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quinta-feira, 29 junho 2023 06:38

Mocímboa da Praia tenta oxigenar-se, enquanto Palma já respira novo ar

Mocimboa da Praia vida v1 min

Quase dois anos depois da sua recuperação das mãos dos terroristas, a vila-sede e municipal de Mocímboa da Praia, norte da província de Cabo Delgado, tenta, lentamente, levantar-se do trauma sofrido entre os dias 27 de Julho e 12 de Agosto de 2020, período em que os insurgentes atacaram e ocuparam aquela vila estratégica, tendo permanecido sob sua gestão até Agosto de 2021, mês em que as tropas ruandesas voltaram a içar a bandeira moçambicana.

 

Outrora “pulmão económico” das zonas central e norte da província de Cabo Delgado, agora, a vila municipal de Mocímboa da Praia, que dispõe de um porto de cabotagem e de um aeródromo, transformou-se em “mais uma vila distrital”, sem quaisquer serviços bancários, infra-estruturas sociais básicas e com um comércio ainda “moribundo”.

 

No entanto, quem viu o cenário desolador que caracterizava o distrito em Agosto de 2021, após a sua recuperação das mãos dos terroristas, entende que a vila está, aos poucos, a reerguer-se e acredita que a mesma voltará a ser o principal centro comercial e logístico da zona norte de Cabo Delgado.

 

É que, após a sua recuperação das mãos dos terroristas, a vila de Mocímboa da Praia estava com quase todos os edifícios destruídos, não tinha energia eléctrica, água potável, serviços básicos de saúde e de educação e população: tinha apenas 73 “habitantes civis” e mais de três centenas de militares, entre moçambicanos e ruandeses. Hoje, já há energia eléctrica, o sistema de telecomunicações está totalmente restabelecido, tal como os serviços de saúde, educação e de distribuição de água. O transporte de passageiros e mercadoria e o comércio também voltaram a operar, tal como o Porto voltou a receber navios.

 

Abdala Hamaia é um dos comerciantes locais de Mocímboa da Praia, que voltou a abrir a sua loja, depois de esta ter sido destruída pelos terroristas. Conta, aliás, que a sua loja foi saqueada e queimada pelos terroristas, pelo que, neste momento, realiza suas actividades em instalações emprestadas, enquanto junta dinheiro para recuperar o seu antigo estabelecimento.

 

Em entrevista à “Carta”, Hamaia revela ter regressado a Mocímboa da Praia em Setembro do ano passado (2022), por entender já haver condições de segurança. “Vim por várias vezes visitar Mocímboa, depois de o Governo ter dito que a vila tinha sido recuperada, mas só em Setembro [de 2022, um ano depois da recuperação da vila] é que decidi voltar. Tinha receio de novos ataques”, explica.

 

No entanto, garante a fonte, os terroristas nunca ousaram realizar qualquer ataque desde que voltou à sua terra natal. Afirma que a vila está segura e que a vida tende a voltar à normalidade, embora não se tenha esquecido do passado: “perdi familiares e amigos naqueles ataques. Alguns foram mortos, outros foram raptados”.

 

Dedicando-se à venda de quase tudo, desde vestuário a electrodomésticos, Abdala Hamaia revela que o comércio, naquele ponto do país, perdeu o seu brilho. “As pessoas estão sem dinheiro, grande parte está desempregada, por isso tem sido difícil fazer negócio”, sublinha, frisando que até a actividade agrícola continua “hibernada”, apesar dos incentivos do Governo.

 

“Muita gente continua a depender da comida distribuída pelo PMA [Programa Mundial da Alimentação], porque ainda tem medo de voltar às machambas, porque é lá onde muitas pessoas eram raptadas e algumas assassinadas”.

 

O Governo distrital garante que pelo menos 120 mil pessoas já regressaram à vila-sede distrital de Mocímboa da Praia, entre as quais, funcionários e agentes do Estado, com destaque para os do sector da educação. Aliás, o Administrador do Distrito, Sérgio Domingos Cipriano, garante que a Escola Secundária local já está a leccionar nos três períodos lectivos do dia (de manhã, à tarde e de noite), no entanto, sublinha haver escolas que ainda não reabriram, sobretudo nas aldeias do interior do distrito.

 

Sérgio Cipriano afirma que todos os serviços públicos retomaram as suas actividades, com a excepção da Autoridade Tributária de Moçambique e do Balcão de Atendimento Único. Sublinha que as infra-estruturas, que ainda continuam destruídas, incluindo os edifícios do Governo Distrital e do Conselho Municipal, continuam a principal dificuldade enfrentada pelo Estado para a reposição, na totalidade, dos seus serviços.

 

Aliás, devido à lenta recuperação dos edifícios públicos destruídos pelos terroristas, os serviços de saúde funcionam nas instalações do Centro de Formação de Saúde de Mocímboa da Praia.

 

O Governante nega que o distrito tenha bolsas de fome, porém, assume que parte da população continua dependente de apoios, sobretudo depois de ter enfrentado uma estiagem que afectou a cultura do milho.

 

“Entregamos kits de pesca aos pescadores, como forma de alavancar a vida da população. A Total também está a prometer-nos alguns insumos e a nossa vontade é de ver se podemos ter alguns tractores para produzirmos o arroz”, detalha.

 

Enquanto isso…

palma vida v1 min 

A vila-sede do distrito de Palma mostra já ter superado as feridas causadas pelo ataque terrorista ocorrido no dia 24 de Março de 2021. Diferentemente da vila municipal de Mocímboa da Praia, que ainda tenta oxigenar-se, com o comércio e a movimentação de pessoas ainda a se mostrarem tímidos, em Palma respira-se um novo ar: o cenário de destruição e terror que caraterizava a vila, em Abril de 2021, foi substituído por um panorama de alegria, numa imagem que recorda os tempos da prospecção e pesquisa dos hidrocarbonetos.

 

Enquanto em Mocímboa da Praia há muitos estabelecimentos comerciais ainda por reabilitar, em Palma, grande parte já foi reabilitada e aberta para o público. As bermas da principal rua da vila estão inundadas de jovens, adultos e idosos, assim como de mulheres e homens, que vendem diversos bens e serviços, com destaque para os produtos alimentares e serviços de táxi moto.

 

Alguns estabelecimentos hoteleiros, como o Hotel Amarula, local onde pelo menos 12 cidadãos estrangeiros foram assassinados pelos terroristas no fatídico dia 24 de Março de 2020, e a Pensão Wivo, que se localiza à entrada da vila, já reabriram, porém, ainda sem negócio.

 

“Ainda estamos a gatinhar. Não temos recebido muitos clientes. Os únicos que nos visitam são religiosos e o Governo. Ainda não temos negócio”, explica Rita Lucas, Gestora do Hotel Amarula, revelando que, devido a esse facto, teve de reduzir o número de trabalhadores, dos anteriores 93 para os actuais 36.

 

Já Ismail Saíde, que vende produtos de higiene na vila-sede do distrito de Palma, conta que a vila está segura e que não se regista quaisquer ataques terroristas desde que as tropas moçambicana e ruandesa tomaram, por completo, o controlo da vila. Garante ainda que o seu negócio tem fluído, embora os produtos estejam relativamente caros, devido aos custos de transporte, pois são adquiridos nas cidades de Pemba e Nampula.

 

O mesmo cenário é descrito por Ali Hassane, que presta serviços de moto táxi naquela vila. Garante que Palma está segura e que não ouve qualquer som de tiros desde que os ruandeses chegaram àquela vila. Diz ainda não haver problemas de fome, pois as pessoas conseguem ir à machamba, assim como à pesca.

 

Um oficial superior das Forças Armadas de Defesa de Moçambique disse à “Carta” que a vila de Palma tem tido maior movimento de pessoas e bens que a de Mocímboa da Praia. Contou, aliás, que aos fins-de-semana os jovens se têm divertido sem quaisquer restrições, tal como faziam antes da intensificação dos ataques terroristas.

 

O cenário de regresso à normalidade no distrito de Palma verifica-se também na Península de Afungi, centro das operações ligadas aos projectos de gás natural na província de Cabo Delgado, onde decorrem diversas obras de engenharia, o que alimenta expectativas de um possível regresso da TotalEnergies àquele local ainda este ano.

 

O calar das armas, no distrito costeiro de Palma, é igualmente relatado nas localidades de Mute e Quissengue, porém, com a fome a retirar a paz da população. Silvestre Saudjandja, Chefe da Localidade de Mute, afirma que cerca de 95 por cento da população já regressou às suas casas, mas queixa-se de fome, porque grande parte ainda não regressou às actividades agrícolas.

 

Mesma estória é contada por Hassane Ali, que reside na Localidade de Quissengue. Diz que a fome é o principal problema enfrentado pela população, uma vez que também não retomou as actividades agrícolas.

 

Médico tradicional, encontrámos Hassane na vila-sede do distrito de Mocímboa da Praia à espera de transporte que o levasse à sede do Posto Administrativo de Olumbe, distrito de Palma, de onde partiria para a sede da Localidade de Quissengue, seu destino final. Disse à “Carta” que o trajecto de Mocímboa da Praia a Olumbe está seguro, tal como o de Olumbe a Quissengue.

 

“Não temos tido problemas de ataques. É possível sair de Olumbe para Quissengue às 18:00 horas sem problemas”, garante a fonte, revelando que regressou à sua casa em Março deste ano, depois de se ter refugiado, primeiro, na vila de Palma, em 2019, e depois na Ilha de Vamizi, em 2021.

 

Regresso da população é nosso termómetro para medir a estabilidade – Cristóvão Chume

 

Segundo o Ministro da Defesa Nacional, Major-General Cristóvão Chume, cerca de 68 por cento da população já regressou ao distrito de Mocímboa da Praia e quase 80 por cento já voltou ao distrito de Palma. Aliás, garante que a vila de Palma tem mais população, hoje, que antes do ataque de 24 de Março de 2021. Assegura também que a circulação é feita sem grandes restrições nos dois distritos, facto que se comprova com o tipo e qualidade de produtos comercializados nas duas vilas distritais.

 

“As únicas restrições que eles têm é por imposição cautelosa das Forças de Defesa e Segurança que não pretendem deixar que as populações tenham movimento a qualquer hora do dia, até que nós achemos que, eventualmente, temos 100 por cento de segurança na estrada que liga Mocímboa da Praia a outros pontos do país”, defende Chume, que visitou as duas vilas na passada segunda-feira.

 

O governante explica que o termómetro usado pelo Executivo para medir a estabilidade nos distritos de Mocímboa da Praia e Palma é a quantidade de pessoas que regressam àquela região do país, pois, “não há outra maneira de nós avaliarmos se a zona é segura ou não, se ela não tiver população”.

 

“Vamos continuar a edificar melhores soluções de segurança que têm sido seguidas até aqui, que é negar o acesso dos terroristas às zonas onde, neste momento, habita a população”, acrescenta Cristóvão Chume, reafirmando as palavras do Presidente do Ruanda, Paul Kagame, segundo as quais 80 por cento do terrorismo já foi erradicado na província de Cabo Delgado.

 

“Mas há outros 20 por cento que são os mais importantes: que é, por exemplo, a reconstrução da vila do distrito de Mocímboa da Praia; o regresso de todos os serviços básicos providos pelo Estado. Se nós conseguirmos fornecer esses serviços, poderemos dizer que alcançamos, na totalidade, os objectivos”, defendeu.

 

Referir que, durante a visita aos distritos de Palma e Mocímboa da Praia, Cristóvão Chume foi confrontado com problemas de emprego, de falta de água potável e energia eléctrica em algumas regiões, assim como da falta de documentos de identificação civil. (Abílio Maolela, em Mocímboa da Praia e Palma)

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