Um parecer jurídico obtido pelo nosso jornal sobre a recente atribuição, pelo Instituto Nacional de Minas (INAMI), da Concessão Mineira 9579 C a favor da Amazano Minas Sociedade Unipessoal Limitada, no Distrito de Búzi, em Sofala, indica que esta pode estar ferida de ilegalidade.
O caso é muito recente. Parece mais um episódio de tráfico de influência e excessiva discricionariedade, com contornos graves de improbidade, num caso em que o Estado se revela como um grande empecilho ao investimento e à protecção ambiental.
A referida concessão mineira foi atribuída em Abril deste ano (1098/INAMI/DG/2023), de acordo com documentos compulsados por "Carta de Moçambique". Entretanto, um parecer jurídico obtido pelo nosso jornal estabelece que a concessão é “injusta e ilegal”.
A Amazano Minas é uma Sociedade Unipessoal Limitada constituída em 2018 por Apolinário João, cidadão natural de Chibabava. Tem como objecto a prospecção, pesquisa, exploração e comercialização de minerais e seus derivados.
A Amazano requereu uma concessão de terra em Estaquina, Búzi, designadamente para extracção de calcário e conseguiu, por entre portas e travessas, obter essa concessão. O problema é que grande parte da área de mineração concedida já estava concedida. Ou seja, parte da parcela encontra-se dentro de uma área de 88 hectares de terra, cujo Direito de Uso e Aproveitamento da Terra (DUAT) pertence à Arquidiocese da Beira (AB).
A zona, agora alvo de uma forte disputa em sede de direito administrativo em função da nova atribuição, localiza-se em Estaquinha, Búzi, província de Sofala. Aquela entidade religiosa destinou a área para actividades de Ensino Técnico Profissional, nos domínios da Agricultura e Conservação da Natureza, através do Instituto Médio Agrário de Estaquinha, devidamente autorizado, nomeadamente com Certificado de Acreditação concedido pela Autoridade Nacional de Educação Profissional.
Em Abril, quando tomou conhecimento do despacho do Ministro dos Recursos Minerais e Energia (MIREME), Carlos Zacarias, comunicando a atribuição da Concessão Mineira 9579 C à Amazano, a Arquidiocese da Beira tratou de manifestar sua indignação e revolta pela “sobreposição”.
Na verdade, Carlos Zacarias apenas assinou um despacho suportado por documentação preparada ao nível do Instituto Nacional de Minas (INAMI), com uma grande intervenção de funcionários afectos ao sector do Cadastro Mineiro. Foi nesta entidade do MIREME onde tudo aconteceu. O primeiro sinal de atribuição da concessão foi através da Nota 1098/INAMI/DG/2023, do dia 05 de Abril de 2023. Mas a Arquidiocese da Beira denunciou imediatamente a sobreposição parcial da área coberta pelo seu DUAT com a área atribuída à Amazano (suportando essa denúncia com o DUAT e a Planta/Esboço de Localização, Descrição e Esboço de Localização Topográfica).
Ou seja, o INAM foi comunicado atempadamente que as coordenadas geográficas indicadas no despacho de concessão da Amazano e as coordenadas constantes do DUAT da AB se sobrepunham parcialmente.
Por outro lado, a AB indicou previamente a incompatibilidade entre o seu objecto social (Ensino Técnico-Profissional nas áreas de agricultura e conservação da natureza) e os objectivos da Amazano (extracção de calcário).
Instituições do Estado mergulhadas na surdez e decisões judiciais são ignoradas
Desde que a intenção da sobreposição chegou ao seu conhecimento, a AB tentou interceder junto de instituições relevantes do Estado, mas a surdez foi a resposta. A AB solicitou à Direcção Provincial de Terra e Ambiente (DPA) esclarecimentos sobre o processo da emissão de DUAT para a Amazano, alertando para o risco de sobreposição de actividades incompatíveis (com riscos para os seus investimentos e a segurança ambiental e social dos seus estudantes e corpo técnico administrativo e docentes), mas a resposta foi o silêncio. A AB intercedeu também junto do Instituto Nacional de Minas (INAMI), sem resultados satisfatórios.
Como viu seus requerimentos para entidades afins atirados ao lixo, a AB decidiu abordar a justiça administrativa e, partindo do pressuposto de que a atribuição do título mineiro à Amazano foi “pouco transparente”, submeteu junto do Tribunal Administrativo da Cidade de Maputo (TACM) um Pedido de Suspensão de Eficácia, cujo processo (Processo n.°186/2023 C.A.) ainda corre termos.
De acordo com a lei, a admissão pelo Tribunal Administrativo do Pedido de Suspensão de Eficácia tem como efeito a suspensão provisória imediata da decisão da atribuição do título mineiro à Amazano. De acordo com o parecer que obtivemos, o sentido desta decisão é o de que, enquanto o Processo n° 186/2023 C. A. não for decidido, em regra, a entrega do título mineral deve ser suspensa.
Entretanto, mesmo com a suspensão provisória do acto decretado pelo TACM, o INAMI procedeu, no dia 16 de Agosto de 2023, à entrega do título mineiro à Amazano, “sem fundamento legal”, e mesmo depois de a AB ter submetido ao TACM um pedido de manutenção da suspensão provisória, a 06 de Junho passado, por completa falta de fundamentos para o seu levantamento. Aliás, a 3 de Junho de 2023, solicitara ao TACM o levantamento da suspensão, alegando "grave urgência e interesse público”.
Crime de desobediência e corrupção?
A Arquidiocese da Beira e outros interessados no assunto, no caso da Sofala Cimentos LDA (que está a construir uma gigantesca fábrica de cimentos na região), denunciam que o favorecimento à Amazano “pode ter motivação criminosa, com contornos de corrupção, que deve ser investigada”, tendo em conta a violação sistemática da Lei de Minas e do seu regulamento.
“A falta de Memorando de Entendimento, conforme impõe a Lei de Minas nos artigos 28 a 30, implica a presença do vício de violação da Lei (conforme o artigo 34, alínea d) da LPAC 2014), devendo se investigar a razão por que, para esta concessão, os técnicos do INAMI não exigiram à Amazano um Memorando de Entendimento com outros interessados, como a Lei de Minas impõe”, alega a Sofala Cimentos.
Os queixosos lançam suspeitas contra funcionários do INAM do sector do cadastro a quem acusam de terem facilitado um título mineiro marcadamente ilegal, suspeitando que os mesmos possam ter cometido vários crimes, por comprovadamente terem usado o cargo de forma ilícita para obterem vantagens patrimoniais através da posição que ocupam.
Por outro lado, alegam que, para além do crime de desobediência qualificada, os factos descritos enquadram o cometimento do crime de abuso de cargo ou função previsto e punível nos termos do artigo 431 do Código Penal e enriquecimento ilícito com assento legal no preceituado artigo 428, do mesmo diploma legal. (Carta)