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quarta-feira, 10 junho 2020 09:21

A (des)propósito da guerra de Cabo Delgado aos olhos de Jacinto Veloso: 45 anos depois estamos no mesmo porto?

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Li com inusitado interesse o artigo do Conselheiro de Estado Jacinto Veloso. Não poderia ser de outro modo. Veloso não é um moçambicano qualquer. Foi o único, senão um dos poucos pilotos da Força Aérea Portuguesa, em plena guerra colonial ou de Libertação Nacional, que "fugiu" com um avião militar para se juntar aos libertadores na Tanzânia. Dentre vários postos, foi Ministro da Segurança e é actualmente Conselheiro de Estado. Pelo que é ou deveria ser autoridade na matéria.

 

Por cada um desses postos ou feitos merece a nossa atenção e, quiçá, vénia.  O que me preocupou na sua análise publicada no semanário Savana da semana passada é o facto de o Conselheiro-mor do nosso estado, depois de muita lavra, ter chegado a uma conclusão que me parece muito simples: que a guerra de Cabo Delgado é uma guerra de desestabilização! Algo que, se não me engano, alguns camponeses de Mocímboa da Praia já tinham apontado ainda em 2017! O que acho interessante é a coincidência desta tese com uma outra sobre a guerra Civil Moçambicana conhecida como a "guerra dos 16 anos" ou a "guerra pela democracia".

 

Apesar desta coincidência não ser razão suficiente para invalidar a tese de Veloso, revela algo que me inquieta. E que meu querido pai (Que Deus o tenha) ensinou-me que "burro é quem chuta a mesma pedra, no mesmo lugar, por mais de uma vez". Ou seja, mesmo que por hipótese, concordemos com esta tese, não deixa de ser desolador descobrir que volvidos 45 anos "chutamos a mesma pedra, por duas vezes no mesmo lugar", revelando um despreparo e negligência dos sucessivos governos e não só! Se bem que fosse compreensível o despreparo dos quadros da 1ª República em matéria de governação e de leitura de questões estratégicas, é de bradar os céus que como país, volvidos 45 anos de independência, tenhamos "chutado de novo a mesma pedra, no mesmo lugar".

 

Em 45 anos, que eu saiba, formamos quadros em matéria de desenvolvimento, assuntos internacionais e segurança em várias academias internas e externas desde a Rússia (ex-URSD), ex-RDA, Cuba, UK, EUA, África do Sul, Checoslováquia para não falarmos da nossa própria academia UEM, ISRI etc. Como Estado até chegamos ao ponto de ter um Centro de Estudos Africanos (CEA) na UEM e um Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CEEI) no ISRI e temos alojado em nosso solo um outro "Centro de Análises Estratégicas da CPLP".  O sector civil avançou na criação de centros de estudos e de pesquisa como o Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), o Centro de Integridade Pública (CIP) e, mais recentemente, o Centro de Desenvolvimento e Democracia (CDD). Nalgumas Províncias também surgiram alguns centros de estudo ou de pesquisa.

 

Em outras paragens essas instituições são verdadeiros centros de formação de capacidade humana, de análise e testagem, ou seja, verdadeiros "laboratórios de ideias e de cenários".

 

Ademais, o nosso Serviço de Informação e Segurança de Estado tinha e ainda tem o dever de fazer estudos ou encomendar estudos sobre possíveis cenários, caso um dia Moçambique descobrisse gás (como já o fez) ou petróleo. Para além de outros recursos estratégicos. Em miúdo, já meu pai me contava que Moçambique possuía gás e petróleo, pois nos anos 60 empresas norte-americanas abriram poços de pesquisa em vários pontos do nosso país, incluindo Inhassunge e Chinde. Portanto, se meu pai sabia, não quero nem cogitar que um serviço inteiro que tem por missão garantir a nossa segurança individual e colectiva bem como antecipar-se aos possíveis perigos da pátria não tivesse essa informação. Podemos imaginar que "os serviços" não tivessem capacidade interna para realizar tais estudos. Não seria o fim do mundo. Poderiam "encomendá-los" ou então direccionar estudantes e pesquisadores nacionais e estrangeiros para que, nas suas teses, "cavassem" um pouco mais sobre este assunto!

 

Com todo este manancial custa-me acreditar que uma vez mais, como diz o Mais Velho Veloso, tenhamos 45 anos depois, caído que nem patos no mesmo buraco, e no mesmo lugar! Será?

 

Nos EUA e em outros países a fertilização cruzada entre academia e governação é uma realidade. Por exemplo, as administrações democratas com raras excepções "pescam" seus quadros para a área da Política Externa na famosa "Georgetown University", como testemunham o caso da Madelaine Albright, ex-Secretária de Estado norte-americana. Enquanto que os Republicanos "pescam" em outras águas como a Harvard, como testemunha o caso da ex-Secretária de Estado Condy Rice.

 

Onde é que o nosso "establishment" pesca?  Continua a pescar em Nachingweia? 

 

A ser verdade o que Veloso diz, e assumindo por hipótese a sua tese como verdadeira ou plausível, surge uma pergunta que não se cala: como é que fomos apanhados de surpresa pela segunda vez e no mesmo lugar? Será a academia que não produziu os avisos à navegação há tempo (mas o IESE já tinha avisado) ou é o "establishment" que não leu ou não sabe ler?

 

Os desafios de hoje exigem outra matéria prima para "ler, entender o mundo e aconselhar" a quem de direito. Estamos no século XXI e na era da informação e dos "New Media," pelo que teremos como país de saber misturar os "saberes" mulatos de que se faz esta pátria (Nachingweia, Marínguè, Satungira, Sommershield, Munhava, Brandão e Namutequeliwa), sem "deitar o bebé com a água suja da bacia! Um bom cozinheiro, diz o ditado popular, para ter boa sopa deve saber não só escolher os condimentos como também saber quando e como misturá-los!  

 

Se como país não corrigirmos o nosso "modus operandi", teremos outra gema do nosso miolo securocrático enclausurado em "djelas" algures e voltaremos a "chutar, pela terceira vez consecutiva, a mesma pedra, no mesmo lugar".

 

E mais não disse!

Sir Motors

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