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Belarmino Lovane

Belarmino Lovane

quarta-feira, 05 abril 2023 07:18

Taxa de Rodagem, Cultura e Outras Contribuições

Belarmino Lovane

Havendo a necessidade de regulamentar as actividades audiovisuais e cinematográficas em Moçambique, em conformidade com o disposto no artigo 37 da Lei n.º 1/2017, de 6 de Janeiro, o Conselho de Ministros, através do Decreto n.º 41/2017, de 4 de Agosto, aprovou o Regulamento da Lei do Audiovisual e do Cinema. Trata-se, pois, de um instrumento que estabelece os mecanismos de aplicação da referida lei.

 

Com efeito, o espírito de criação deste instrumento legal materializa, de forma fiel, o conceito das indústrias culturais e criativas institucionalizado no País. Ora, se assumirmos que a cultura tem a potencialidade de contribuir para o desenvolvimento económico nacional, logo, é necessário instituir mecanismos que possibilitem aos fazedores das artes e cultura a contribuírem para o crescimento económico do País, fazendo jus ao pressuposto institucionalizado.

 

Aliás, o n.º 1 do artigo 63 (do supracitado decreto) indica, por exemplo, que 60% do valor das taxas fixadas no Regulamento da Lei do Audiovisual e do Cinema se destinam ao Orçamento do Estado; 25% ao Fundo para o Desenvolvimento Artístico e Cultural (FUNDAC) – organismo de apoio artístico-cultural no País; e 15% para o Instituto Nacional Audiovisual e Cinema (INAC). Estes valores, em primeira análise, revertem-se em benefício do desenvolvimento do sector e contribuem para o crescimento da economia nacional. 

 

Mas onde reside o problema? 

 

  1. No artigo 54 da lei supra, lê-se: “A autorização de rodagem e pesquisa de produção nacional incide sobre o orçamento da produção, desde que não seja inferior ao salário mínimo em vigor na Função Pública.” 

 

Ao que se pode depreender, provavelmente, o problema não seja usar como base o salário mínimo para definir a taxa, mas a sua universalização. Assim, este dispositivo legal, além de não ser razoável, peca justamente por não criar categorias de pagamentos, pois, no nosso entender, não parece o mais acertado colocar no mesmo nível de pagamento um artista conceituado e um iniciante. Este, geralmente, usa recursos próprios para produzir a sua obra, e enfrenta diversas dificuldades, principalmente para a promover. A sua esperança, para uma projecção nacional, é ver a sua obra promovida na televisão. Por isso, parece-nos contraproducente que, num contexto de apoio cultural público e privado deficitário, ainda se tenha que cobrar a este novo talento uma taxa desta natureza. Aqui, o legislador é chamado a categorizar e/ou criar níveis de pagamentos, usando qualificadores que melhor se ajustem à nossa realidade sócio-económica.

 

Não obstante, é preciso reconhecer que há artistas estabelecidos. Para estes, parece-nos prudente que se cobre uma taxa de acordo com os níveis de crescimento económico do País, sendo o salário mínimo um dos indicadores. Em outros contextos, em que os artistas possuem uma “Carteira”, as taxas são cobradas baseando-se na classe da “Carteira do Artista”, ou seja, o artista de Classe A não paga a mesma taxa que o artista de Classe B, e assim sucessivamente. Portanto, este método evitaria o que estamos a assistir no País: a universalização das taxas e as suas inevitáveis consequências.

 

  1. O actual contexto: Para o Governo de Moçambique (GM), a economia Moçambicana tem sido afectada por sucessivos choques internos e externos, com destaque para os efeitos das mudanças climáticas, as acções terroristas em Cabo Delgado, a Pandemia do Covid-19 e, mais recentemente, o conflito na Ucrânia”.

 

Segundo o posicionamento do Governo, o País está numa situação crítica, pelo que, para reverter este cenário, anunciou o lançamento do Pacote de Medidas de Aceleração Económica (PAE), através do qual indicou 20 medidas para a retoma do crescimento económico. Porém, nenhuma destas faz menção directa ao sector cultural. Desta feita, é dissonante que, num contexto em que vendemos uma narrativa segundo a qual a cultura contribui para a economia nacional, esta não seja um dos beneficiários directo do PAE e de outras medidas de alívio económico.

 

Em contextos de Covid-19, para conter a propagação desta pandemia e salvaguardar a saúde pública no País, os artistas viram-se obrigados a ficar muito tempo em casa. Como resultado, alguns perderam contratos, os promotores de eventos ficaram estagnados, e as produtoras sem alternativas. E hoje, apesar de estar previsto na lei, não nos parece acertado, olhando para o actual contexto, cobrar taxas de rodagem nestes níveis. Ao proceder-se deste modo, ao invés de se fortalecer uma economia cultural, estaremos a matar a pouca esperança que a classe tem na estabilização das suas carreiras artísticas.

 

Por conseguinte, no nosso entender, a solução para este problema não passa necessariamente pela revisão da lei, pois os seus procedimentos levam tempo. Infelizmente, perdemos a oportunidade, no âmbito do PAE e de outras medidas anunciadas pelo Governo, de propor o não pagamento desta e de outras taxas num determinado período, enquanto o sector procura criar mecanismos para se estabelecer. 

 

Portanto, o Ministério da Cultura e Turismo (MCT) deve pensar num dispositivo legal de alívio ao sector cultural e criativo, apresentando argumentos plausíveis junto ao Governo central sobre a necessidade de se criar facilidades aos trabalhadores das artes e cultura, considerando o actual contexto económico do País. Alternativamente, com o apoio do sector privado, de financiadores nacionais e internacionais, o Governo pode pensar num programa de apoio cultural, subsidiando os artistas no pagamento de algumas taxas, usando como justificativa a mitigação dos efeitos da Covid-19 (como acontece nos transportes públicos e em outros sectores). Enquanto isso, continuamos a sonhar com um “Programa SUSTENTA” na cultura; um “Programa EMPREGA” na cultura; entre outras iniciativas de financiamento que o Governo institui para os outros sectores. Why not?

Escrevo este diário a partir do centro de confinamento para controle de coronavírus na cidade de Santiago do Chile, onde me encontro confinado desde o dia 9 de abril. A sentença foi de 14 dias de escuridão, sem a luz do dia e sob uma forte vigilância das autoridades locais. Por pouco, caia em depressão.


Dia 1


“Uma saída difícil do Brasil que me levou ao confinamento”


A minha história começa na cidade de São Paulo, onde estava a realizar um intercâmbio internacional de estudos ambientais, que infelizmente foi cancelado. Foram 5 dias de ida ao aeroporto sem poder viajar, na maioria dos dias pelo cancelamento do voo, informação que apenas tinha acesso no local. Entre vários motivos, devia regressar ao Chile por se tratar do meu país de residência e por ter obrigações acadêmicas ainda por cumprir.


No dia 9 de abril, finalmente consegui viajar e para o meu espanto se tratava de um “voo humanitário” de regresso dos nacionais e residentes no Chile. Éramos em média 20 passageiros, e mais tarde fiquei sabendo que alguns tinham testado positivo para Covid-19. Chegado ao aeroporto, fui surpreendido com a informação sobre o confinamento, que deveria permanecer num “hotel” durante 14 dias antes de retornar a minha casa. Segundo explicaram, o facto de ter passado por um país de risco tornava-me, automaticamente, um caso suspeito. Pelo que, deveria ser confinado durante 14 dias (renováveis) num estabelecimento vigiado pelas autoridades governamentais. A minha temperatura foi de 36.7, mas mesmo assim, deveria seguir o protocolo.


Fiquei assustado, não sabia em que condições passaria os próximos 14 dias, mas a ideia do hotel acalmava-me, pois, imagina um local a (mil) maravilhas - pensamento desmentido pela realidade.


Cheguei ao local, eram 22h, o carro deixou-me na porta do hotel. Já estavam à minha espera e conduziram-me ao quarto. O meu quarto era pintado de branco e tinha janelas com cortinas presas (que não me davam acesso ao exterior). Sobre o hotel, não sei nada de concreto, não conheço a cor, o tipo de infraestrutura e nada, apenas sei que nas manhãs sentia um cheiro de comprimidos - algo que me fazia levantar várias questões.


Dia 2:


“Chorei, quando recebi a minha primeira refeição”


Eram 7h45, quando bateram à porta (sinal de aviso da hora de refeição), abri a porta do quarto e vi uma bandeja jogada no chão, com pedacinho de pão e água quente. Entendi, ja que se trava de pequeno-almoço, mas a história piorou na hora do almoço: quando eram 12h, o sinal da porta voltou a despertar-me, estava lá a minha bandeja, abria-a e o meu corpo não conseguiu segurar as lágrimas, era uma mistura estranha que parecia sopa, feijão, verdura e um mar de água. Naquele momento, entendi que estava numa prisão e não num hotel.


Dia 3:


“As notícias de Moçambique, deixavam-me mais triste”


Acompanhava diariamente as notícias de Moçambique, casos aumentando a cada dia e mais relaxamento das medidas tomadas pelo presidente Nyusi. Fiquei confuso, não entendi como numa altura que o país registava maiores números, se relaxa medidas de grande importância como a lotação nos transportes públicos. Não entendia como doentes de coronavírus continuavam em cuidado domiciliário. Ficava mais confuso quando recebia depoimentos de pessoas em quarentena obrigatória dizendo que nunca foram ligados pelas autoridades de saúde. Perguntava-me, como isso é possível? Eu, mesmo sem apresentar sintomas fui submetido ao confinamento, recebo ligações periódicas para o controlo do meu estado de saúde. 


Dia 4:

“O cheiro de comprimidos que não me deixava em paz”


O cheiro de comprimidos piorava a cada dia, não o suportava e decidi abrir a minha porta para avaliar a sua origem “a história da curiosidade que matou o gato”. Em menos de 1 minuto se aproximou um funcionário e disse “volta ao quarto, abra esta porta apenas quando for para levantar a comida”. Humildemente retornei ao quarto e a sensação de estar preso piorava. Já no quarto, recebi um alerta por telefone“ a saída do quarto pode custar-te uma multa”. A partir deste dia, aprendi a conviver com a minha curiosidade, mas não me saía da cabeça que algo de errado estava acontecer.

 

Dia 5:

 

“A história de cobaia e o medo por ser negro”

 

(Próximo capítulo)

Este breve artigo reflecte sobre o papel da cultura nas relações internacionais e seu recente protagonismo nas relações diplomáticas entre China e África. A inclusão da componente cultural nas diferentes agendas estatais tem influenciado de forma substancial nas relações exteriores e diplomáticas entre Estados. A diplomacia cultural representa a principal subárea da diplomacia pública e é tida como um instrumento importante na aproximação de povos, contribuindo para o estabelecimento de vínculos culturais entre Estados. Ela joga um papel fundamental na construção imaginária local sobre outro Estado.

 

Antes, importa contextualizar em termos históricos as relações diplomáticas sino- áfrica. Historicamente, segundo aponta Michel & Beuret (2009. P. 31-32), o relacionamento sino-africano é originário dos anos 1950 e 1960, quando a Conferência de Bandung, em 1955, lançou as bases do movimento dos não-alinhados e a esperança de um desenvolvimento Sul-Sul e quando a China apoiou os movimentos de libertação dos vários países africanos em relação às potências colonizadoras europeias. Após vários entraves internacionais que dificultavam uma melhor relação entre as partes, nos finais dos anos 90, a China consegue estabelecer a sua primeira política africana que “visava o reforço dos laços políticos com os líderes africanos, e a penetração dos interesses comerciais chineses em África” (Cunha, 2012, p. 340).

 

Enquanto actor internacional, a China procurou ser um parceiro estável, de confiança e que não precisava de ser temida. Estabeleceu uma amizade que em primeira instância tomou a Cultura como arma principal, apelando os aspectos históricos comuns de subjugação ao colonialismo e imperialismo do Ocidente e pelos Princípios da Coexistência Pacífica que estabelecem uma estratégica marcada pela lógica de win –win e pela inexistência de condicionalidades político – ideológicas.

 

De modo a complementar a aproximação específica a África, China adere ao multilateralismo, redesenha os seus mecanismos de intervenção externa e aplica aquilo que Kurlantzick (2007) chama de “tools of culture, que reflectem que a “cultural promotion is part of a broader effort at public diplomacy”. A liderança política chinesa encara desde ai, a cultura enquanto componente central das actividades de diplomacia pública. Em 2004, cria Institutos Culturais com objectivo de promover a língua e a cultura chinesas e, indirectamente, contribuir para a construção de uma imagem positiva e compreensão da China no plano internacional. Hoje, existe mais 38 IC’S em África, cursos de língua e culturas chinesas lecionados em diversas Universidades Africanas (o exemplo da Universidade Eduardo Mondlane) e cerca de 50 milhões pessoas aprendendo mandarim fora da China.

 

O país conseguiu implementar com sucesso o “tool of culture” na sua diplomacia pública, colocando a cultura como componente principal no estabelecimento de relações douradoras com o continente africano. Soube explorar as semelhanças históricas – culturais “de povos antes oprimidos pelo ocidente” para acercar-se ao continente e vender a ideia de ser um “parceiro confiável, estável e que não deve ser temido”.

 

Estas estratégias incomodam até um certo ponto ao velho continente, que antes assumia um poder diplomático cultural em vários países africanos, influenciado pela relação histórica- colonial, semelhança de idioma e de certos traços culturais herdados. É, talvez por isso, que o presidente Francês, Emmanuel Macron, propôs recentemente a restituição plena e incondicional de todos os bens que foram retirados do continente africano “sem o seu consentimento”. Para os críticos, trata-se de uma estratégia que deverá enquadrar as relações de Paris com África, num contexto em que a Europa começa a perder espaço no continente, ou, como dizem os mais críticos, de um golpe de teatro no palco da diplomacia cultural? Por que razão fala-se apenas em restituições a África quando França teve uma presença importante noutras geografias? Questiona-se…

 

O certo, é que as potências mundiais ganharam consciência da importância da cultura nas relações diplomática e dados indicam que o século XXI será efectivamente a idade de ouro do impacto dos factores culturais nas relações internacionais. Por isso, o objetivo da diplomacia cultural tem sido de influenciar positivamente na opinião pública e nas elites de opinião dos Estados.    

 

Tal como a China entendeu que para melhorar a sua imagem no panorama externo era necessário usar mecanismos de diplomacia pública assentes em factores culturais, Moçambique pode muito bem fazer o uso estratégico da sua localização geográfica (corredor de acesso a vários países Africanos e aglutinador de culturas) e da sua rica diversidade cultural para estabelecer relações diplomáticas com um teor multidimensional. De que forma? (Assunto a abordar no próximo artigo).

 

Belarmino A. Lovane

O recente evento climático ocorrido na zona Centro do país com maior incidência na cidade da Beira, é um exemplo claro da lentidão com que o País caminha para o desenvolvimento sustentável inclusivo. O IDAI, para além das 603 mortes registadas, destruição de diversas infraestruturas, destampou por um lado um debate (antes esquecido) sobre a necessidade de um sistema de gestão ambiental estruturado e funcional. Por outro lado, colocou á prova a capacidade das nossas instituições em lidar com temáticas ambientais.

 

Nesta minha curta reflexão, lanço um olhar crítico sobre a fragilidade das nossas políticas públicas ambientais, encarnadas na perspetiva centralizada o que se reflete na limitação dos governos locais para dar resposta eficaz aos desafios causados pelos desastres naturais e definir estratégias rumo ao desenvolvimento sustentável. Antes porém, é importante mencionar que nas duas últimas décadas, a problemática ambiental e municipal vem sendo abordada de forma conjunta, principalmente porque se supõe que o Conselho Municipal é a autoridade mais próxima da população e também porque é a entidade territorial e demográfica onde é estabelecida de forma directa as relações entre a sociedade e o ambiente. 

 

O caso da Beira, inicialmente caracterizou-se por uma sequência de “conflitos de poder/atribuições” entre/do Município, Governo provincial e Governo central onde pela deficiência da nossa institucionalidade ambiental era visível a limitação do Conselho Municipal em implementar um “plano maestro” da sua autoria e ao mesmo tempo, apoiado pelo marco normativo as grandes decisões para a reconstrução da Beira continuam dependentes do Governo Central. Uma posição que contrária às diversas perspetivas defendidas por especialistas da área, documentos das Nações Unidas, incluindo Valdivieso (2018) que defende que as autoridades Municipais são as que melhor podem dar respostas pós eventos climáticos, já que é a entidade que melhor conhece as necessidades dos Munícipes e a estrutura do seu território, podendo o governo central estar sujeito às propostas desta entidade local.

 

Nesta mesma linha, a Agenda 21 também defende a necessidade da participação plena das autoridades locais no estabelecimento de disposições ambientais e na planificação e execução de políticas nacionais ressaltando a importância dos governos locais na implementação das políticas de desenvolvimento.

 

Com esta reflexão, não pretendo invalidar a grandiosidade das acções que estão sendo levadas a cabo pelo Governo Central desde a ocorrência do IDAI, mas sim alertar sobre a necessidade de uma interação inclusiva e de interdependência entre este e as entidades locais, especialmente numa Cidade como a Beira - com uma longa e reconhecida história de gestão Municipal. O recém-constituído Gabinete de Reconstrução Pós- Ciclone IDAI, não deverá funcionar como um organismo “impositor” emanado de um plano de acção que ignora a perspectiva do Conselho Autárquico para a reconstrução da Beira. A título de exemplo, em países como Chile, propenso a desastres naturais, as comissões de reconstrução são formadas sob uma base local e dirigidas pelo Alcalde (Presidente do Município) da região afectada contando na sua estrutura com membros do Governo Regional e Central como fiscalizadores da acção local. 

 

Ora, se o conceito de desenvolvimento sustentável se refere ao bem-estar social inclusivo, então é importante que se criem condições que possam levar ao alcance dessa meta, e isso passa por estabelecer e assumir o município como a “entidade central”, representativa e mais próxima da população afectada. Sendo esta, a entidade que melhor conhece as necessidades e inquietudes dos seus munícipes, bem como os melhores mecanismos para estabelecer um diálogo eficaz. Não se pode alcançar com êxito um desenvolvimento sustentável inclusivo com decisões de nível global, para problemas locais.

 

Belarmino Augusto Lovane.