Desengane-se quem pensa que a guerra da sucessão à Filipe Nyusi ainda não começou. Já! Sem espadas afiadas ainda, mas através de "lobbies" junto de relevantes "influenciers" internos, onde se destacam os últimos sobreviventes da nata revolucionária da luta armada, com Joaquim Chissano à cabeça. "Agora é a vez do miúdo", tem dito ele, nos meios familiares.
A referência é infalível. O miúdo só pode Samora Machel Junior, a ilustre pedra no sapato do Nyussismo. Samora declinou comentar, à Carta, se tinha pretensões presidencialistas. Mas, uma fonte próxima disse que ele não era descartável, chamando à atenção para o processo disciplinar que ainda pesa sobre o filho de Machel, o qual pode ser usado como pedra de arremesso caso ele assuma abertamente uma pretensão presidencialista.
No final deste mês, a Frelimo reúne-se em Comité Central. Um relatório do Comité de Verificação (o órgão de "complaince", da conformidade ética, regulatória e deontológica dos seus membros) vai ser debatido. Mas, desconhece-se se o assunto Samora Jr. vai constar das suas linhas, com respectiva recomendação sobre se Samora é ou não expulso da Frelimo.
Uma decisão radical é inverosímil. Expulsar Samito é expurgar a memória do seu pai, o fundador da Nação moçambicana. Por isso, seu caso pode continuar na gaveta, adiando-se "sine die sua" sentença. "É uma arma de arremesso", comentou um analista ouvido por "Carta".
Aires Ali, Basílio Monteiro e Luísa Diogo
Para além de Samora Júnior, outras três figuras são tidas como tendo pretensões presidenciais e já estão a trabalhar nessa vertente. Trata-se de Aires Ali, antigo Primeiro-Ministro de Armando Guebuza na sua primeira legislatura (que não cumpriu um mandato sequer) e com folha cinzenta deixada nas suas anteriores encarnações como governador do Niassa e de Inhambane. Ali já teve uma passagem como titular do Ministério da Educação, onde não deixou qualquer legado.
Basílio Monteiro (oriundo dos círculos castrenses do Estado; era Ministro do Interior aquando dos primeiros sinais do terrorismo em Cabo Delgado e deixou arrastar o problema sob o pretexto de que se tratava de um assunto de Polícia, preterindo a intervenção do Exército e buscando o controlo de toda a logística da reacção à chamada insurgência); Monteiro não passa de uma figura mediana, sem qualquer carisma; e Luísa Diogo, cuja pré-campanha já começa a ser visível com palestras e intervenções esporádicas na esfera pública.
Diogo já foi Primeira-Ministra e Ministra do Plano e Finanças. Nos anos 90, ela negociou exaustivamente, em Paris, o reescalonamento da dívida externa de Moçambique. No início dos anos 2000, Diogo era Ministra de Plano e Finanças numa altura em que foi descoberta uma fraude massiva no antigo BCM (hoje BIM), irrompendo por outro lado a escabrosa crise da gestão danosa do antigo Banco Austral (Absa); Diogo tomou parte do processo decisório que levou à privatização do sinistro banco (um antigo PCA interino, Siba Siba Macuacua, foi entretanto assassinado em 2000).
O banco foi entregue aos sul-africanos do ABSA e, depois que deixou cargo de Primeira-Ministra, ela foi presenteada, pelo ABSA, como PCA do banco, cargo que ocupa até hoje.
Nos bastidores do enredo
As preliminares das "primárias" da Frelimo envolvem "gabinetes" de trabalho. "Carta" apurou que dois destes quatro presidenciáveis já têm equipas e gabinetes de mobilização de apoios internos, mas por enquanto o enredo segue nos bastidores.
Na reivindicação de suas propostas cada um joga para fora suas convicções. Basílio Monteiro atira para o baralho as cartas da pertença regional. "É a vez do centro", tem tido ele, em voz baixa. Parte de um facto: Moçambique divide-se geograficamente por três regiões (Norte/Centro/Sul) e os anteriores presidentes (Samora, Chissano e Guebuza) eram do sul. O actual, Filipe Nyusi é do norte.
Um destacado militante comentou que o apelo regionalista de Monteiro já não faz sentido. "O candidato deve ser forte politicamente, ter competência e carisma. Essa coisa de 'vezes' já não faz sentido", comentou.
Dos actuais presidenciáveis, o centro domina. Luísa Diogo é também de Tete. Aires Ali é do Norte, Niassa. Já Samora Machel Jr. está embrulhado num misto de afinidades. Seus pais e mãe (Josina) eram do sul, mas ele foi educado, na primeira infância, por figuras como Marcelina Chissano e o clã Chipande (makondes do Norte).
Palco central só em 2023
A engrenagem presidencialista da Frelimo está ainda no início. O palco decisivo será uma sessão extraordinária do CC a ter lugar algures em 2023, que vai eleger o candidato definitivo que confrontará um sisudo líder da Renamo, Ossufo Momade. Até lá as cartas serão jogadas debaixo da mesa.
Em Setembro deste ano, a Frelimo realiza um Congresso electivo. A nova composição do CC e seu Secretariado vai-nos ditar como a arrumação das pedras poderá dar favor um ou outro, embora num passado recente a Frelimo nos tenha brindado com a sujeira da compra de votos.
Seja como for, a composição do CC não é determinada por quotas regionais, mas por quotas distribuídas entre suas organizações de base: a Juventude, a Mulher e os Antigos Combatentes.
Nesta última, Samora Jr. tem a maior aprovação, como se viu com uma votação recente, e isso pode ser determinado para suas eventuais aspirações. (Marcelo Mosse)