O Governo prepara-se para responsabilizar o guarda prisional que disparou e matou 5 reclusos e feriu 3 que tentavam evadir-se de uma cadeia distrital em Milange, na Zambézia. A Ministra da Justiça, Helena Kida, deixou isso patente, ontem, quando entrevistada por jornalistas.
Ela já despachou uma equipa de inquérito para o distrito. Uma outra equipa, eventualmente multisectorial, também foi, entretanto, enviada também para Milange. Ninguém sabe da sua composição nem dos seus Termos de Referência. Sem sabermos isso, fica difícil acreditar na seriedade destas missões.
A opinião pública tem o direito de saber o que é que essas missões vão apurar e quem serão os seus informantes relevantes. Se o foco é saber apenas por que é que o guarda prisional puxou do gatilho ou se o âmbito é mais alargado, visando perceber o que é que emperra na administração da Justiça para que 280 reclusos, esfomeados, a maioria com prazos de prisão preventiva expirados, grosso-modo pilha galinhas, sejam confinados numa prisão concebida para 40 prisioneiros.
Se o âmbito do inquérito for mais alargado – e é isto que a sociedade espera que seja – então ele deverá empreender um diagnóstico profundo sobre a administração da Justiça no distrito de Milange e a responsabilidade de cada um dos actores relevantes. Ou seja, o foco deverá ser o de saber por que é que a Procuradoria local não acusa e o Tribunal não julga; o que faz o IPAJ no distrito; as condições de reclusão; o orçamento para alimentos; o perfil criminal dos reclusos, etc.
Uma prisão distrital com 280 reclusos não é algo que passe despercebido aos governos local, aos juízes e procuradores provinciais, aos Governo e Secretaria de Estado provinciais. Todos os titulares destes órgãos deverão ser chamados à colação. E responsabilizados! Chega de inquéritos concebidos à medida do elo mais fraco. E o elo mais fraco é o infeliz do guarda prisional, que terá disparado com o intuito de salvar a imagem da instituição.
O drama de Milange, é, em suma, o corolário de uma administração da Justiça à deriva, que não consegue humanizar um sector desgovernado naquilo que é o essencial: a superlotação de cadeias por pilha galinhas, meses à fio, sem processos, nem julgamento, morrendo de fome.
Os inquéritos devem trazer o “big picture” desta tragédia e suas reais motivações, evitando a tentação de se responsabilizar o elo mais fraco. E esperamos que seus Termos de Referência sejam compreensivos, como propomos. Este é um grande teste para a senhora Ministra Kida. Esperamos que ela passe neste crucial exame perante à opinião pública. (Marcelo Mosse)