A América está hoje no ponto mais crítico da sua história moderna. Está ameaçado de um colapso que, se acontecer, arrastará a maior parte do mundo para baixo.
A dívida dos EUA tem agora, num contexto de inflação elevada, taxas de juro crescentes – a maioria dos analistas económicos espera que o banco central dos EUA continue a aumentar as taxas – e a crescente incerteza económica, em Setembro de 2023, ultrapassou os 33 trilhões de dólares e equivale a 124% do PIB. E o défice do governo geral – que é o governo federal e local em conjunto – é superior a 7% do PIB. Este nível de dívida é mais de três vezes o nível de dívida em 2008 (10 trilhões de dólares) e 10 vezes o nível de 1990 (3,2 trilhões de dólares). Os níveis da dívida dos EUA aumentaram significativamente nos últimos anos, especialmente depois de um aumento de 50% nas despesas federais entre os anos fiscais de 2019-2021, de acordo com dados do Departamento do Tesouro dos EUA.
Esta dura realidade resultou na aprovação da legislação necessária pela Câmara e pelo Senado no início de Junho de 2023, que aumentou o limite máximo do endividamento federal, ao mesmo tempo que impôs alguns limites às despesas.
Isto, claro, foi feito para evitar uma falência catastrófica do governo, ou seja, o cenário do país declarar incumprimento, incapaz de pagar os seus credores e pagar salários e pensões, o que obviamente teria um impacto catalítico negativo nos mercados internacionais, bem como na economia americana e global, dada a dimensão da dívida americana.
Em particular, o acordo sobre a dívida permite a suspensão por dois anos, até 1º de janeiro de 2025, ou seja, o período após as eleições presidenciais extremamente críticas para todo o planeta em novembro de 2024, o limite máximo de endividamento do público americano (31,4 trilhões dólares).
A maior economia do mundo, no entanto, foi mais uma vez confrontada com a perspectiva de uma paralisação governamental. Assim, o Congresso aprovou recentemente a lei de financiamento de curto prazo para evitar um “fechamento” do governo (ou seja, a falência dos EUA) poucas horas antes do prazo e garante o financiamento até 17 de Novembro, ao mesmo tempo que exclui qualquer nova ajuda à Ucrânia. Uma paralisação do governo que dispensaria dezenas de milhares de funcionários federais sem remuneração e suspenderia vários serviços governamentais começaria às 00h01 de domingo, 01/10/2023. Uma excepção, contudo, seria o pessoal necessário para funções estatais, tais como defesa, funções policiais ou outras funções vitais, que permaneceriam em serviço sem remuneração.
O recente acordo de 45 dias para manter o governo aberto criou um risco de Outubro a Novembro – um ponto em que poderá acabar por causar mais danos aos números do PIB do quarto trimestre. A Bloomberg Economics estima que cada semana de paralisação reduz cerca de 0,2 pontos percentuais ao crescimento anual do PIB, com a maior parte, mas não todos, recuperados quando o governo reabrir.
Ao mesmo tempo, em março de 2023, três bancos nos Estados Unidos da América com atividade significativa na área da tecnologia e das criptomoedas faliram. Especificamente, são o Silvergate Bank, o Silicon Valley Bank e o Signature Bank. Seguiu-se o colapso, aquisição e encerramento de outro banco, o First Republic Bank, em maio de 2023.
Existem atualmente 725 bancos norte-americanos na lista de morte da FDIC. A pressão sobre o sector financeiro causada pelas falências bancárias continua a ser uma ameaça. A crise bancária não é um problema de qualidade das condições de crédito, mas é causada - agora - pela incapacidade de financiar a dívida cada vez maior dos EUA.
Além disso, algumas novas ameaças ameaçam descarrilar a economia americana. A liquidação de ações em setembro empurrou o rendimento da nota de 10 anos para uma alta de 16 anos de 4,6%. Os custos de empréstimos mais elevados durante um longo período de tempo já provocaram a queda dos mercados accionistas. Poderiam também comprometer a recuperação imobiliária e dissuadir as empresas de investir.
Além disso, muitos analistas financeiros consideram a iminente reactivação dos empréstimos federais a estudantes, após o fim de um congelamento pandémico de três anos e meio, um choque potencial para a economia. Quase 44 milhões de mutuários começarão a pagar uma média de US$ 393. Inevitavelmente, isto significará menos gastos noutros locais, pelo menos para algumas famílias.
Além disso, desde 15 de setembro, o sindicato United Auto Workers está envolvido numa greve histórica contra os três principais fabricantes de automóveis de Detroit: Ford, GM e Stellantis N.V., que, segundo um estudo do Grupo Anderson, em apenas uma semana, custou aos EUA economia superior a US$ 1,6 bilhão.
Ao mesmo tempo, as crises dos preços do petróleo têm normalmente, ao longo da história dos EUA, ajudado a desencadear recessões. Por outras palavras, as crises dos preços do petróleo foram seguidas de uma recessão. Os elevados preços do ouro negro aumentam os custos para uma vasta gama de empresas e sobrecarregam os orçamentos dos consumidores, conduzindo a uma inflação mais elevada e a uma redução dos gastos dos consumidores. É uma receita para o desastre económico que o mundo está a ser chamado a enfrentar mais uma vez.
De referir ainda que os preços do petróleo dispararam desde Junho devido aos cortes de produção por parte dos maiores produtores mundiais de crude (OPEP+, que inclui a Rússia e a Arábia Saudita). Os preços internacionais do petróleo bruto Brent, de referência, subiram 28%, desde o mínimo de 11 de junho, de 74 dólares por barril, para mais de 95 dólares por barril, acelerando em direção a 100 dólares por barril.
Mas os acontecimentos no resto do mundo também poderão arrastar os EUA para uma trajetória descendente. A segunda maior economia do mundo, a China, está atolada numa crise imobiliária. Na área do euro, o crédito está a diminuir a um ritmo mais rápido do que no ponto mais baixo da crise da dívida soberana, um sinal de que o crescimento já estagnado deverá diminuir.
Para terminar, gostaria de sublinhar que o horizonte da economia americana e dos mercados está a tornar-se cada vez mais sombrio. As nuvens escuras no céu financeiro estão a engrossar, causando naturalmente preocupação e medo, e prenunciando que a tempestade, infelizmente, não demorará a chegar.
Por vezes é necessário recorrer a linguagem de miúdos para explicar as enormes confusões em que os adultos se metem e nunca mais conseguem resolver.
Imagine que você fosse dono de um enorme terreno, bem delimitado, herdado dos seus antepassados. Séculos depois surge-lhe a porta um casal de andrajosos, numa carroça puxada por uma mula magricela de aspecto doentio e um monte de petizes pendurados, que nunca calçou sapatos na vida, mal-cheirosos e ainda mais magros que o estoico animal.
Para a sua surpresa, o patriarca da turba faz-lhe um pedido:
- Senhor, venda-me uma pequena parcela das suas terras, por favor, pois não tenho onde ir. Pago-lhe com o meu trabalho. Vou-lhe limpar e cuidar de todo o seu terreno, quando não estiver cá….
Você venderia? Certamente que o faria. Em nome do Profeta. Por descargo de consciência. Ou por racionalidade económica, no mínimo.
Em pouco tempo, cumprindo com a palavra, os seus novos paupérrimos vizinhos, limpam o terreno e transformam as pequenas parcelas vendidas por si em belos pomares e jardins. Mas há um problema! Mais gente, vinda sabe-se lá de onde, se arregimenta para habitá-las. E o seu vizinho, que nunca se esqueceu da sua própria desgraça, bate-lhe novamente a porta, para lhe pedir outra mini-parcela do seu – ainda – vasto e hereditário património fundiário.
Você hesita. Palavra, puxa palavra… mas a lábia do vizinho e o poder do vil metal, que ele já acumulou, prevalecem. E você, armado em chico-esperto, pensa que conseguiu uma promessa de gratidão eterna e ter dado uma pernada aqueles pacóvios forasteiros. Afinal você também tem família. E aspirações em ser rico. E nada mais fácil do que lucrar sem esforço com o seu pecúlio.
Mas a veia empreendedora faz com que a família alargada da sua vizinhança junte aos pomares e jardins, um condomínio privado, escola, clínica e até um casino. Você cai para o lado quando começa a ver também bólides de alta cilindrada a estacionarem por debaixo das suas barbas. Mal tem tempo para se recompor e já os seus vizinhos batem-lhe novamente a porta com uma proposta irrecusável. Ficar com metade do seu terreno – que nunca foi usado por si – hereditário. Por uma pipa de massa. Afinal, com um casino no quintal, dinheiro é coisa que já não falta na vizinhança. Ai você, pela primeira vez assustado, dá um salto e diz:
- Nem pensar vizinho! Eu também quero construir aqui um condomínio igual ao seu! Com jardim e tudo…
E ele responde calmamente:
- Tudo bem, mas você tem dinheiro para isso? Eu posso emprestar, em nome dos velhos tempos, mas em troca…fico com metade do terreno como garantia, até me reembolsar o dinheiro, como o seu trabalho naturalmente, tal como um dia eu lhe paguei…
Encurralado e indignado, você fecha-se em copas e corta as relações com o vizinho. Mas ele insiste, por telefone. E até por carta. Você ignora-o e faz saber por portas e travessas, que aquela terra é inegociável. Desde o tempo dos seus antepassados. Os primeiros habitantes das redondezas.
Seu vizinho, homem prático e de muitas artes, não faz mais nada. Vai ao Município e apresenta uma denúncia contra si por estar em posse de um imenso terreno. Não fazer nada com ele. Não contribuir para o bem-estar das comunidades. Por ter atitudes feudais com a vizinhança. Enfim, um anacronismo rendeiro em plena era da globalização. E junta à reclamação, o parecer de um conhecido escritório de advogados com badaladas conexões ambientais. Em pouco tempo, o seu terreno passou a ser reserva do Estado. Do Estado! Pois já nem o Município tem a estaleca para perceber a importância e a dimensão daquele assunto. E vai disto, em extraordinária sessão parlamentar, o Estado expropria-lhe a metade do terreno já requerida pelo belicoso vizinho, cuja família não pára de engrossar o efectivo em progressão geométrica. E é então que chega o momento fatal.
O seu vizinho decide que tem de ficar com o terreno todo. Mas desta feita, não lhe pede licença. Invade-o simplesmente com recurso a buldózeres e cachicos armados até aos dentes e mandado judicial. Dá-lhe 24 horas para se pôr a mexer dali. Enraivecido, você grita. Esbraceja. E apedreja os cachicos. Mas apanha com uma valente castanhada dos fiéis plutocratas da vizinhança:
- Ai. Ai. Que já morri! Maldita hora em que aceitei acolher este ingrato como vizinho. Vejam a minha desgraça agora. Debaixo da ponte. Pobre. E mal tendo o que comer…
Enquanto isso, o seu vizinho é agora o seu dono. Você vota quando ele quiser. Você trabalha quando ele quiser. Você dança quando ele quiser. Você até f… quando ele quiser com a mais belas strippers do casino, quando elas despegam pela alta madrugada. Na desgraça colectiva que vos une todos e faz a opulência crescente do todo poderoso vizinho - Sr. Israel! - os servos do sistema são como gatos pardos. A noite todos se reconhecem como iguais, quando o assunto é não ser um Estado soberano e independente. O resto é conversa para encher chouriços kosher em Nova Iorque, Londres ou Bruxelas. Disse.
Ricardo Santos
Especialista em Segurança da Informação
Maputo - Moçambique
“As manifestações pacíficas, convocadas pela Comissão Política da Renamo, anunciadas pelo seu Presidente Ossufo Momade, lembram-me as manifestações que derrubaram o Regime do Partido Socialista Unitário da Alemanha, na antiga RDA – República Democrática Alemã. Duas coincidências curiosas: o facto de se terem realizado em Outubro e serem pacíficas, segundo anunciou o próprio General Ossufo Momade”.
NB: Na altura destes factos, eu estava na RDA, vivi essa realidade e vi o muro de Berlim a cair.
AB
“Em 9 de Outubro de 1989, cerca de 70 mil pessoas tomaram pacificamente as ruas de Leipzig a favor da democracia. Sem intervenção das forças do regime comunista, um episódio crucial para a queda do muro, um mês depois”. Na altura destes factos, eu estava na RDA, vivi essa realidade e vi o muro de Berlim a cair.
In História por Mara Bierbach 09/10/2019 como protestos pacíficos ajudaram a derrubar o regime da RDA
Tiveram início hoje, 17 de Outubro de 2023, as manifestações pacíficas convocadas pela Renamo, através da sua Comissão Política Nacional e anunciadas em conferência de Imprensa, pelo respectivo Presidente, Ossufo Momade, tendo reiterado que a Renamo não retornará às matas, o que, à partida, tranquiliza muitos moçambicanos e amigos de Moçambique. Na verdade, como ele mesmo disse, “o povo está cansado de guerra”. Neste particular, devo manifestar o meu agrado porque não haverá derramamento de sangue, contudo, é preciso reconhecer que as manifestações, muitas vezes, são mais fortes que as armas. As manifestações têm a particularidade de serem assistidas por todos, os seus organizadores falam das suas causas e, por via disso, ganham mais apoiantes.
As manifestações pacíficas têm o cunho mobilizador e dão oportunidade aos seus organizadores de falarem sobre as suas motivações que, ainda que tenham um pouco de “populismo”, são ouvidas, compreendidas e debatidas por várias pessoas. Podem iniciar com 100 pessoas e, ao fim de 72 horas, aderir muito mais gente e aquilo que poderia parecer um pequeno “grupinho” tornar-se em multidões. Por isso, as autoridades do Estado não devem olhar para essas manifestações com indiferença, mas, mais do que isso, não devem procurar resolver o problema com recurso à força, pois, pode ser perigoso e, de pacífica, passar a ser uma manifestação violenta!
Com esta reflexão, não pretendo dizer que as manifestações são justas ou não, isso não cabe a mim como cidadão, pese embora, a Renamo pode e vai certamente socorrer-se da Constituição da República, que no Artigo 80 diz: “os cidadãos têm o direito de não acatar ordens ilegais ou que ofendam os seus direitos, liberdades e garantias”, isto porque a Renamo manifesta-se, alegadamente, porque a contagem de votos não foi justa e o anúncio dos resultados não corresponde ao que o povo depositou nas urnas. Ora, este direito de resistirem é constitucional e ninguém lhes pode negar, aliás, a Constituição da República, no seu artigo 35, fala da universalidade e igualdade!
Então, vamos olhar para esse importante artigo da nossa Constituição da República que diz no Artigo nº 35 (Princípio da Universalidade e igualdade) “todos os cidadãos são iguais perante a Lei, gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres, independentemente da cor, raça, sexo, origem étnica, lugar de nascimento, religião, grau de instrução, posição social, estado civil dos pais, profissão ou opção política”, fim da citação. Por outro lado, o artigo nº 51 da mesma Constituição preconiza que “todas as pessoas têm direito à liberdade de reunião e manifestação, nos termos da Lei”. Estes articulados levam-nos a olhar para as manifestações da Renamo, como mero exercício de direitos e nada mais, espero que mantenha o sentido pacífico das mesmas.
Nas minhas reflexões anteriores, num caso, apelava ao partido Frelimo para que fizesse uma introspecção sobre as razões destes acontecimentos, sobretudo revelados pelos resultados eleitorais que hoje, pouco a pouco, estão a criar uma instabilidade nas zonas urbanas de quase todo o país. Segundo o anúncio do Presidente da Renamo, estas manifestações não estão convocadas para um lugar específico, são para todo o território nacional. Contudo, é inegável que será na capital moçambicana, Maputo, onde se farão sentir mais. Num outro momento, apelei ao Conselho de Estado para que, usando das suas competências, fizesse a persuasão para que as coisas não degenerem em confusão.
Muitos cidadãos olham para o Presidente da República, Filipe Jacinto Nyusi, como quem deve tomar a iniciativa, mas os órgãos, para além de reunirem por iniciativa do Chefe do Estado, também podem reunir por convocação de seus membros e, neste caso, do Conselho do Estado. O próprio Ossufo Momade é membro do Conselho do Estado e deve fazer uso dessa condição para influenciar a convocação da reunião deste importante órgão, de modo a mediar este conflito pós-eleitoral. As confissões religiosas e a sociedade civil também devem exigir o fim deste mal que parece se instalar em Moçambique. Todos somos chamados a evitar que isto degenere em conflito descontrolado! É preciso que se diga que manifestações pacíficas também derrubam Governos. Estejamos atentos.
Adelino Buque
A CNE convocou uma conferência de imprensa, pela pessoa do seu porta-voz Paulo Cuinica, e disse que vai ser implacável contra os perpetradores de ilícitos eleitorais. Fiquei estarrecido! Eu estava convencido que a acção penal no quadro das maracutaias eleitorais fosse da alçada do judiciário. Agora surge a CNE, arvorando-se de possuir poderes de acção penal.
A noção de implacabilidade remete para sectores com poderes de repressão, constitucionalmente plasmados. A Polícia, na repressão ao crime. Os tribunais na aplicação intolerável da lei penal.
A CNE onde entra? Em lado nenhum. Ela, que devia ter agido à montante das ilicitudes eleitorais, vem agora querer devolver ao processo um certo retoque de integridade. Agora que alguns tribunais distritais se mostram implacáveis contra os ilícitos eleitorais denunciados pelos partidos políticos (por exemplo, a Renamo em Cuamba, e a Nova Democracia no Chokwe) vem a CNE fingir navegar na mesma onda dessa implacabilidade.
E quando? Quando o apuramento distrital e a centralização provincial dos dados já foram concluídos, restando à CNE fazer o apuramento geral.
Compreende-se que a CNE tivesse alguma urgência de comunicar. Sua reputação está nas ruas da amargura. Ninguém lhe dá crédito. Nem os partidos nem a sociedade civil. A CNE parece uma engrenagem movida por uma batuta nas mãos da Frelimo. Então, era preciso dizer algo, mostrar à sociedade que seu trabalho também é independente.
E até calhava bem. Com os tribunais agindo sobre os ilícitos eleitorais ao nível local e a Frelimo a dizer, pela voz trêmula e insegura do Roque Silva, que o partido irá acolher as decisões dos tribunais (mais o “big brother” do gringos, que estão a meter 500 milhões de USD na Zambézia, que vão novamemte beneficiar a indústria da corrupção, torcendo o nariz sobre o processo), a CNE acertaria na "mouche" com um discurso sobre implacabilidade. Mas deu errado!
O que a CNE devia dizer era que seria implacável contra a fraude, em sede do apuramento geral, corrigindo toda a manipulação do apuramento distrital. Era isso que devia ser dito, para renovar a esperança dos moçambicanos e dos partidos políticos, demovendo as perspectivas sombrias de violência política.
Mas veio um desastre de comunicação, demonstrativo de uma CNE completamente à deriva, insegura de si, que acusou profundamente o toque do descrédito. Agora, a única forma de reparar sua monumental ‘gaffe” é mesmo através da implacabilidade contra a fraude em sede de apuramento geral. Não tem como! Deixem as ilicitudes eleitorais para o judiciário!
Os dias que correm no contexto das polémicas incidências dos eventos do dia da votação autárquica e do próprio processo anterior, lembram-me um episódio familiar que achei interessante partilhar com os leitores.
O episódio ocorre no decurso da avalanche do regresso de nossos compatriotas da então República Democrática Alemã (RDA). Nesse êxodo veio uma familiar que dias depois recebeu, na Matola, a minha visita e a de um primo. No final da visita ela pediu-nos que trocássemos o dinheiro que trazia. A moeda (Marcos) era da vizinha Alemanha Federal (RFA). Prontamente aceitamos.
Um ou dois dias depois, eu e o meu primo fomos ao Banco de Moçambique para fazer o câmbio. Se a memória não me falha, este Banco era o único local onde se podia fazer o câmbio de moedas estrangeiras que não fossem o dólar ou o rand. A expectativa da familiar era de que a troca rondaria por ai dois mil meticais. Para o nosso espanto, o caixa do Banco entrega-nos doze mil meticais. Uma enorme diferença.
E agora? O que fazer? Entregar apenas os expectáveis dois mil meticais? Entregar um pouco mais? Entregar a totalidade?
Em caso de entrega de apenas os dois mil expectáveis, a nossa consciência lembrava-nos da possibilidade da prima vir a descobrir e não seria assim tão difícil porque eram tantos regressados, incluindo de outros familiares e que em algum momento trocariam informação sobre o câmbio.
O mesmo raciocínio para o caso de entrega de um pouco mais do valor, aventando-se até que fosse a metade do valor recebido do Banco. Mas esta hipótese também inquietava, pois iria estimular desconfianças da prima.
A decisão foi a de entregar o valor total recebido do Banco e levar para ela evidências que comprovassem a transação. Não me lembro de algum recibo ou uma nota comprovativa do Banco. Lembro-me é de termos procurado o jornal Notícias do dia da transação e de extrair a página onde constava o câmbio do dia.
Depois de reunida a evidência o valor foi solenemente entregue. Em suma: um acto livre, justo e transparente. Tão simples quanto isso.
Decorrente deste episódio, e voltando ao assunto do dia, entendo no fundo de que o que está em causa nas eleições do passado dia 11 de Outubro de 2023, as sextas autárquicas em Moçambique, é o próprio slogan/lema, pilar ou mesmo a visão oficial das eleições em Moçambique, nomeadamente: “Por Eleições Livres, Justas e Transparentes”
Nando Menete publica às segundas-feiras
Por mais que tenha conquistado Nampula, e também Quelimane, embora haja forte contestação e com seus opositores alegando fraude, a Frelimo perdeu estas eleições. Por mais que tenha ganho a maioria das autarquias - e ainda a dúvida subsiste quanto a Matola e Maputo, a Frelimo perdeu em toda a linha.
A fasquia da pré-campanha era ganhar tudo. Uma fasquia arrogante de quem há muito se desligou da sociedade. Aliás, o principal fenómeno na ressaca eleitoral é a comprovação de um fosso cada vez enorme entre o partido e a sociedade. O choque traumático nas hostes é de tal ordem que até os “betinhos” da Frelimo sentiram finalmente um abanão derrubando sua árvore das patacas.
Em condições normais, tal como na revanche anti-Azagaia, o jota Frel teria saído ontem (13 de Outubro) à rua para mostrar ao "venancismo" que, no campeonato do barulho, também ela podia expelir decibéis também ruidosos na mesma ou em escala mais alta. Mas a turma Frelimista recolheu-se toda ela no divã (ou esteira?) do Sofrimento Ningore, para expurgar seus fantasmas e jogar às cartas do Tarot (ou búzios) tentando perceber o futuro. Como estreitar novamente o fosso? E não sucumbir em 2024?
O nível de desnorte é tão grande que Venâncio fez sua passeata pela Guerra Popular (12 de Outubro) sob a aquiescência tácita do sector castrense do regime. A trama está patente. Seu indicador, nada latente, é a constatação desse fosso. Nunca a Frelimo sentiu na pele toda uma sociedade lhe dando costas, reprovando a conduta dos seus dirigentes. Nunca a Renamo passeou sua gritaria, agora com algum respaldo intelectual, no coração da capital.
A Frelimo perdeu e, dentro dela, o Nyussismo saiu derrotado: sua tendência autocrática foi reprovada, incluindo entre as hostes, onde a imposição centralizada de cabeças-de-lista terá demovido até militantes.
A Frelimo perdeu na canibalização do eleitorado, hoje composto por grupos demográficos que já não têm medo do desconhecido (o correspondente a escolher um Muchanga para a Matola), mas que não têm medo de penalizar quem não lhes têm dado pão, emprego, educação e saúde. Quem lhes reprime nas ruas de Maputo e permite tamanha extorsão ao pouco que têm para vender e comer.
A Frelimo está a sentir hoje o que o colonialismo sentiu em 1974. Na altura, o povo abraçou uma Frelimo desconhecida, reprovando o monstro da repressão e das políticas desigualitárias do colonialismo. Os novos grupos demográficos olham a Frelimo como um símbolo da repressão, tal como foi na saga fúnebre do "rapper" martirizado.
Mas o principal responsável pela derrota da Frelimo foi mesmo Filipe Nyusi. Ele conduziu o partido para um estágio nunca visto, fazendo vigorar o culto da sua personalidade, aniquilando a discussão interna, a crítica e a autocrítica, e impondo aos cabeças-de-lista um comportamento de seguidismo, em que eles não podia ter ideias próprias porque não eram candidatos, mas apenas cabeças-de-lista, totalmente dependentes de uma máquina partidária amorfa, aversa ao debate de ideias.
Em Maputo, isso ajudou o discurso inflamado do "venancismo", que procurou vender uma aura de super-homem num palco onde ele não teve opositor no debate de ideias. A Frelimo continua a viver das glórias do passado, tipo sua camisola vence qualquer despique, vista-a o pequenote de Namicopo ou qualquer outra figura resgatada das catacumbas da irrelevância política.
Maputo precisava de ouvir mais do Razaque Manhique é isso foi recusado. Os eleitores de Maputo precisavam de ouvir propostas concretas e isso foi considerado uma heresia no tom monocórdico do Nyussismo.
O mapa eleitoral está ainda por definir. Algumas ilações podem ser feitas. Na Beira, parece claro que o MDM deu uma goleada. Se isso se comprovar, é mais uma derrota do Nyussismo, aqui pela interposta pessoa do seu Secretário Geral, Roque Silva, que apostou todas as suas fichas no Chiveve. A derrota da Frelimo na Beira demonstra todo o improviso de uma campanha sem propostas concretas para os beirenses, dominada por forasteiros étnicos quando se sabe da aversão local por tudo quanto é de fora.
Nampula também suscita alguns ângulos de leitura. A Frelimo canta vitória em todas as autarquias da província. Na capital nortenha parece indubitável a vitória do celsismo (CC). Embora haja evidências de mesas com mais votos que o número de inscritos, também parece claro que não houve, como se propalou, um enchimento massivo das urnas a favor da Frelimo e isso se pode demonstrar factualmente. Basta comparar as eleições de 2023 com as anteriores, de 2018.
Em termos comparativos com 2018, constata-se que nestas eleições (2023), em Nampula, a Renamo obteve apenas 65 mil votos (41%); em 2018 havia ganho com 116 mil votos (61%). Quanto à Frelimo, em 2018, o partido obtivera apenas 63 mil votos (33%), mas nestas eleições sua performance subiu para 82 mil vistos (51%). Os dados mostram que a Renamo perdeu eleitores (ou houve um desenchimento?!) e que a Frelimo obteve apenas mais 20 mil votos que em 2018.
A onda vermelha não conseguiu uma vitória retumbante na capital nortenha, mas obteve maioria estável. A vitória da Frelimo em todas as autarquias da província de Nampula, em terreno da oposição, é também uma vitória pessoal de Celso Correia. Do mesmo modo que a Renamo conseguiu arregimentar uma boa franja do eleitorado maputense, a Frelimo também mostrou que pode ser alternância do norte.
No mapa eleitoral, subsistem as incógnitas de Maputo e Matola. É óbvio que a CNE e o STAE se mostram mais uma vez capturadas. Na passada quarta-feira, e depois de um grande silêncio quanto às gravíssimas incidências da campanha eleitoral e do dia da votação, a TVM começou a divulgar resultados distritais de Maputo, completamente disparatados. Sua fonte exclusiva era o STAE, que fornecia à estação pública mapas distorcidos, martelados nos recantos secretos de suas instalações.
O que vai acontecer em Maputo e Matola ainda é uma incógnita. A Frelimo vai esticar longamente a sua corda para se manter controlando o capim, revelando a actual propensão autocrática, menos democrática. Eventualmente, uma crise política nacional será resolvida por via de uma negociação, como Chissano fez com Dhlakama quando a Frelimo perdeu em 1999. A questão que se coloca é: até que ponto o "venancismo" está disposto aceitar um “quid pro quo” para abafar suas reivindicações?
Seja como for, é esperado que a Frelimo não insista no erro da sua cartilha repressiva e comece a captar a mensagem do eleitorado. Ao invés da táctica da avestruz, a Frelimo pode começar a ouvir o que realmente os novos grupos demográficos anseiam. Não fazê-lo pode representar o caos final em 2024. O fosso é grande e o partido deve fazer cedências e leituras (a repressão de Comiche contra os informais foi fatal) corajosas, admitindo os erros.
Apostar na repressão e na arrogância subjacente vai causar uma resposta: a revolta, a desobediência e a resistência. Sim. Tal como escreveram Severino Ngoenha e Filomeno Lopes no seu último ensaio:
“Revoltar-se (Albert Camus), resistir (Eboussi Boulaga), desobedecer (Henry Thoreau) a regimes e instituições político-económicas que legitimam a injustiça não é só um direito: é um dever.”
Esse dever está a ser assumido em Moçambique contra um partido elitista, capturado por famílias que partilham entre si a riqueza nacional, deixando milhares na pobreza. (Marcelo Mosse)