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BCI
segunda-feira, 06 abril 2020 07:33

Ensino à Distância: modalidade funcional ou pura perda de tempo?

O Ensino à Distância (EAD) é uma modalidade muito especial dos sistemas de educação, aqui ou em qualquer parte do mundo. Impulsionado pelos desenvolvimentos tecnológicos, este é um formato educacional cada vez mais usado, em determinados níveis.
Os coordenadores/supervisores envolvidos nele carecem inequivocamente de formação específica, que – dependendo dos casos – pode levar meses e até anos, para poderem não só dominar as técnicas de elaboração e interpretação dos materiais auto-instrucionais, como também para procederem ao “delivery” dos módulos e respectivos conteúdos.


Isto para não falar dos modelos de acompanhamento dos estudantes, monitoria das sessões de estudo e respectivas formas de avaliação.

No “briefing” que o MISAU realizou na tarde de ontem, sobre os derradeiros desenvolvimentos do Covid-19 no país e no mundo, além dos habituais participantes – os responsáveis do Ministério da Saúde – também participaram representantes do Ministério da Educação e da INAE. Uma iniciativa sem dúvidas louvável, uma vez que os efeitos do novo coronavírus são transversais aos diversos sectores.

Da representante do MINED ficamos a saber essencialmente que, pelo facto de as escolas estarem todas encerradas neste momento, o sector garantiu que todos os módulos das diversas disciplinas, aos mais diversos níveis do ensino secundário (I e II graus) estão disponíveis numa plataforma digital, disponível na sua webpage, para fazer face ao momento – outra iniciativa “aparentemente” louvável.


“Aparentemente” porque ninguém até agora pode aferir/confirmar do grau de funcionalidade, eficácia e sobretudo efectividade desse modelo para aquele nível de ensino.

Para início de conversa, a questão prévia que se coloca é: quem, quando e em que contexto foram os tais materiais auto-instrucionais, referentes a todos os módulos de todas as classes do ES?


Será que os mesmos já existiam – para estudantes específicos, que já antes teriam optado por esta modalidade de ensino – ou simplesmente se fez um copy/paste dos livros e materiais didácticos, normalmente usados para o ensino presencial, e se “bombou” na Net?


Ademais: foi ministrada alguma formação em EAD, ainda que de curta duração, aos diferentes professores secundários que irão lidar com os estudantes, por tempo indeterminado?


Esses docentes tiveram algum contacto prévio com os materiais auto-instrucionais, ou também só tomaram contacto com os mesmos quando o Ministério da Educação decidiu colocá-los no seu site?

O elo mais fraco é…

Reza, e bem, a sabedoria popular que é do lado mais sensível que a “corda” rebenta. E o elo mais fraco neste caso são os alunos.


Primeiro porque depois de anos a frequentarem as aulas em moldes presenciais, de repente são confrontados com um “estranho” formato, com o qual nunca antes haviam tido contacto – e, provavelmente, muitos deles até nem sabiam que existia, no seu nível de ensino.


E, tal como acontece com os professores, é necessária uma explicação exaustiva aos estudantes, sobre como se processa esta modalidade do EAD. Não é às “três pancadas”, com eles já em casa e com as escolas encerradas, que se explica a um estudante do ensino secundário como devem ser consumidos os materiais auto-instrucionais, ou como se processam as avaliações à distância. 

 

Depois, é pouco provável que haja uma percentagem considerável de alunos do ensino secundário que se encontram efectivamente em “recolhimento” e motivados para estudar em casa – ainda por cima, sem supervisão directa e presencial dos respectivos professores.


Muitos nem devem parar em casa, seja por pura falta de disciplina/método, ou mesmo por questões meramente sócio-económicas – como por exemplo, ter de ajudar os pais (ou outros familiares) nas actividades que trazem o pão à mesa. Não nos esqueçamos que este país é vasto e as realidades sociais diversas.

Pior do que tudo porém, é preciso ter em conta a percentagem de alunos que (não) tem acesso à internet. Quantos deles, por este Moçambique fora, tem condições para possuir um computador, um tablet ou qualquer outro dispositivo que lhes permita aceder ao portal do Ministério da Educação? Ainda que a custo zero (como prometeu uma certa operadora) é pouco provável que esse seja o principal dilema de uma esmagadora maioria de alunos do secundário.

Disse a representante do Ministério, no “briefing”, que para além desta modalidade do EAD –  por via do ciberespaço –  aquele sector tentará colmatar algumas das questões acima levantadas continuando com as aulas que são ministradas através do programa Telescola, transmitido diariamente pela televisão pública.


Ora, isso só por si constitui uma disparidade entre metodologias, que em nada ajuda a que estudantes de um mesmo nível avancem, em bloco, ao mesmo ritmo. “At the same pace” – como se diz em linguagem académica.


Uma coisa é o formato de modular de ensino à distância, e outra, completamente diferente, são os poucos minutos de lições (aleatórias) ministradas por via de um professor através da TV, onde não se podem sequer colocar dúvidas e perguntas.

Mas também aqui, é possível questionar-se: será que todos os alunos deste país têm um receptor de televisão em casa? Será que, ao menos, têm energia eléctrica, pelo menos nas zonas mais recônditas?  

Enfim, a introdução do EAD pode ser uma boa tentativa de manter os alunos em casa, de evitar a ociosidade, e de fazer com que os programas lectivos das respectivas classes não parem de ser implementados. No entanto, é de crer que as probabilidades de se conseguirem os resultados almejados sejam poucas.


No mínimo o que conseguiremos ter no final deste conturbado período em que vigora o estado de emergência, será um “bias”, em que estudantes de um mesmo nível terão estágios evolutivos completamente díspares.
E não somente por uma questão de serem mais ou menos aplicados nos estudos, mas sim, (e muito) em função das suas poss(ibilidad)es.(Homero Lobo)

Sir Motors

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