Eis o teor da carta dirigida ao Presidente da República, subscrita pelo 14 detidos, a que o nosso jornal teve acesso:
José Machado, Hermínia Nhamundze, Constantino Simone, Francisco Neto António, Minate Evaristo, Josefa Sambo, Moniz António, Felix Simbine, Jorge Lúcia Manjate, Jamussidine Jumá Mussa Faquirá, Notisso Carlos Alexandre Lucas, Ramos André Zambuco, Alberto Ndaluza, e Moisés Alexandre Chavane, antigos Directores da Penitenciária de Máxima Segurança da Machava e da Penitenciária Provincial de Maputo, e também funcionários das aludidas penitenciárias, vêm por força do estatuto, nomeadamente do artigo 146, números 1 e 2 da Constituição da República de Moçambique, solicitar a intervenção do mais alto Magistrado da Nação, baseando-se nos seguintes factos e fundamentos:
1º Os autos em questão remontam a meados de 2015, ou pelo menos foi nessa altura que os então arguidos foram notificados do processo e ouvidos pela Procuradoria da Cidade de Maputo. Terminadas as audições, os arguidos aguardaram os ulteriores termos processuais em liberdade, porque nunca houve razão justificável para a aplicação de outras medidas de coacção.
2º Mas surpreendentemente, e contra toda a expectativa, volvidos cerca de quatro anos, os arguidos foram notificados para comparecer na Procuradoria Provincial de Maputo, no dia 25 de Fevereiro do corrente ano, a fim de serem ouvidos em acareação nos mesmos autos. Como os mesmos nunca obstruíram a acção da Justiça, fizeram-se presentes no dia e hora marcados convictos da diligência notificada.
3º Qual não foi o espanto quando, já no local, os arguidos foram barbaramente interpelados, violentados e informados de que estavam presos. Tudo aconteceu de forma abrupta e repentina, não deixando dúvidas de que por alguma interpretação nublosa ou esforçada a Procuradoria estava equivocada, agindo como agiu, sem observância das regras e princípios elementares atinentes à prisão preventiva.
4º Ficou claro naquela detenção que não se tratava de justiça, mas sim de vingar qualquer coisa de natureza obscura, quiçá uma interpretação subjectiva e eivada de vício, que imputava aos arguidos um alegado entendimento relacionado com a facilitação da saída do réu Momade Assif Abdul Satar.
5º Porém, as detenções não passavam de uma deficiente investigação, à mistura com vinganças macabras de pessoas que se aproveitam do facto de ser funcionários do Estado e com autoridade para ordenar prisões dos seus alvos, fazendo-o de forma abusiva.
Com efeito,
6º As referidas capturas dos arguidos, bem como a sua suspeita, funda-se apenas num pressuposto básico:
- ·Facilitar a saída do réu Momade Assif Abdul Satar, dando aval para o regime seguinte sem que estejam reunidos os requisitos;
Ora,
7º Analisemos este pressuposto e procuremos enquadrá-lo objectivamente, e concluiremos que não existe qualquer conexão que justifique a suspeita.
Senão, vejamos:
- a)Quanto à alegada Passagem de Regime Sem Requisitos Legais:
8º Constitui uma montagem maquiavélica pensar-se que os réus em alusão, intencionalmente e com propósito de facilitar a saída de Momade Assif Abdul Satar, deram aval à passagem de regime seguinte sem que o visado reunisse requisitos para o efeito.
9º Na verdade, a Direcção da Penitenciária de Máxima Segurança da Machava recebeu no dia 14 de Março de 2014 o ofício n° 26/GJD/10ª/2014, proveniente da 10ª Secção do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo. O documento destinava-se ao Director daquela Penitenciária.
Só que,
10º O documento em apreço solicitava o atestado de comportamento do recluso Momade Assif Abdul Satar para efeitos do processo n° 04/2014/10ª, cujo ofício se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. Em suma, o tribunal referia que o mandatário judicial daquele réu requereu liberdade graciosa, pelo que solicitava a informação sobre o comportamento prisional do réu e sua ficha bibliográfica. Recebido o documento, no dia 17/03/14 o Director convocou o seu Conselho Técnico para deliberar sobre a solicitação daquele tribunal.
11º Os pressupostos, requisitos e fundamentos para a emissão do atestado de comportamento de um condenado constam fundamentalmente do artigo 146 do Código Penal, nos termos do qual os condenados à pena de liberdade por tempo superior a seis meses poderão ser postos em liberdade condicional pelo tempo que restar para o cumprimento da pena, quando tiverem cumprido metade desta e mostrarem capacidade e vontade de se adapatar à vida honesta.
12º Cabe esclarecer que a Penitenciária Especial de Máxima Segurança emitia directamente propostas de liberdade condicional aos tribunais, para efeitos de concessão da graciosa liberdade. Mas em Março de 2013 o Exmo Director Nacional do Controlo Penal e Medidas de Segurança, então SOP, reuniu com as Direcções da Penitenciária de Máxima Segurança, Penitenciária Provincial de Maputo, de Ndlhavela e Preventiva de Maputo, bem como com os seus Chefes de Departamentos de Controlo Penal e do Departamento de Reabilitação e reiserção Social, para além de outros técnicos, para novas orientações em relação à forma como estes estabelecimentos penitenciários deveriam proceder sobre propostas de liberdade condicional.
13º Foi orientado, nessa reunião, que em vez de formular propostas de liberdade condicional, a Penitenciária de Máxima Segurança da Machava devia fazer o acompanhamento do comportamento dos internos através dos regimes penitenciários. Tal medida devia-se ao facto de o Director do SOP entender que aquela penitenciária albergava reclusos definidos nos termos constantes dos artigos 108, 116 e 117 do Dec-Lei n° 26:643, de 28 de Maio, conjugado com o artigo 67 do Código Penal antigo que actualmente se encontra previsto no artigo 73 do Código Penal vigente, ou seja, os designados de difícil correcção.
14º Ficou também claro que, como o Estabelecimento Penitenciário Provincial se encontra superlotada, o Exmo Director Nacional dos Serviços de Operações Penitenciárias ordenou que se passassem somente os processos individuais dos internos da Penitenciária da Máxima Segurança da Machava para a Penitenciária Provincial de Maputo, permanecendo os internos na Penitenciária de Máxima Segurança, organizados num único pavilhão e de acordo com o tipo legal de crime. Podiam os internos na Penitenciária de Máxima Segurança beneficiar de todos os direitos inerentes aos internos do regime comum. A partir daí, passou-se a proceder de acordo com as novas orientações.
15º Como sempre foi apanágio da Direcção da Máxima Segurança proceder à comunicação/informação aos Órgãos de Administração da Justiça, logo depois de recebida aquela orientação e antes de começar a executar informou aos Juízes Presidentes do Tribunal da Cidade e da Província de Maputo. Ficou claro naqueles documentos que aquela penitenciária já não tinha competência para enviar directamente as propostas de liberdade condicional, e que essa competência tinha sido deferida para a Penitenciária Provincial de Maputo. O objectivo desse procedimento era informar aos Juízes Presidentes, para além de colocar a informação à disposição dos demais tribunais imediatamente inferiores. Isso para dizer que este processo nunca foi secreto, pelo contrário, tudo era feito dentro da maior transparência possível e espírito de cooperação inter-institucional.
16º Porém, esta orientação deixou de ser executada porque não era funcional, e os reclusos reagiam vandalizando as instalações da penitenciária, manifestando a sua discórdia por não se considerarem delinquentes de difícil correcção. O Director do SOP compreendia, e, como corolário desta situação, nos meados do ano 2015, o EPMSM recebeu Sua Excelência Ministro da Justiça, Assuntos Constitucionais e Religiosos, a Digníssima Procuradora-Geral da República e o Representante de Sua Excelência o Ministro do Interior, para se inteirarem do assunto que já estava a tornar-se polémico e de difícil gestão.
17º Depois do trabalho feito por esta prestigiada Delegação, Sua Excelência o Ministro da Justiça e Assuntos Constitucionais e Religiosos, no âmbito das suas competências, mandou, no dia 19 de Agosto de 2015, publicar na Imprensa Nacional o Diploma Ministerial n° 85/2015, de 19 de Agosto, alterando os números 3 e 4 do artigo 211 do Regulamento Interno do Serviço Nacional Penitenciário, aprovado pelo Diploma Ministerial n° 159/2014, de 20 de Setembro.
18º Estabelece o artigo 211, n° 4 do Diploma Ministerial n° 85/15, de 19 de Agosto, que: “À excepção dos condenados em regime de segurança, todos os outros regimes comuns gozam do direito de liberdade condicional nos termos da regra geral, sob proposta do Director do Estabelecimento Penitenciário de Máxima Segurança”. Portanto, foi esse artigo que anulou aquela interpretação viciada dada pelo Director do SOP. Como consequência disso, a Penitenciária Provincial devolveu todos os processos de proposta de liberdade condicional pertencentes à Máxima Segurança.
19º Fica aqui dissipada toda e qualquer dúvida, que levou à ideia de que foi o Director Nacional do SOP que ordenou aquele procedimento de legalidade duvidosa. Porque essa orientação era do domínio do SERNAP, o Director-Geral produziu uma circular, n° 023/GDG/SERNAP/992/2015, e mandou baixar para as penitenciárias em questão a réplica daquele Diploma Ministerial. Vide doc. 7, para corrigir aquele procedimento.
20º Recebido o ofício da 10ª secção do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, a Direcção daquela peniténciária, fundada na competência conferida pelo artigo 53 do Decreto-Lei n° 26:643, de 28 de Maio de 1936, o qual dispõe que “a passagem do preso para o regime seguinte ou regresso ao período anterior serão ordenadas pelo director, ouvido o conselho técnico do estabelecimento”. Por força desse comando legal, convocou-se o conselho técnico e social para avaliar e deliberar sobre o comportamento prisional do recluso em questão, de forma a responder tempestivamente à solicitação do tribunal.
21º A sessão do conselho técnico foi realizada no dia 17 de Março de 2014, tendo sido deliberado por unanimidade que aquele recluso não devia passar para o regime comum, por causa de certa indisciplina por ele praticada, designadamente a expedição de documentos para alguns órgãos de Administração da Justiça sem autorização da Direcção da Peniténciaria, uma infracção prevista e punida nos termos do artigo 325 do Dec-Lei n° 26:643, de 28 de Maio de 1936.
22º Estabelece o artigo supracitado que “os reclusos que expedirem ou receberem correspondência sem a indicação de ter sido vista por quem de direito incorrerão nas respectivas sanções disciplinares”. Portanto, com essa deliberação não foi, nem tinha como ser emitido o atestado de comportamento para a passagem do processo ao regime comum, em virtude de o comportamento disciplinar do recluso não abonar a seu favor.
23º Por conseguinte, deliberou-se que o recluso devia permanecer por mais noventa dias em regime de segurança, para reexame do comportamento. Todavia, antes de a deliberação ser executada, a Direcção da Máxima de Segurança, imbuída do espírito de relação e coordenação inter-instituicional, contactou telefonicamente e por correio electrónico (e-mail) o SERNAP para informar sobre o conteúdo daquela deliberação e obter instruções quanto à sua conformidade para seguir ao tribunal.
24º “Recebidas as orientações e acolhidas”, foi a resposta enviada ao tribunal solicitante, com conhecimento de Sua Excelência a Senhora Ministra da Justiça na altura, à Digníssima Procuradora- Geral da República e ao Excelentíssimo Senhor Director-Geral do Serviço Nacional Penitenciário, na altura dos factos, no âmbito das relações inter-instituicionais e no cumprimento do dever de informar.
25º Volvidos três meses e meio, a Direcção da Máxima Segurança marcou audiência com o Director Nacional dos Serviços de Operações Penitenciárias, para, uma vez mais, obter orientações. Ao Director Nacional dos Serviços de Operações Penitenciárias foram dadas orientações no sentido de agir como Direcção. Foi nessa sequência que o conselho técnico e social reuniu para reexaminar o comportamento do interno. Porque desde o momento daquela sanção até à data do reexame o interno não tinha praticado qualquer irregularidade no cumprimento da sanção imposta, e também porque as sanções não são de carácter perpétuo, o conselho deliberou pela passagem do respectivo processo para o regime comum, nos moldes que fazia para os demais internos.
26º Depois de a Penitenciária de Máxima Segurança deliberar em sede do Conselho Técnico e Social, o processo passou para a Penitenciária Provincial de Maputo. Por sua vez, esta última tramitou o processo de liberdade condicional, nos mesmos moldes que procedia desde o momento da orientação do Director do SOP. Feito o acompanhamento necessário, enviou ao tribunal com conhecimento da Direcção Nacional dos Serviços Penitenciários. Mais uma vez se prova que a tramitação da proposta da liberdade condicional de Momade Assif Abdul Satar foi feita observando princípios essenciais da administração pública. Mas os órgãos informados sempre ficaram na inércia, e esta atitude significou para os gestores dos reclusos que o silêncio era um meio declaratório de aceitação de conformidade da informação.
27º Depois de recebida a proposta de liberdade condicional, o Juiz da causa remeteu à Procuradoria-Geral da República para se pronunciar, tendo-se pronunciado negativamente. Contudo, o Tribunal despachou positivamente a favor do réu para a concessão da liberdade condicional. Por sua vez, o Director do SOP afirmou que não teve conhecimento da proposta da liberdade condicional, e remeteu à PGR a participação do crime, baseando-se numa participação feita e assinada pelo Director Nacional do SOP que em resumo invocava que houve falsificação de documentos que sustentam o atestado de comportamento do beneficiante em questão. No entanto, o juiz, dentro do seu poder jurisdicional, chumbou tal recurso por entender que não existiam fundamentos para provimento daquele pedido. Em seguida emitiu um mandado de soltura incondicional de Momade Assif Abdul Satar, deixando claro que o incumprimento daquele despacho nas próximas seis horas de tempo, contadas a partir do dia 04 de Setembro de 2014, implicaria a responsabilização criminal do Director do Estabelecimento Penitenciário Provincial de Maputo, pela prática do crime de desobediência.
28º Importa recordar que compete ao Excelentíssimo Senhor Director-Geral do Serviço Nacional Penitenciário transferir internos de um estabelecimento para outro, conforme o consagrado nos artigos 368, 369 do Decreto-Lei n° 26:643, de 28 de Maio de 1936, conjugado com a alínea c) do artigo 3 da Lei n° 3/2013, de 16 de Janeiro. Sempre que houvesse necessidade de transferir reclusos, a peniténciária solicitava ao Director Nacional das Prisões.
29º No caso em apreço, tal como nos demais casos já referenciados, porque não se tratou de transferência de reclusos, mas sim da passagem dos respectivos processos, mantendo-se fisicamente os reclusos na penitenciária, conforme orientação do Director do SOP, a Direcção entendeu, por isso mesmo, que não se tratava de transferência do interno. Na verdade, não houve qualquer transferência do recluso, apenas do processo.
30º Por isso, não é verdade que os funcionários destes dois estabelecimentos prisionais actualmente arguidos tenham facilitado a saída de Momade Assif Abdul Satar, e muito menos houve simulação. A prova disso é que sobre os mesmos factos constantes na acusação, em Setembro de 2014, a Ministra da Justiça na data dos factos ordenou a abertura de uma sindicância e consequente instauração de processo disciplinar contra os Directores em questão.
31º Dada a evidente falta de razão e fundamento de que o processo se revestia, no seu despacho a Ministra da Justiça fundamentou nos seguintes termos: “...em termos de gestão de reclusos por parte da EPMSM, e tramitação dos processos para o EPPM, de reclusos que tenham transitado ao regime comum, ser feita de acordo com as instruções superiores dadas verbalmente na reunião de 7 de Março de 2013, pelo Senhor Director Nacional de Controlo Penal e Medidas de Segurança, Dr. Samo Paulo Gonçalves. (O sublinhado é da responsabilidade dos subscritores).
32º Refere ainda o despacho da Ministra da Justiça que: “As instruções dadas determinam que a partir de Abril de 2013 a PEMSM passaria a remeter ao EPPM os processos de reclusos que tivessem transitado ao regime comum. E que o EPPM, uma vez recebidos os processos, daria continuidade, em termos de gestão, e bem assim a emissão das propostas de liberdade condicional”.
33º Também esclarece o mesmo despacho que: “Os arguidos provam materialmente, através de expediente apresentado, que o tratamento dado ao então recluso Momade Assifo Abdul Satar obedeceu ao procedimento igual aos demais reclusos da PEMSM, transitados ao regime comum, cujos processos foram remetidos para o EPPM”.
34º Foram esses fundamentos que a Ministra da Justiça deu por nulo e de nunhum efeito o processo disciplinar, porque na verdade os factos narrados na acusação, no máximo e com rigor jurídico e imparcialidade, deviam tão-somente consubstanciar infracções de natureza disciplinar, por conta de possivel erro de procedimento administrativo. Mas nesse caso o despacho da Ministra da Justiça é claro, e isso reforça a nossa convicção de que o processo está sendo tramitado de forma subjectiva, vingativa e com fins contrários à Lei, não tendo, por conseguinte, qualquer objectivo de se fazer justiça.
Do exposto, fica suficientemente provada a total inexistência de crime nos presentes autos.
Assim, intercedemos que o mais alto critério de justiça que sobejam a Sua Excelência Senhor Presidente da República, como mais alto Magistrado da Nação, que todo o acima exposto e do que resulta da Lei, requer-se que seja ordenada a libertação dos arguidos e anulação do Processo. (Carta)