Os cidadãos, fãs e seguidores do Azagaia, considerado herói do povo, decidiram organizar uma marcha nacional agendada para o dia 18 de Março, que, em princípio, terá lugar em todas as capitais provinciais, em homenagem ao rapper, ícone do hip hop lusófono.
No entanto, há bastante tempo que, do ponto de vista prático, os cidadãos não são permitidos exercer o direito à liberdade de manifestação, sobretudo os do tipo marcha, na via pública. Aliás, para o efeito da denegação dessa liberdade aos cidadãos, o governo de Moçambique, recorrentemente, através da sua força policial, impede ilegalmente o exercício do direito à manifestação pacífica pelos cidadãos ou grupos sociais, seja por via de ameaças, intimidação, detenções arbitrárias, agressão física, baleamentos, tortura e outros maus tratos que consubstanciam violação dos direitos humanos, para além de argumentos infundados nos termos da lei, de que a manifestação não foi autorizada, quando a realização da manifestação não carece de qualquer autorização pelos órgãos da administração pública. Neste quesito, a Ordem dos Advogados de Moçambique elaborou e publicou um caderno sobre o exercício do direito à liberdade de manifestação que muito bem explica os cidadãos os passos legais para o seu exercício e limitação pelas autoridades.
Curiosa e estranhamente, são apenas permitidas as manifestações que visam exaltar ou bajular o governo do dia, especialmente o Presidente da República e o partido no poder.
Perante essa situação, preocupa a “vista grossa” que fazem as instituições de justiça relevantes nesta matéria, com destaque para o Ministério Público, entanto que garante da legalidade, sem, no entanto, ignorar o papel da Comissão Nacional de Direitos Humanos e o Provedor da Justiça que, pelas suas atribuições e competência em matéria de direitos humanos e realização da justiça, deveriam ser mais interventivos e incisivos com vista a garantir o respeito pelo exercício da liberdade de manifestação nos termos da lei.
A morte e o legado do Azagaia, conforme ficou notório pela enchente e manifestação de diversa natureza no seu funeral, abriu uma grande janela senão uma grande porta mesmo para o despertar do povo relativamente à salvaguarda dos seus direitos e liberdades fundamentais, bem como para o efectivo exercício dessas liberdades contra a má-governação, abuso de poder, opressão, corrupção, discriminação e violação dos direitos humanos em busca da almejada justiça e bem-estar social de todo o povo.
Assim, amanhã, dia 18 de Março, será o primeiro grande teste dos cidadãos face ao combinado com o Azagaia: Povo no Poder! Todavia, será que este povo há muito intimidado pelas autoridades terá a coragem de levar a cabo a marcha nacional em homenagem ao seu herói, independentemente de autorização da marcha pelas correspondentes autoridades, o que não é condição legal para o efeito? E se for impedida a marcha sem fundamento legal, será que esse povo está preparado para demandar sobre várias formas a administração pública em causa e exigir responsabilidades em tempo útil? Será que os cidadãos que pretendem marchar pacificamente amanhã em homenagem a este ícone do hip hop lusófono têm a necessária coragem deste para não se deixar intimidar em lutar pelos seus direitos e liberdades fundamentais?
Azagaia morre e deixa riquíssimos ensinamentos de revolução e combate contra a opressão num contexto de excessiva limitação do espaço cívico, de violação dos direitos humanos e de perseguição dos activistas sociais, dos críticos da má-gestão do bem público e da prática cada vez mais acentuada do discurso de ódio contra as organizações da sociedade civil e liberdade académica.
Portanto, pela euforia popular e vontade de colocar um basta nos abusos de direitos e liberdades, bem assim no cada vez mais empobrecimento dos mais pobres, Azagaia torna-se numa espécie de Jesus que morreu para nos salvar. Será que temos mente liberta bastante para perceber o sentido e o alcance do princípio constitucional de que a soberania reside no povo e assumir esse poder? Veremos no teste de amanhã…
Por: João Nhampossa
Human Rights Lawyer
Advogado e Defensor dos Direitos Humanos