Entrara mudo e amuado até que a dado momento o taxista – que se atrasara - quebra o silêncio, introduzindo uma conversa sobre política. Na verdade era de políticos que diz não confiar.
- Entre um político e quem pinta o cabelo não existe nenhuma diferença. Não confio em ambos e se o político pinta o cabelo, ainda pior: desse quero é distância!
Embora achasse que eu não fosse o alvo – não só político - esta tirada do taxista tocara-me, pois estava a caminho de uma casa especializada para dar uma leve pintada ao cabelo. Teria ele sabido? Não! Até porque nem havia revelado o meu destino, apenas um ponto próximo de desembarque.
Em seguida, e por ter visto que eu carregava uma cesta transparente com alguns jornais e livros, o taxista aproveita este detalhe para exibir que é uma pessoa informada.
- Um dos poucos políticos que eu admirava era o antigo Chanceler alemão, Gerhard Schroeder, mas tudo terminou quando ele, depois de ter apresentado um relatório com dados que favoreciam a sua governação, foi posto em causa por um deputado da oposição.
Ainda sob efeitos da irritação da tirada, que deixara-me hesitante na empreitada da pintada, disse-o que não era nada de anormal um deputado contrariar um chefe de governo.
- De facto é perfeitamente normal, a anormalidade está no argumento usado pelo deputado.
Estas palavras do taxista foram ditas enquanto simulava alguma concentração na estrada, criando assim um suspense irritante. Resisti. Indiferente, ele prossegue com a sua política de suspense.
- Por acaso gostei do argumento do deputado. É forte e fortalece a minha posição sobre os políticos.
Com mais este suspense irritante voltei ao ponto de partida (mudo e amuado) cujos sinais eram bem visíveis no meu semblante (e do leitor) e desta vez num ambiente mais próximo da hostilização. Diante da situação, solicitei que descesse antes do ponto de desembarque.
- O deputado disse ao Chanceler que teria muito prazer em acreditar nos dados do relatório, mas porque o Chanceler pintava o cabelo, manipulando a sua identidade, podia, e muito facilmente, também manipular os dados do relatório.
Estas palavras são proferidas no momento em que eu descia do táxi e um mau jeito na porta esta derruba o meu gorro. Enquanto apanho o gorro, o taxista, já em marcha lenta, abre o vidro e em tom jocoso vocifera: “Já desconfiava de que não levavas jeito para político”.