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terça-feira, 14 junho 2022 08:58

A crise na telefonia móvel, o assobio para o lado de Janfar Abdulai e o regresso do bombeiro Magala

A queda do ex-Ministro dos Transportes e Comunicações (MTC), Janfar Abdulai, pode ser consequência imediata da crise que abalou o sector, com o corte de serviços de voz e dados da Tmcel (empresa pública de telefonia móvel) a entidades públicas, em virtude de avultadas dívidas, mas o desejo de Filipe Nyusi de ter Mateus Magala no executivo vem de há meses, apurou “Carta” de fonte credível.

 

Nyusi demitiu ontem Janfar Abdulai, um campeão da incompetência, e mandou vir de Abidjan (Costa do Marfim) Mateus Magala, um quadro que fora levado para o Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), onde, em três anos, recolocou a instituição no mapa da banca de desenvolvimento mais proactiva em todo o mundo. Magala tinha sido, antes do BAD, o PCA da EDM, a empresa pública de electricidade, tendo elaborado reformas positivas, entre as quais a redução de custos através de práticas de “procurement” promíscuas e uma aposta inequívoca na transparência.

 

Janfar Abdulai, desde que foi nomeado há três anos, veio somando uma série de deslizes, denotando uma autêntica falta de liderança. Há cerca de três semanas que ele se vem notabilizando pelo silêncio num caso de proporções bicudas para o funcionamento do sector público e da própria governação, designadamente na sua vertente electrónica.

 

A Tmcel revelou que cinco entidades, também públicas, eram devedoras do seu fornecimento de serviços de voz e dados. A dívida total é superior a mil milhões de meticais (cerca de 16,7 milhões de dólares americanos, ao câmbio actual). A dívida impede a Tmcel de pagar seus fornecedores, e hoje ela enfrenta dificuldades para pagar os salários a 1.800 funcionários. A empresa não paga salários desde abril.

 

O Instituto Nacional de Governo Electrônico (INAGE), que fornece serviços de Internet para diversos outros órgãos do Estado, deve à Tmcel mais de 380 milhões de meticais. O Instituto Nacional de Transportes Rodoviários (INATRO), que emite as cartas de condução do país, tinha acesso à Internet através do INAGE. A Tmcel cortou o fornecimento ao INAGE. E por causa da dívida do INAGE com a Tmcel, o INATRO de repente encontrou sua conexão com a Internet cortada.

 

Esta interrupção durou apenas três dias em Maputo, mas continuou no resto do país. E seguiu-se a um aviso da Tmcel ao INAGE, datado de 31 de Maio – se a dívida não fosse paga, com juros, a Tmcel cortaria os seus serviços.

 

Tanto a Tmcel como o INATRO são entidades do pelouro do Ministério. E o que fez Janfar Abdulai perante a crise: assobiou para o lado, não dando relevância à paralisação do INAGE. E entre manter o Ministro ou a actual Administração da Tmcel, liderada pelo Dr Mahomed Rafik (um antigo vice-Ministro de Joaquim Chissano, que também já teve um cargo relevante do BAD), o Presidente Filipe Nyusi decidiu livrar-se de Abdulai, que deverá regressar ao Banco de Moçambique, onde era funcionário médio.

 

Nyusi sinaliza assim positivamente para Rafik, que ganha agora uma lufada de ar fresco para continuar suas reformas, catapultadas recentemente pela introdução da tecnologia 5G, com o suporte tecnológico da Huawei. E com a vinda de Magala, a Tmcel ganha também um parceiro de relevo no Ministério.

 

Mangala é um campeão da transparência. Ele vai querer ver os saldos bancários do INATRO e doutras instituições tuteladas. Se o fizer, vai deparar que o Instituto tem receita decorrente da cobrança pela emissão de cartas de condução e com ela podia pagar seus fornecedores. Esse dinheiro fica, no entanto, congelado, à mercê de gestores poderosos, que até protelam o pagamento a fornecedores, como se viu da recente rota de colisão com a Brithol Michcoma.

 

Grosso modo, no sector público, algumas dívidas não decorrem da falta de dinheiro, mas de pura corrupção, chantagem e enriquecimento ilícito. “Carta” apurou que, nas instituições públicas, o pagamento de serviços prestados por outra entidade pública fica refém das comissões cobradas por quem deve autorizar ou passar os respectivos cheques. É uma prática generalizada, disse uma fonte.

 

Magala agarra nas rédeas do MTC dentro deste contexto. Ele vai ter de fazer um inventário aturado de muitas contas escondidas O saneamento financeiro da Tmcel é uma tarefa urgente, certamente já em cima da sua mesa. Mas ele deverá olhar para a Tmcel a longo prazo e, eventualmente, tomar decisões de política, para garantir a eficiência da empresa: a abertura ao capital privado é uma possibilidade futura. Mais urgente é o corte da gordura da massa laboral. Magala, que fez reformas desse jaez na EDM, vai apoiar essa empreitada de redimensionamento da empresa.

 

Os desafios de Magala na telefonia móvel são amplos e extravasam o espectro da empresa pública. A manutenção da taxa de interligação, com encargos para o consumidor final, deve ser revista e abolida, assim como discutido o papel do regulador (o Instituto Nacional de Comunicações de Moçambique, INCM, agora anda empenhado na construção de casas milionárias nas praias de Inhambane, com fins duvidosos), que também desempenha a função de árbitro no sector.

 

Magala deverá retomar a discussão (e decidir politicamente, ele que é um gestor) sobre a proliferação de torres de transmissão, nocivas à saúde pública. Em Moçambique, cada uma das operadoras tem sua infra-estrutura de transmissão, quando elas podiam operar uma mesma plataforma, deixando para outro operador a gestão dessa infra-estrutura. Alguns dos temas vêm desde os tempos dos Ministros Paulo Zucula e Carlos Mesquita. Janfar Abdulai ignorou-os completamente. Agora ele sai pela porta pequena, lá bem nos fundos. (Marcelo Mosse)

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