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quarta-feira, 24 novembro 2021 07:10

“Não é ninguém é o Sr. Sarama”

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Num texto da disciplina de língua portuguesa, de que não me ocorre o título e nem a classe (o famoso “Não me lembro” do Julgamento em curso sobre as dívidas ocultas”), havia uma passagem que narrava o momento em que diariamente alguém tocava a campainha de uma casa para a entrega matinal de leite fresco. Depois que um dos filhos da casa abria a porta, uma voz ao fundo, vindo da cozinha, perguntava: “Quem é?”

 

“Não é ninguém. É o homem do leite”. Invariavelmente assim respondia o filho e creio, se a memória não me atraiçoa, que o próprio “Homem do Leite” também passara a responder do mesmo jeito depois que ouvisse a pergunta e antes até que abrissem a porta.

Faz algum tempo que eu contara esta passagem ao meu filho. Por acaso, num destes dias do citado julgamento, e estando distante da televisão, pergunto a ele sobre quem estaria a ser ouvido no julgamento. A resposta não tardou: “Não é ninguém é o Sr. Sarama”. 

 

Perante a minha careta – de alguém que fingira não ter entendido - ele prossegue: “No Tribunal todo o mundo, e até os réus, mandam no Sr. Sarama”. Um pouco depois ele diz: “Mas no fim do dia todos esperam por ele para irem à casa”. O mesmo acontecia com o “Homem do Leite”: todos esperavam por ele antes que saíssem de casa. 

 

Da resposta eu entendera perfeitamente de que ninguém estava a ser ouvido, mas a ser redigida a acta. E para quem não saiba o Sr. Sarama é o escrivão de plantão do julgamento citado e que decorre na 6ª secção do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, ora a funcionar na cadeia da “B.O”.  

 

A ideia de quem redige a acta “não é ninguém” encontra algum fundamento no histórico dos julgamentos mediáticos do país. A título de anexo comprovativo, segue a pergunta: uma vez que o leitor afirma que acompanhou o julgamento do “Caso Carlos Cardoso” poderá dizer aos outros leitores quem terá sido o escrivão desse julgamento?

 

Aposto que o leitor não se lembre, mas todos os leitores, e não só, que tenham acompanhado o julgamento do “Caso Carlos Cardoso”, certamente que se lembram do Juiz do mesmo bem como do seu posterior (e imediato) percurso até ao cargo de Procurador-geral da República.

 

Decerto, se a história vingar, será o que acontecera com o desfecho do julgamento em curso, dando azo que se diga de que o “Não me lembro”, facultado como uma opção de resposta a ser dada pelos arguidos/réus, também seja uma opção (institucional) na gestão dos seus recursos humanos no sistema de justiça.

 

Ainda assim, e para terminar, tenho fé de que um dia o leitor chegue a uma instância superior ao da 6ª secção do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo e no seu ouvido oiça, bem baixinho, uma voz a dizer: “O escrivão é aquele das dívidas ocultas”.

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