Apesar de uma reacção mista, cautelosa, “de esperar para ver” em face de um processo eleitoral gerido desastrosamente pela Comissão Nacional de Eleições (CNE), as missões diplomáticas acreditadas em Moçambique não têm estado de braços cruzados à espera do “veredicto final” do Conselho Constitucional.
“Carta” apurou que o Banco Mundial e os Estados Unidos da América (EUA) estão “mexendo alguns pauzinhos” nos corredores diplomáticos em Maputo e, como consequência, a Ministra dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, Verónica Macamo, vê-se obrigada a dar umas “explicações” sobre processo.
Através do ofício N.º/063/MINEC/GPB-AE/329/2023, Maputo, de 16 de Novembro de 2023, Verónica Macamo convocou os Chefes das Missões Diplomáticas e Representantes das Organizações Internacionais, para uma reunião nesta quarta-feira, 22 de Novembro, a ter lugar Sala Mangueira do edifício da 10 de Novembro.
“O Ministério informa que a reunião tem como objectivo partilhar informação sobre as Sextas Eleições Autárquicas realizadas em Moçambique, no dia 11 de Outubro de 2023”, lê-se no convite, que “Carta” teve acesso.
O convite de Macamo para os embaixadores acreditados em Moçambique é uma clara cedência do Governo, que agora se vê obrigado a “prestar contas” à “mão externa”, depois de uma condescendência inicial dos doadores, com os EUA a empunhar sozinhos a batuta da “pressão”.
[Ainda neste fim de semana, o embaixador dos EUA em Moçambique, Peter Hendrick Vrooman, disse à imprensa que continua a acompanhar atentamente o desenrolar de todo o processo eleitoral, incluindo os contenciosos eleitorais, e espera que a homologação do Conselho Constitucional seja justa].
A reação dos doadores ao desastroso pleito eleitoral de Outubro foi mesmo fragmentada, surgindo a conta gotas, alguns “too litle, too late” como no caso dos “like minded” Canadá, Suíça e Noruega, seguidos da representação da União Europeia.
Outros nem abriram a boca, como a Embaixada de Portugal, movida por interesses empresariais com ligação a políticos da Frelimo, de acordo com um observador opinando para “Carta”.
O contexto da fragmentação é inevitável, depois do fim do chamado Apoio Orçamental (por causa das “dívidas ocultas”), que usava o instrumento do “diálogo político” como canal através do qual o Governo “prestava contas” a quem financiava o orçamento, nomeadamente contas sobre componentes centrais da governação democrática (eleições, descentralização, anti-corrupção, etc).
Sem esse instrumento, e com cada doador envolvido dispersamente em programas sectoriais, sobram o Banco Mundial e os EUA para sacudirem a poeira da complacência, e amplificaram junto do Governo de Maputo a demanda dos eleitores moçambicanos pela transparência eleitoral.
Ambas as entidades têm legitimidade de sobra para exigir contas ao Governo.
Os EUA são o maior doador bilateral de Moçambique e doam quase 500 milhões de USD por ano em assistência, com envolvimento directo na luta contra o HIV/SIDA, programas educacionais, política agrícola e conservação da vida selvagem. E o conselho de administração da Millennium Challenge Corporation (MCC), uma agência de apoio externo norte-americana, aprovou a 28 de Julho deste ano, um programa de 500 milhões de USD para o Pacto de Conectividade e Resiliência Costeira de Moçambique. Esse dinheiro ainda não foi desembolsado.
Por sua vez, o Banco Mundial, para além de financiar o “Sustenta” (através do Fundo Nacional de Desenvolvimento Sustentável, FNDS), cada vez mais com reservas por causa do seu “procurement” alegadamente “opaco”, tem na manga muitos milhões de USD fundamentais para Moçambique (e para suas elites políticas) nos próximos anos.
O Banco Mundial aprovou em Março deste ano um financiamento de 850 milhões de dólares para a reabilitação da Estrada Nacional número 1. Para além desse montante, o banco está a ponderar disponibilizar 300 milhões de USD para um programa de desenvolvimento humano em 4 Ministérios e mais 100 milhões para outro programa de capacitação institucional do Estado.
A reunião de Macamo com os doadores vai ser interessante para sabermos que estes doadores vão condicionar os desembolsos em “pipeline”, exigindo maior transparência sobre este processo eleitoral em concreto, muito embora o “dossier” se encontre agora com o CC, e o Governo pode alegar que não interfere naquele órgão que é a última instância do contencioso eleitoral em Moçambique, de resto um órgão também partidarizado, tal como a CNE.
Resta saber se estamos perante uma pressão real dos doadores, ou tudo não passa de teatro diplomático para calar a oposição e o repúdio popular em curso. (M.M.)