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terça-feira, 23 novembro 2021 07:50

Processo das "dívidas ocultas" mostra-se irrelevante no combate à corrupção em Moçambique

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Entre 2013 e 2014, empresas participadas pelo Estado Moçambicano (Proindicus, EMATUM e MAM), contraíram empréstimos no valor monetário de cerca de 2.2 bilhões de dólares americanos, alegadamente com o objectivo de servir o interesse público, no que respeita fundamentalmente à protecção da Zona Económica Exclusiva (ZEE).

 

Na sequência, houve denúncias, basicamente por via da imprensa, de que se tratava de dívidas ocultas que violavam o quadro legal em vigor no País aplicável para efeito da contração daqueles empréstimos. O Tribunal Administrativo emitiu um relatório relativo à Conta Geral do Estado, no qual declarou uma série de irregularidades e concluiu que o empréstimo havia sido ilegal do ponto de vista de procedimentos, visto que não tinha sido obtida parecer da Procuradoria-Geral da República e muito menos autorização da Assembleia da República, tal como previsto na Constituição da República de Moçambique (CRM).

 

Face a essas irregularidades e/ou ilegalidades, a Procuradoria-Geral da República (PGR) contratou uma auditoria forense que foi realizada pela Kroll, cujas conclusões, mais do que coincidem com as do Tribunal Administrativo, trazem mais dados sobre o modus operandi para a materialização deste calote. Posteriormente, a Assembleia da República constituiu uma Comissão Parlamentar de Inquérito que, por sua vez, chegou às mesmas conclusões que as duas entidades supra identificadas.

 

O Conselho Constitucional da República de Moçambique, assumindo que as dívidas ocultas foram contraídas de forma fraudulenta e em total desrespeito aos ditames da lei, em resposta a acções de inconstitucionalidade interpostas por organizações da sociedade civil lideradas pelo Fórum de Monitoria e Orçamento (FMO), proferiu o Acórdão n° 5/CC/2019 de 3 de Junho referente ao Processo nº 6/CC/2017, incorporado no Processo nº 8/CC/2017 sobre fiscalização sucessiva abstracta de constitucionalidade, através do qual declarou a nulidade dos actos inerentes ao empréstimo contraído pela EMATUM,SA, e a respectiva garantia soberana conferida pelo Governo, em 2013, com todas as consequências legais.

 

Igualmente, o Conselho Constitucional, através do Acórdão n.º 7/CC/2020, de 8 de Maio de 2020, referente ao Processo n.º 05/CC/2019 declarou a nulidade dos actos relativos aos empréstimos contraídos pelas empresas Proíndicos, SA, e Mozambique Asset Management (MAM, SA) e das garantias conferidas pelo Governo, em 2013 e 2014, respectivamente, com todas as consequências legais.

 

No dia 29 de Dezembro de 2018, em conexão com o caso das dívidas ocultas, foi detido na República da África do Sul o antigo Ministro das Finanças e Deputado da Assembleia da República, Manuel Chang, a pedido das autoridades americanas com vista a ser extraditado para os Estados Unidos da América. A acusação deduzida pelas autoridades americanas apresenta detalhadamente os contornos das dívidas ocultas, com indicação expressa, de que, para além das inúmeras irregularidades também detectadas pelas instituições moçambicanas acima mencionadas, houve actos de corrupção cometidos por entidades nacionais e estrangeiras, destacando-se o antigo Ministro das Finanças e figuras do Governo, do Ministério do Interior, das Forças de Defesa e Segurança, incluindo o SISE e pessoas a eles relacionadas.

 

Importa aqui referir, porque de extrema importância, que em 2015 a Procuradoria-Geral da República (PGR) instaurou um processo-crime com referência de N.º 1/PGR/2015 contra as pessoas envolvidas nas dívidas ocultas, o qual está, actualmente, a ser julgado pela 6ª Secção do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo, na chamada Tenda da BO como processo-crime n.º 18/2019-C.

 

No entanto, é de se notar que estranhamente, só a partir da detenção do Manuel Chang na África do Sul, com a acusação deduzida pelas autoridades americanas que tornou de domínio público o facto de existirem indícios suficientes da prática de diversos crimes, incluindo os crimes de peculato, abuso de cargo e função e corrupção, é que a justiça moçambicana começou a encetar diligências palpáveis, por um lado com vista a resgatar Manuel Chang e, por outro, com vista a denunciar outras peças chaves.

 

Com efeito, só a partir da detenção do Manuel Chang é que a PGR deu a conhecer ao público em geral que havia 19 (dezanove) arguidos em conexão com este assunto, destacando-se, de entre eles, o antigo Director Geral do Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE), o Presidente do Conselho de Administração das empresas Proindicus, MAM e EMATUM, que era simultaneamente Director Nacional de Inteligência Económica do SISE, bem como o filho primogénito do antigo Presidente da República, Armando Emílio Guebuza.

 

A judicialização das dívidas ocultas não constitui uma ameaça para a prática da corrupção

 

Não obstante os factos supra mencionados, o Governo negou distanciar-se das dívidas ilegais de tal modo que o posicionamento do mesmo, com destaque para o Ministério das Finanças e Primeiro-Ministro, vai no sentido de que as dívidas são soberanas, porque contraídas para responder aos mais altos interesses do Estado Moçambicano e que, por essa razão, o mais importante é negociar melhores condições de pagamento e garantir assim a credibilidade de Moçambique no plano internacional.

 

O Tribunal Administrativo em sérias dificuldades em responsabilizar os funcionários e agentes do Estado que se envolveram nas dívidas ocultas violando as suas obrigações e as normas do direito administrativo aplicável ao caso de contratação de dívidas externas desta natureza.

 

Num processo obscuro, pelo menos do ponto de vista do custo monetário, o Estado moçambicano, com a PGR na linha da frente tudo tem feito para “resgatar” Manuel Chang e não há informação clara no domínio público sobre quanto está a custar aos bolsos dos moçambicanos os honorários com advogados e demais despesas suportadas pelo Estado neste filme: “O resgate do Chang”.

 

Do ano de 2015, com a instauração do processo-crime sobre as dívidas ocultas e sucessos acontecimentos de ordem judicial até no estrangeiro sobre este caso até ao presente momento em que está a decorrer o julgamento das dívidas ocultas no Tenda da BO com a exposição humilhante de várias entidades públicas e privadas de renome no País, cujas liberdades, bom nome e imagem estão ora limitadas, ora ameaçadas e beliscadas, o que se nota é que não há lição bem aprendida para dissuadir a prática da corrupção e falta de transparência na gestão da coisa pública em Moçambique, senão vejamos, mais o que acima referido:

 

A gestão danosa do dinheiro dos contribuintes ao nível do Instituto Nacional de Segurança Social – INSS tem sido recorrente de tal maneira que esta instituição já é afamada como o saco azul de alguma elite ligada ao sector e ao partido no poder. Aliás, recentemente, a imprensa, com destaque para o semanário independente Canal de Moçambique, divulgou informação bastante preocupante que revelam a institucionalização da corrupção e má gestão dos fundos públicos em que os novos administradores do INSS recebem subsídios milionários só para o início de funções. Os titulares deste sector não demonstram uma atitude pública que esclareça aos cidadãos sobre o que está de facto a acontecer no INSS.

 

Organizações da sociedade civil tendem a denunciar a falta de transparência e má gestão dos dinheiros no que respeita tanto ao projecto SUSTENTA, como relativamente à Agência de Desenvolvimento Integrado do Norte (ADIN) criada no ano passado, sobretudo no contexto de Guerra e do drama humanitário que se vive em Cabo Delgado.

 

De referir que no campo florestal, no que a madeira diz respeito, há muito que há denúncia de esquema de corrupção que permite sobretudo a saída de várias toneladas de tronco, fundamentalmente, com destino à China, tanto é que até num passado recente foi denunciado o desaparecimento de número significativo de contentores cheio de tronco apreendido pelas autoridades de forma bastante estranha. Aliás, importa aqui lembrar que devido ao elevado esquema de abate de árvores e roubo da madeira foi introduzido de levado a cabo pelo antigo Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural, a “Operação Tronco” cujos métodos de actuação e transparência foram muito criticados pela sociedade civil.

 

Num outro prisma, não se percebe a transparência na canalização dos valores das taxas e impostos pagos pelos munícipes para o desenvolvimento dos respectivos Municípios. Na verdade, pelo menos ao nível do Município da Cidade de Maputo assiste uma actuação de saque aos munícipes particularmente os pobres, num esquema de impunidade legalizada em benefícios dos agentes municipais que roubam os cidadãos.

 

Outrossim, no que se refere ao contexto da introdução das medidas para o combate a COVID-19, as organizações da sociedade civil sempre contestaram a falta de transparência e sinais de corrupção na divulgação e gestão dos fundos recebidos pelo Governo para fazer face a pandemia da COVID-19.

 

No quadro do modelo da governação descentralizada, ouvimos no ano transato notícias de esquema de corrupção relativamente ao arrendamento de uma residência no valor de 400 mil meticais mensais a favor da Sua Exa. Vitória Diogo, mas que nunca foi esclarecido ao público em geral o que de facto aconteceu e qual foi o desfecho do caso.

 

O comportamento da Polícia da República de Moçambique (PRM), com destaque para o SERNIC e Polícia de Trânsito revelam se tratar de um antro de corrupção sobejamente conhecido pela sociedade, cuja forma de suborno é ora denominado refresco, ora fala como homem. Essa prática tem sido contínua e dificilmente combatida. Aliás, o

 

Comandante Geral da PRM já mandou o conjunto de agentes da PRM de determinada região para a reciclagem por excesso de actos de corrupção, entre os actos que já envergonham Moçambique no Estrangeiro.

 

*Advogado de Direitos Humanos

 

Concluindo

 

Os nossos dirigentes, os demais agentes e funcionário públicos com cargos significantes e nossos empresários, senão lobistas, não revelam estar a aprender algo de bom com o processo das dívidas ocultas para que abandonem a prática da corrupção. Existe uma ideia de que agora é a nossa vez de comer e aqueles em julgamento foram apanhados porque não souberam roubar e assim continua o País a saque de grande dimensão.

 

Quem está a aprender com as dívidas ocultas é o povo. Este conhece hoje alguns conceitos e terminologia jurídica, a forma como se rouba um Estado através dos próprios dirigentes e com recurso as Forças de Defesa e Segurança, incluindo a SISE ao mais alto nível, bem como a forma como se protegem para que não sejam responsabilizados. É o povo o único que está a perceber o custo da corrupção para não praticar sob pena de viver numa interna desgraça e esquecido nas mãos da justiça.

Sir Motors

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