da fraude. Mas, o grupo começou a alegar que Albano estava a “persegui-lo” para esconder os verdadeiros mentores do rombo. Albano Silva percebeu, então, que uma aliança com o jornalista Carlos Cardoso era fundamental para ele ganhar uma causa que já não era apenas do foro da justiça; jogava-se também no extenso palco da opinião pública. Carlos Cardoso viria a ser assassinado quando investigava, entre outros, o caso BCM, numa colaboração profícua com o advogado. O caso da fraude ao BCM viria a ser julgado, em 2003, e a tese de Albano Silva acabou vingando: Vicente Ramaya e os irmãos Satar viriam a ser condenados.
Foi uma vitória de Albano arrancada a ferros. Seus detractores não lhe vêem brilhantismo nenhum, mas apenas uma habilidosa capacidade de mover influências. Agora que ele regressa às barras há quem prefira recordar um caso que parece vexatório para o causídico. Em 1999, um ano antes do assassinato do jornalista Carlos Cardoso, Albano Silva reportou uma tentativa de assassinato contra si, apontando para os irmãos Satar. O caso só foi julgado em 2008 mas ninguém foi condenado. Porquê? Sabe-se hoje que a trama não passara de uma inventona. Albano Silva é considerado um exímio manhoso, um lobo matreiro. Mas na inventona, ele falhou redondamente. E agora? Que trunfos usará para safar Gove? (Marcelo Mosse)