Em Moçambique é normal que o Poder recorra a expressão “mão externa” para acusar as organizações da sociedade civil moçambicana de estarem (e existirem) ao serviço de interesses estrangeiros, sobretudo do Ocidente. Pelo que se crê o móbil da acusação é o facto de estas organizações receberem doações/financiamento do Ocidente e de supostamente no verso do cheque constar uma agenda do que fazer . Sobre a acusação - e do mesmo jeito que o acusador também bebe (e bem antes) da mesma fonte - já diz o ditado: quem fala assim não é gago (risos).
Trouxe a expressão (mão externa) à mesa, não para debruçar sobre acusações, mas para partilhar algumas considerações que se prendem com o seu alcance ( e dos órgãos adiante) e a razão da escolha da mão (externa) e não de um outro órgão do tipo, por exemplo: coração , estômago ou cérebro.
Imagino que se tenha recorrido a este termo (mão externa) porque dos dedos da mão sai a assinatura do cheque. Dos mesmos dedos a direcção a dar ao valor inscrito. E também – a parte dolorosa – dos mesmos dedos sai um gesto que se assemelha com o nome de uma fruta da corrente época. Deste gesto e por ter recorrido à empréstimos na calada da noite, o país ainda se ressente da sua profundidade.
Uma outra expressão e com a mesma intenção acusatória de “ mão externa” com o tempo saiu de moda. Era a não menos famosa “mão invisível”. A razão por ter saído de moda talvez fosse porque as ditas agendas escondidas deixaram de ser segredo e em nome da transparência passaram para o fórum público de tal sorte que é perfeitamente identificável o dono da dita “mão externa”: os países do Ocidente que condicionam o seu apoio à questões de ordem política e económica.
Para o apoio recebido de outros países - caso da China - o termo (mão externa) não é aplicável, pois a China – pelo o que se consta da fala oficial – não condiciona a sua ajuda à nenhuma imposição de natureza política ou económica. Enquanto que o apoio do Ocidente é considerado mau, o da China é bom. Neste contexto, uma expressão adequada para caracterizar a abordagem da ajuda chinesa e recorrendo a outros órgãos do corpo humano e de tão amorosa a ajuda chinesa, quem a recebe devia ser acusado de “coração externo”.
O denominador comum e o culpado da dependência externa é um outro órgão: o estômago. Este (já interno/nacional) ainda não se libertou dos hábitos e costumes gastronómicos coloniais e pelos dias que correm, os da globalização . Para ilustrar chamo a atenção de uma entrevista (dada depois da independência) de Ricardo Rangel, o saudoso fotojornalista moçambicano, que perguntado sobre o que mais gostava de comer respondeu que adorava um bom cozido à portuguesa. E em seguida lamentou que o seu estômago não se tenha descolonizado. Presumo que não tivesse sido matéria da agenda do processo de descolonização.
A par do estômago está o cérebro. Isto para falar do último órgão (também interno/nacional). Não é segredo para ninguém que o grosso da literatura (científica e religiosa) que alimenta (doutrina) o cérebro da Pérola do Índico é externa e boa parte proveniente das fontes do apoio. Logo e a partida: um órgão exposto, vulnerável e à reboque da “mão externa” e do “coração externo”.
Nestas circunstâncias - diante das incursões externas ( da mão e do coração) e da capitulação interna (do estômago e do cérebro) – haverá alguma luz no fundo do túnel? Acredito que haja e tenho fé que um outro órgão e local (devidamente identificado) venha à terreiro em socorro da Pérola do Índico .