O assassinato Anastácio Matavele, em Gaza, é se calhar o indicador mais tenebroso de que a Frelimo ainda se retroalimenta numa narrativa de intolerância política, e, como controla o aparato securitário, num certo banditismo de Estado. As pedradas e pauladas com que militantes impunes da Frelimo se fazem a opositores desarmados em Gaza e por aí além podem não ser o corolário de uma cartilha centralmente redigida, mas o silêncio da cúpula ao mais alto nível, incluindo o silêncio do seu Director de Campanha, o Ministro Celso Correia, mostra que há um certo grau de anuência tácita que protege assassinos a soldo em nome da sua perpetuação no poder.
Uma cumplicidade atroz! E assim a Frelimo se mostra alinhada na barbárie.
Anastácio Matavele era um senhor activo na sociedade civil em Gaza, um veterano do Fórum Local de ONGs. Apesar de controverso às vezes, nomeadamente nas guerrinhas de “posicionamentos” das ONGs em temas diversos como nos debates recorrentes sobre o “combate à pobreza a la PARPA II”, Matavele era no fim do dia um homem coerente e focado na sua luta. Seu lugar era o da sociedade civil, a partir donde fazia uma “oposição” não partidária ao Governo, com centro na capital do Frelimistão, Xai-Xai. Era um homem incómodo para quem governasse uma província considerada lugar de passeata.
A presença de Matavele como coordenador da Sala da Paz, representando o conglomerado de ONGs que fazem a monitoria eleitoral, assustou os mais indefectíveis cultores de uma Gaza onde a oposição não tem espaço. Com Matavele (a Sala da Paz, o CIP e outros actores) a observação eleitoral estava a ser incisiva, com toda a sujeira das pedradas e pauladas e o tom sanguinário da campanha da Frelimo contra a oposição vindo ao de cima.
Ele foi assassinado por 4 homens armados até aos dentes. Os relatos apontam que dois morreram logo a seguir; o carro do assalto se despistou. Os outros dois deviam ser os derradeiros confessos autores de um crime político que mais uma vez vai ficar impune. Sua confissão, como sempre, não vai acontecer. Como em Cistak, os esquadrões da morte são instrumentos de um Estado penetrado pelo crime organizado. E por isso, todos os operacionais que actuam nesse expediente macabro gozam da vil protecção desse banditismo de Estado que nos Governa. Na ressaca de 27 anos de uma paz indizível, a política em Moçambique ainda derrama sangue para vingar!
Quatro Pontos de Ordem
Aqui escolho olhar para campanha eleitoral moçambicana, mais uma vez, como dialética, como debate, como troca, como fluidez, como um momento não exclusivo dos partidos, como um momento não adquirido dos partidos, mas como um momento do povo, dos vários seguimentos da nossa sociedade, onde juntos na diversidade, se diga o que se almeja e o que se espera para o próximo mandato, que mais uma vez irá impactar e imperar nas nossas vidas.
Tendo passado os meus últimos dezanove anos dentro da academia moçambicana, a saber: Universidade Pedagógica - Delegação de Nampula, Universidade Pedagógica Delegação de Quelimane[2], e outras fora do país, como estudante, depois como 'docente', assim por diante, e agora de forma feliz como estudante, irei com este manifesto com base nesta pequena experiência, e com base num viés naive, começar por esta área.
Meus senhores[3], Daviz Simango, Filipe Nyusi, Mário Muquissinse e Ussufo Momade e demais partidos, prestem atenção:
Estudante Sem Bolsa Familiar
Em Moçambique não existe esta coisa que muitas tratam como se de lepra e doença contagiosa se tratasse, ou seja, quando procuras saber, as testas das pessoas mudam de formato, olham para ti como se fosses uma extraterrestre e estivesses a falar de coisas de outro mundo, como se tu já estivesses no futuro e nas entrelinhas te dizem, ‘não'.
Pois é, num país assimétrico nas questðes de paridade quantitativa entre mulheres e homens, num país desigual e sem equidade de género, num país past and copy das questões de género e feminismo, num país carente uma uma abordagem e prática '‘local’' das questões de ser mulher e ser homem, num país de calças versus capulanas[4], num país de DHABUNO MUTHABWA[5], ou seja, ' vocês mulheres agora estão a piorar (quando estas ficam fartas de estar na condição do silêncio), num país onde as narrativas ' formais ' falam de políticas de género, falam de fosso entre as calças e as capulanas perante os níveis de Mestrado e Doutoramento. Neste país, existe uma prática tóxica e nociva para aquelas mulheres que depois de venceram as barreiras de ordem estrutural e social, são confrontadas com um Estado, com uma instituição pública, que concede como bolsa para tu e tua '‘família’ irem estudar fora, se for para Europa (aqui o nosso Estado entende Europa como sendo um único país, ou seja, não importa o país, o valor é o mesmo), um valor mensal de 769 euros, ou seja, ao câmbio de dia 67,2 (compra) e 68,54 (venda), seriam 52.707,26 mt[6].
Para o contexto moçambicano este valor é muito, ou seja, 52.707,26 mt, para os contextos onde se a pessoa estuda fora de Moçambique este valor é aquele cinto super apertado, ora vejamos, para pagares as tuas contas básicas, que naturalmente 'mamam' a bolsa toda, isto é, para pagares a renda da casa, a água, a luz, o gás e a internet, tens que ir ao ATM e levantar o valor para poderes pagar.
Levantas o valor com o teu cartão multibanco da tua conta moçambicana, ou seja, cartão moçambicano, assim como a conta moçambicana, aqui fora não tem expressão, olha que em termos estéticos são cartões idênticos, (Millennium BIM ou Millenium BCP ou BCI ou BPI ). O que significa isto para o bolso do estudante bolseiro que recebe a bolsa em Metical, pois é, em Metical para pagar contas em Euro?
Não sei em que ano e em que contexto esta tabela de bolsas de estudo foi definida, mas ela não tem mais a cara e o rosto para o século XXI, ou seja, se a bolsa individual o estudante vive stressado (stress negativo), pelo facto do valor apertar e bem a sua cintura e cinto, como acham que fazem os estudantes que ousam em estar fora do país com as famílias, geralmente com menores?
Quando falas e negoceias a bolsa familiar na instituição, olham como se de um capricho se tratasse, porque tal Fulano e tal Fulana, já passaram por isso, ou seja, já sofreram, porque 'ela/e(s)' não pode(m) sofrer, ou melhor, '‘no nosso tempo nós sofremos, porque eles não podem sofrer’'. E mais estudar dentro ou fora de país tratasse de opção, ora vejamos;
Quando a pessoa termina os estudos, dentro ou fora do país, engrossa os dados estatísticos de Moçambique, isso se não tiveres a sorte de aparecer um Boisse (Chefe), que vai te dizer o seguinte, ‘você só estudou graças ao partido’, nas entrelinhas você pensa ‘possas, este tipo está a dizer o que’.
Sobre este assunto, senhores candidatos e partidos, vamos parar de ter pesos e medidas, ou seja;
Que tal, senhores candidatos e partidos, lutarem e lutarmos para:
Pensão de Sobrevivência
Pensão de Sobrevivência na função pública perante o cenário onde o funcionário tenha perdido a vida, os menores só terão direito, caso o falecido tenha descontando 5 anos, não tendo descontando cinco anos, os seus dependentes não tê direito. Porque gostamos de complicar? Acham mesmo que o falecido escolheu a morte? Acham que ele devia ter dito a morte para esperar nove meses ou um ano de um mês para ele completar os cinco anos de desconto? Acham que os menores merecem não ter apoio do Estado na ausência do seu progenitor?
Senhores candidatos e partidos, porque não dar o direito automático a Pensão de Sobrevivência a quem de direito, ou seja, a partir do Visto do Tribunal Administrativo, visto que a pessoa não escolhe morrer e muito menos quando de uma morte precoce se trata. Stélio Gadaga, esta é a pensar em ti, para que a Alicia, Tessália, e mais crianças, possam ter a Pensão de Sobrevivência até aos 18 anos.
Academia without the box
Prezados candidatos, vamos nos próximos cinco anos, e assim por diante pensar e sonhar com uma academia moçambicana emancipada. Como se faz isso?
Com base na libertação das mesmas das entranhas políticos partidários. As academias são instituições ‘autônomas’, como fica esta autonomia sem liberdade?
Uma academia que toma as decisões a pensar no seu colectivo, nos seus órgãos colegiais, na comunidade universitária, uma academia naturalmente aberta para o debate de ideias, onde todos cabem nela, com ou sem cores. Uma academia de portas abertas para a política, para os partidos políticos e para os políticos, caso estes queiram vir debater com ela. Que o capital político não venha dar ordens, não venha mandar, não venha dizer em que deve e o que não deve estar no debate académico, mas que venha na condição de participante. Uma academia onde o reitor saiba que as decisões por ele tomadas devem refletir o colectivo não o individualismo.
Senhores candidatos, para tal o capital político precisa primeiro libertar-se da academia, para depois poder libertar ou ajudar a academia a liberta-se. A voz político partidária não pode ser o status quo na academia, o status quo na academia deve ser a liberdade e autonomia.
O académico não pode sentir medo, o académico deve sim ter respeito, chega a ser deprimente e surreal quando chegamos ao nível tão baixo onde o académico, pensa que a solução para seus problemas e vergar-se ao som e as batidas do partido. Não pode ser normal no seio académico a venda de consciência por um cargo e depois colocar-se numa posição onde de forma recorrente será recordado o seguinte que depois o partido vai dizer você ‘cuidado com tua boca’, a boca não é para ser controlada na academia, na academia a boca é para liberta-se e se possível para cantar ao ritmo das demandas da sociedade.
Os académicos que quiserem fazer a vida política, que estão na vida política, que o façam, mas que não caiam na política por desespero, a nossa política não pode ser um bastião de desesperados. A nossa política deve ser um lugar de salutar e com pessoas e visões progressistas, pessoas de qualidade. Mas não caiam na política por acharem que a política é a escada, não façam isso, isso é deprimente, academia deve significar liberté, a verdadeira emancipação quotidiana.
Caros candidatos, o que podem fazer como estadistas, e os partidos que são influentes na assembleia da república é políticas públicas (não como um favor) bem robustas e estruturais no que toca a política de ensino, pesquisa, publicação e extensão, antes de nos internacionalizarmos, vamos organizar bem a casa. Sem deixar de lado a formação de quadros, se queremos no ensino superior o nível de Mestrado e Doutoramento como requisito para lecionar, que o façamos a pensar em mulheres e homens, como bolsas familiares.
O que também podem fazer é incentivar que a nossa academia pense no lugar na cultura dentro dela. Para que possamos ter uma academia glocal, onde o saber local é valorizado, mas, que ela não deixe de comunicar com o saber global.
Política como Ética
Prezados candidatos e distintos partidos, a sociedade precisa acreditar na política e nos políticos. Para tal, vós tereis que trabalhar para existência de partidos com narrativas frescas e refrescantes, com narrativas progressistas, com estórias e história sim, como referências, mas não como dogma, partido que não deia ordens na academia, partido que não deia ordens no povo, mas sim uma relação social entre ambos, com respeito no lugar do medo e silêncio. Partidos naturalmente tolerantes.
Uma política que usa com peúgas e botas, e não uma política que usa as botas e depois procura pelas peúgas. Como seguimento social precisamos muito da política, assim como o político precisa deste seguimento, ou seja, são os dois lados da mesma moeda. Isto é, não só precisamos do político, como também precisamos do cidadão, da cidadania, da liberdade, e de todo aquele que se prestar ao serviço da política que o faça sobre um juramento ético e não materialista, empatia, alteridade e tolerância. O político não pode ser o status quo da sociedade, status quo é o cidadão, o povo, as mulheres, os homens, o político vem ao reboque destes e muito bem-disposto a servi-los. Os benefícios devem estar mais próximo possível do povo e não o inverso.
Bilhete Jovem (até aos 25 anos)
Nos pouquíssimos dias que faltam de campanha, vamos juntos pensar num Moçambique melhor para os adolescentes e jovens. Por exemplo, Podemos começar pelo bilhete jovem. Quer seja por via aérea, via terrestre, dentro e fora da província. Não falo de promoções, mas sim de uma prática com um grupo de políticas pro-jovens.
Prezados candidatos presidenciáveis, Daviz Simango, Filipe Nyusi, Mário Muquissinse e Ussufo Momade, e demais partidos extra-parlamentares, os manifestos eleitorais, a campanha, os candidatos, os partidos precisam aprender a Pensar Moçambique como prioridade, como status quo, como pilar, antes e depois das cores, ou seja, Pensar Moçambique without the box.
Homo oeconomicus e Homo politicus
Prezados Candidatos
A radiogradia actual moçambicana não deve ser percebida e analisada fora do ethos comportamental e percepcional do povo. Ou melhor,
As massas funcionam como um barómetro relevante nas questões de governamentabilidade.
O novo por excelência nas memórias colectivas causa estranheza, resistência, e pode causar falta de percepção, mas precisamos entender e aceitar esta nova forma de ser e estar em Moçambique, ou melhor, precisamos perceber este Moçambique pluridimensional, rico pela diversidade e não pelo consenso.
Penso como a actual conjuntura social, económica, política, ou se aceitarem homo oeconomicus e homo politicus, (re)socializaram ou mudaram o ethos do cidadão moçambicano. O desafio reside na maneira como o homo politicus reage a esta mudança e social change (culture change).
O questionar o binómio homo oeconomicus e homo politicus pelas moçambicanas e pelos moçambicanos, fazem parte de uma evolução social, histórica, política, ideologia e cultural normal na actual conjuntura do país.
Em nome do povo precisamos agir de forma cristalina e nobre, pois o povo merece, não só pela bio-política e pelo bio-poder, mas porque sem o povo não seremos nada
Por uma Posição (nós) e Oposição (outros) Tolerantes
Prezados candidatos, vamos fazer um pequeno exercício
Em política e na política, existem duas figuras o Eu (nós) e o Outro (eles), ambos com uma comunicação, com um comportamento, com uma tradição, com uma 'disciplina', com uma cultura do eu perante o outro, alicerçada na percepção do outro como diferente. Procede? Sim. Deveria? Não.
Pois, o eu na teoria, na sociedade, na política, no governo, deveria ter uma obrigação moral com o outro e o outro deveria ter a mesma obrigação com o eu ( Martha Nussbaum). Mas a prática social e cultural entre e o eu e o outro no lugar de ser eu-outro, persiste em ser eu e outro.
O eu e o outro pressupõem uma comunicação ética e empática, enquanto categorias das nossas relações inter-grupais, pois só somos eu e eles porque existe uma relação com o outro, mas, o que acontece quando:
Mas, em política é importante perceber que o lugar do eu e do outro não são tácitos, o eu de hoje pode fluir para o outro e o outro pode fluir para o eu.
A origem do totalitarismo numa sociedade pode estar associado ao emergir de uma política no seio de uma pequena elite, à uma forma de degradação dos direitos dos cidadãos e ao emergir de uma forma de governação associada a uma ideologia de medo, de terror e de silêncio. Direitos humanos, direito a ter direito, liberdade para ser e estar na sociedade e a liberdade de expressão são alguns dos cavalos-de-batalha num cenário de crise de valores e cidadania (Hannah Arendt,).
Sem deixar de lado the psychology of dictatorship, (Fathali M. Moghadam), chama a atenção para esta forma de psicologia com a qual podemos conviver sem ganharmos consciência da mesma, pois, os comportamentos, as atitudes e as práticas que emergem no seio da política e da sociedade em momento de crise e de social change, são responsáveis pelas reacçðes das elites políticas às mudanças e às pressões.
Pode a Posição (nós) e e Oposição (outros) estabelecer uma relação inter-grupal nos diferentes partidos, no parlamento e no governo, baseada num continnuum?
Chamo aqui atenção para a Psicologia do Silêncio instaurada no seio da nossa sociedade. Se falas, és do contra, se falas, és da oposição, se pensas diferente, não és patriota, não és nacionalista, e as redes sociais aparecem neste contexto como uma contra-cultura onde as pessoas encontraram uma fuga ou um espaço de liberdade. Pois, para a Psicologia, é importante que as pessoas tenham um espaço para falar, para serem livres, mesmo que seja no espelho da casa de banho, ainda que este seja aquele espaço único onde podes dar um grito de liberdade.
Que realmente possamos ter um verdadeiro governo inclusivo e sem cores, onde o que deve contar não são as ideologias, mas sim a taxonomia de Bloom, ou seja, saber ser, saber estar e saber fazer com pilares na nossa plural cultura e nossa elástica moçambicanidade.
E mais, não tenham medo de trabalhar com 'vosso inimigo', visto que o importante é o encontro de ideias que ele tem para desenvolver Moçambique, a tal 'construção do consenso'.
[1]O Engraxanço e o Culambismo Português in http://www.citador.pt/textos/o-engraxanco-e-o-culambismo-portugues-miguel-esteves-cardoso
[2] Falar destas duas casas é nostálgico
[3] Infelizmente aqui não há como escrever 'Senhoras e Senhores'
[4] Género, Poder e Gestão do Ensino Superior: os gestores usam calças (masculinidade) e as gestoras usam capulanas (feminidade), 2013.
[5]DHABUNO MUTHABWA: (re)definindo o papel das mulheres no campo político
“As donas da Zambézia, as donas da campanha, as donas das eleições! E donas do pós-15 de Outubro?”
[6] https://ind.millenniumbim.co.mz/pt/Paginas/homepage.aspx
Na dimensão ideal existem muitas pontes dialéticas (desejos e anseios) entre o Setembro Amarelo e as Ondas Coloridas, ambos podem ser um momento de paz, reconciliação e tranquilidade mental, nas relações interindividual e intergrupal em ambas as categorias, (o eu e o outro, e o nós e eles). Mas, na dimensão real, sem dialética ‘possível’, visto que o Setembro Amarelo almeja por uma maior consciência sobre a saúde mental, segurança mental, higiene mental, ou seja, uma sociedade que cuida do binómio saúde e doença mental, e surrealmente encontrarás esta tranquilidade toda no meio das escaramuçaras. E mas, os média são em parte responsáveis pelas nossas construções e representações sociais, vamos parar de pensar que o que aparece na televisão começa e fica por ali, até porque toda nossa psicologia, comportamentos, percepções e emoções são em parte alteradas perante uma simples notícia, imagine perante cenários de trocas de mimos, escaramuças e ridicularizadade?
Mas, do lado das Ondas Coloridas que poderiam propiciar esta tranquilidade e relaxamento todo, ou seja, propiciar as Ondas Coloridas como bem-estar, estão busy com trocas de mimos (exibição de nossismos, euismos, meuismos e pessoismos), estão busy com as escaramuças, no lugar daquele plano ideal de ondas coloridas como festa, como dança, como música, como namoro, como conquista. Somos presenteados com candidatos a namorados que não sabem que eles deveriam ser os primeiros a dizer não a qualquer forma ou tipo de violência, namorados que são pela paz, namorados que são pela reconciliação, namorados que pensam no país como prioridades no lugar das cores, namorados que usam a palavra não armada, a palavra não belicista, a palavra não intolerante, a palavra não tóxica para conquistar as namoradas, neste caso, as moçambicanas e os moçambicanos.
Mas será que as cerimónias tradicionais pelas quais passaram estes ‘namorados’ e seus ‘familiares’ passaram antes do início das Ondas Coloridas e cuidaram do espíritos destes? Cuidaram das mentes destes, cuidaram dos comportamentos tóxicos, cuidaram da alma destes, ou por outra, as mentes foram desarmadas como forma de desarmar as narrativas belicistas, por um lado, e as atitudes belicistas, por outro lado? Se calhar com mentes desarmadas teríamos candidatos ao namoro com uma narrativa baseada na cura pela palavra (pacífica), uma retórica com base em ideias em prol de um Moçambique autónomo e soberano, com maior redução possível da dependência externa, no lugar da troca habitual de mimos.
Candidatos a namorados que percebam que com base na dialética do eu e outro emerge o nós, no lugar da dialética de nós aqui e eles lá (com pontes quebradas), e todo aquele que pensa diferente de nós é percebido como sendo nosso inimigo.
Sobre o lado tóxico dos candidatos a namoro em nome das Ondas Coloridas, ou seja, namoro como uma forma de nossismo deixa resgatar um trecho publicado em 2018 a pensar no 10 de Outubro, ou melhor, nas eleições autárquicas de 2018:
Teria a narrativa Moçambique monstros e fantasmas com o poder de perigar a relação entre o eu e o outro, criamos nós estes monstros e fantasmas mentais e imaginários como uma consequência da fobia pela diferença e pelo diferente? Para tal falo das várias nuances do nossismo dentro do ethos da Psicologia Social, a saber:
Nossismo identitário como forma de marcar território representa uma outra nuance da perigosidade da relação eu e outro. Os temas actuais na nossa narrativa giram em volta da identidade tribal, regional e quiçá em voltas gemas, ou moçambicanos de primeira e os moçambicanos de segunda. Esta forma linear e fechada de ver e mergulhar no ethos do país funciona para legitimar as diferenças (formas excludentes) no lugar da tão sofrida e bem conseguida narrativa: unidade nacional, mas:
Nossismo cultural como o status quo de ser ou não moçambicana e moçambicano de gema, o local, a dona e o dono, cultura que é ou pode ser legitimada e reforçada pelo poder político e legal. A capulana como artefacto social, por exemplo, é assumida como o expoente máximo da expressão da nossa cultura mas de forma livre e espontânea. O que se assiste hoje: toda uma legislatura de capulana, não tem mulheres e não tem homens, estamos perante o eu-capaluana nos espaços públicos e privados, ou seja, a capulana sai do binómio privado-público para público-privado. Será de livre vontade? Estarão felizes com o eu-capulana? Como são vistos os que não assumem o eu-capulana no espaço público? O Nossismo cultura faz parte de um ethos inflexível, que legitima os grupos através da cultura, o que seria cultura para o país bilionário culturalmente?
Nossismo político, a elevação e legitimação da intolerância no seio dos grupos, dos movimentos e dos partidos políticos, podem ser assumidas como uma forma de violência simbólica, sem mencionar aqui as várias nuances e dimensões da violência associada a este ethos. No lugar de perceber o outro, no lugar de comunicar com outro, o escarramos como sendo um inimigo por abater do espaço político no lugar de uma co-habitação política, num contexto de liberdades individuais e colectivas.
A dialética eu e outro são importantes na relação interpessoal e intergrupal, mas também, são importantes no âmbito do Setembro Amarelo que almejava uma dialética sã nesta relação eu e outro. Pois a ausência desta relação equilibrada nos colocaria mais próximos das nuances do nossismo. Esta dialética do eu e do outro passa pela consciência de si a partir do outro. Neste caso em especial seria uma dialética entre os candidatos a namorados na Onda Colorida, onde a ‘ideia’do outro é importante para uma sociedade autónoma, desenvolvida e esclarecida, por um lado, onde é urgente abandonar a prática tóxica de eliminação a figura dialética do outro, não se elimina o espírito do outro, até porque a consciência de si não flui sem o outro.
Perceber o namoro das Ondas Coloridas como escaramuças é perpetuar a imbecilidade associada ao nossismo, pessoismo, euismo e meuismo.
O Setembro Amarelo significa também consciência redobrada e acrescida na prevenção de doenças mentais, mais particularmente àquelas como a depressão que infelizmente podem levar ao suicídio, Setembro amarelo significa prevenção, significa promoção, significa educação para saúde, significa saúde coletiva e comunitária face a saúde mental, saúde mental como bem-estar societal.
O mês de setembro, simboliza uma ação que deve ser contínua e consciente num país que infelizmente, figura nas estatísticas mais altas de África na questão de suicídio, e pelo facto de ainda darmos pouca atenção as questões de saúde mental, por acharmos ou reduzirmos às questões tradicionais, onde as mesmas são apeladas para uma resposta no seio familiar, porque lá encontrarão com facilidade o autor desta crise mental. Mas nada impede que a saúde convencional estabeleça pontes com a dita saúde tradicional na questão de um melhor entendimento sobre a saúde mental, pois, não deve ser visto como retrógrado o acto de existirem teorias do quotidiano ou melhor, construções e representações sociais sobre o que é saúde mental e o que é doença mental.
Infelizmente as pontes são quebradas entre estes dois eventos, para além do facto da consciência do mês, ou seja, Setembro Amarelo. O Setembro Amarelo tinha ‘tudo para dar certo’, no namoro com as Ondas Coloridas, o que falhou?
As Ondas Coloridas não são um momento para fortalecer a nossa introversão, mas sim, um momento para fortalecer a nossa excentricidade, não deve ser um namoro onde a tua fala e retórica só têm sentido para as vozes dentro da tua cabeça e dentro do teu grupeto, assim estaríamos a prestar um serviço sem fasquia e sem qualidade, e pior, a enganar ao tal eleitorado que fingimos estar a namorar, pois, no final pretendemos é um autonamoro, escamoteando as questões éticas, que não deviriam ficar em modo pause em época de namoro eleitoral.
Ondas Coloridas seriam o momento de educação e cidadania, de expurgar a mentalidade belicista e armada, e clamar por um desarmamento espiritual baseado no confronto de ideias rumo a uma sociedade informada e lúcida sobre como melhor votar, não pelos partidos, mas por Moçambique, por Zambézia, e por todas as províncias dentro da sua rica diversidade.
Setembro Amarelo calhou no mês errado? Acredito que não, penso que o Outubro Rosa terá mais sorte que o Setembro Amarelo. Que a contagem decrescente seja um verdadeiro momento de debate de ideias entre os candidatos presidenciáveis e entre os partidos extraparlamentares. Não há sociedade sem ' debates'
A SALA DA PAZ é uma grande escola de democracia. Começou em Nampula e agora se expandiu pelo país todo, buscando mais aprendizado, formas harmoniosas de resolver diferenças políticas e aprimorando a transparência na gestão dos processos eleitorais. É uma grande escola e fazer parte dela tem sido igualmente uma grande honra.
Posso me gabar de conhecer a SALA DA PAZ por dentro. Mas, como não há bela sem senão, parece que alguém descobriu que esta plataforma é um laboratório de lapidação de futuros políticos, um esconderijo de políticos acobardados e quiçá um terreno de espionagem política. E isso me preocupa muito. Me dá muito medo.
Parece que as pessoas que a gente confia os planos e as estratégias desta importante plataforma, a dado momento, acabam sendo recolhidas ou resgatadas pelos partidos políticos - esse ópio civilizacional. De manhã você está a discutir assuntos muito sérios da SALA DA PAZ com alguém e a noite você fica sabendo que esse mesmo alguém está na lista do partido A, Bê, Cê... Xis, Dabliu ou Zé. Isso me preocupa muito. Me dá muito medo.
O meu medo é de chegarmos à uma fase em que a plataforma será tomada de assalto pelos partidos políticos. Uma fase em que os partidos políticos terão membros-permanentes na SALA DA PAZ por quotas de representação parlamentar. Uma fase em que esta plataforma não passará disso, simplesmente uma plataforma. Uma fase em que a SALA DA PAZ cairá no descrédito da opinião pública. Uma fase em que a própria SALA DA PAZ não saberá dizer o que ela é na essência. Uma fase de uma SALA DA PAZ sem termos de referência claros e objectivos. Uma organização suspeita. Uma plataforma sem identidade.
Tenho medo que as pessoas não saibam em quem e em o que acreditar. Dizia Aristóteles, a primeira verdade de um discurso é o seu próprio orador. Tenho medo que as pessoas percebam que já não somos mais verdadeiros quanto os nossos discursos. A opinião pública ainda espera muito de nós.
São os meus medos. Nada contra as decisões de quem quer que seja. Nada contra as pessoas se filiarem onde quer que seja. Só não me agrada que as pessoas usem organizações da sociedade civil como a SALA DA PAZ para fazerem preliminares. Uma organização que faz observação e monitoria do processo eleitoral não pode ser a porta de entrada para a política activa. A SALA DA PAZ não merece essa fama. Qualquer um é livre de se filiar a qualquer partido político que lhe apetecer, mas que não seja através da montra da SALA DA PAZ.
Não sou de cortar liberdades de ninguém, mas não podia deixar de partilhar os meus medos. Medo de entrar numa sessão e não saber quem é quem ou quem será quem mais logo ou, pior, quem sou eu. Medo de não saber se vale a pena este compromisso. Medo de não saber a quem dedico as minhas energias. Medo de gritar de júbilo ou de desmaiar no dia de votação. Medo de não conseguir acudir a luta entre o meu eu e o meu mim. Medo de ser um porta-voz de uma organização sem voz nenhuma. Medo de pensar que tudo é normal e que os fins justificam os meios. Medo de confundir opiniões e burlar expectativas.
São muitos os meus medos sobre o futuro da SALA DA PAZ. São enormes os meus medos.
- Co'licença!