Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

BCI
sexta-feira, 27 dezembro 2019 06:30

Diplomacia Cultural – A nova AKM das relações internacionais contemporâneas

Escrito por

Este breve artigo reflecte sobre o papel da cultura nas relações internacionais e seu recente protagonismo nas relações diplomáticas entre China e África. A inclusão da componente cultural nas diferentes agendas estatais tem influenciado de forma substancial nas relações exteriores e diplomáticas entre Estados. A diplomacia cultural representa a principal subárea da diplomacia pública e é tida como um instrumento importante na aproximação de povos, contribuindo para o estabelecimento de vínculos culturais entre Estados. Ela joga um papel fundamental na construção imaginária local sobre outro Estado.

 

Antes, importa contextualizar em termos históricos as relações diplomáticas sino- áfrica. Historicamente, segundo aponta Michel & Beuret (2009. P. 31-32), o relacionamento sino-africano é originário dos anos 1950 e 1960, quando a Conferência de Bandung, em 1955, lançou as bases do movimento dos não-alinhados e a esperança de um desenvolvimento Sul-Sul e quando a China apoiou os movimentos de libertação dos vários países africanos em relação às potências colonizadoras europeias. Após vários entraves internacionais que dificultavam uma melhor relação entre as partes, nos finais dos anos 90, a China consegue estabelecer a sua primeira política africana que “visava o reforço dos laços políticos com os líderes africanos, e a penetração dos interesses comerciais chineses em África” (Cunha, 2012, p. 340).

 

Enquanto actor internacional, a China procurou ser um parceiro estável, de confiança e que não precisava de ser temida. Estabeleceu uma amizade que em primeira instância tomou a Cultura como arma principal, apelando os aspectos históricos comuns de subjugação ao colonialismo e imperialismo do Ocidente e pelos Princípios da Coexistência Pacífica que estabelecem uma estratégica marcada pela lógica de win –win e pela inexistência de condicionalidades político – ideológicas.

 

De modo a complementar a aproximação específica a África, China adere ao multilateralismo, redesenha os seus mecanismos de intervenção externa e aplica aquilo que Kurlantzick (2007) chama de “tools of culture, que reflectem que a “cultural promotion is part of a broader effort at public diplomacy”. A liderança política chinesa encara desde ai, a cultura enquanto componente central das actividades de diplomacia pública. Em 2004, cria Institutos Culturais com objectivo de promover a língua e a cultura chinesas e, indirectamente, contribuir para a construção de uma imagem positiva e compreensão da China no plano internacional. Hoje, existe mais 38 IC’S em África, cursos de língua e culturas chinesas lecionados em diversas Universidades Africanas (o exemplo da Universidade Eduardo Mondlane) e cerca de 50 milhões pessoas aprendendo mandarim fora da China.

 

O país conseguiu implementar com sucesso o “tool of culture” na sua diplomacia pública, colocando a cultura como componente principal no estabelecimento de relações douradoras com o continente africano. Soube explorar as semelhanças históricas – culturais “de povos antes oprimidos pelo ocidente” para acercar-se ao continente e vender a ideia de ser um “parceiro confiável, estável e que não deve ser temido”.

 

Estas estratégias incomodam até um certo ponto ao velho continente, que antes assumia um poder diplomático cultural em vários países africanos, influenciado pela relação histórica- colonial, semelhança de idioma e de certos traços culturais herdados. É, talvez por isso, que o presidente Francês, Emmanuel Macron, propôs recentemente a restituição plena e incondicional de todos os bens que foram retirados do continente africano “sem o seu consentimento”. Para os críticos, trata-se de uma estratégia que deverá enquadrar as relações de Paris com África, num contexto em que a Europa começa a perder espaço no continente, ou, como dizem os mais críticos, de um golpe de teatro no palco da diplomacia cultural? Por que razão fala-se apenas em restituições a África quando França teve uma presença importante noutras geografias? Questiona-se…

 

O certo, é que as potências mundiais ganharam consciência da importância da cultura nas relações diplomática e dados indicam que o século XXI será efectivamente a idade de ouro do impacto dos factores culturais nas relações internacionais. Por isso, o objetivo da diplomacia cultural tem sido de influenciar positivamente na opinião pública e nas elites de opinião dos Estados.    

 

Tal como a China entendeu que para melhorar a sua imagem no panorama externo era necessário usar mecanismos de diplomacia pública assentes em factores culturais, Moçambique pode muito bem fazer o uso estratégico da sua localização geográfica (corredor de acesso a vários países Africanos e aglutinador de culturas) e da sua rica diversidade cultural para estabelecer relações diplomáticas com um teor multidimensional. De que forma? (Assunto a abordar no próximo artigo).

 

Belarmino A. Lovane

Sir Motors

Ler 4821 vezes