É já um dado adquirido que os moçambicanos terão, nos próximos dias, de ficar em isolamento no contexto da mitigação da pandemia do novo coronavírus (Covid-19). Esta segunda-feira, o Chefe de Estado decretou o Estado de Emergência para todo o território nacional, a começar às 00:00 horas do dia 01 de Abril até ao próximo dia 30 de Abril.
O Centro de Integridade Pública (CIP) apresenta, na sua mais recente newsletter, um conjunto de propostas que devem ser adoptadas pelo Governo, no quadro da declaração do Estado de Emergência, cujo objectivo central é evitar a propagação vertiginosa da pandemia em território nacional.
Para já, entende a organização da sociedade civil que o Governo deve investir com particular atenção na protecção social das camadas mais desfavorecidas. Essencialmente, o CIP assenta as propostas que traz em três pilares: “A segurança de rendimento, protecção social e protecção de emprego; reforço das medidas de prevenção (sector da saúde); e a cadeia de distribuição e comercialização”.
Estatísticas oficiais, de acordo com o CIP, apontam que entre 55 a 60% da população vive na pobreza no país, o que equivale a cerca de 18 milhões de moçambicanos e o Executivo gasta abaixo de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) para apoiar os agregados familiares pobres e vulneráveis em forma de assistência social.
Prossegue, esta organização da sociedade civil, que 88% da população economicamente activa trabalha no sector informal, incluindo a agricultura de subsistência, advertindo, no entanto, que qualquer medida de isolamento para conter o alastramento da pandemia sem tomar em conta o real quadro do país não surtirá os efeitos pretendidos.
Dados tornados públicos, esta segunda-feira, pela Directora Nacional de Saúde Pública, Rosa Marlene, apontam para o não registo de qualquer infecção pela Covid-19 nas últimas 24 horas, tendência que se vem registando desde domingo último. Marlene, que falava na tarde de ontem, em Maputo, no balanço diário da evolução da pandemia, avançou que o país continua com oito cidadãos infectados pelo novo coronavírus.
No domínio da “segurança do rendimento, protecção social e protecção de emprego”, o CIP defende que para que as pessoas possam, de facto, isolar-se deve haver segurança dos seus rendimentos, dedicando atenção particular às que se encontram no sector informal.
Para este último grupo (sector informal), considerou, entre outras, a organização, o desembolso de um pagamento único, independentemente do seu histórico de contribuição, ao já inscrito no Instituto Nacional de Segurança Social (INSS); os informais inscritos no Instituto Nacional de Acção Social (INAS), sejam elas beneficiárias ou pessoas na lista de espera, desembolso de subsídios equivalentes ao dobro do subsídio actual durante os próximos seis meses; aos trabalhadores informais que não estão inscritos nem no INSS e nem no INAS, a opção a curto prazo seria a introdução de uma cesta básica e, a longo prazo, a sua integração na lista de espera do INAS e promover a sua inscrição no INSS.
Igualmente, neste pilar, o CIP afirma: “alguns serviços essenciais terão de continuar incluindo: venda de produtos de primeira necessidade (alimentos e medicamentos), segurança, transporte, etc. Devem ser introduzidas medidas de higiene e segurança no trabalho, incluindo acesso à água e saneamento, e a pulverização de espaços públicos. Neste aspecto, os órgãos de governação descentralizada têm um papel crucial, uma vez que têm a dimensão contextual de cada província/município e podem desenhar medidas que se enquadram em cada área territorial; devem ser evitadas medidas punitivas, optando pela sensibilização e diálogo, em vez de uso de medidas de repressão. O CIP reforça que as associações de trabalhadores informais devem ser incluídas no processo de decisão de medidas que afectam este sector”.
Para o caso dos trabalhadores do sector formal, a segurança do rendimento, de acordo com esta organização, “requer maior flexibilidade no processo laboral, de modo a poder trabalhar desde casa, onde possível; a prevenção de discriminação e exclusão relacionada ao Covid-19; a extensão do subsídio por doença (do INSS) àqueles que estão doentes, em quarentena ou cuidando de doentes; férias colectivas remuneradas em casos em que as empresas têm de suspender as suas actividades temporariamente; e a aplicação de rigorosos procedimentos, incluindo no cálculo de indemnizações, em casos em que as empresas têm de fechar as suas portas permanentemente”.
No sector da Saúde, o Centro de Integridade Pública, sem o desprezo das que vêm sendo implementadas, insta o reforço das medidas de prevenção no país e apresenta algumas propostas complementares.
No rol das propostas, o CIP destaca a necessidade de “solicitar apoio dos órgãos locais do estado para mobilizar secretários dos bairros e régulos para dar suporte às Direcções Provinciais de Saúde na monitoria do estado de saúde dos moçambicanos recém-chegados da África do Sul; identificar hospitais (ou centros de tratamento) que tratem enfermidades relacionadas apenas com síndromes gripais (sabe-se que já foi feito para Covid-19), a sugestão aqui é encaminhar as pessoas que tenham sintomas de gripe no geral para centros devidamente identificados; Pode-se recorrer a campos de jogos para isolar pessoas com essas enfermidades das outras; e apetrechar, através do reforço de equipamento, camas e condições adequadas para funcionamento, os hospitais e centros de saúde já existentes de modo a garantir o tratamento efectivo desta e outras enfermidades minimizando as infecções”.
Ainda no reforço das medidas de prevenção, o CIP sugere a inclusão da Associação de Médicos Tradicionais (AMETRAMO) para que estes ajudem na divulgação das mensagens nas comunidades; usar o braço social das igrejas para disseminar medidas de prevenção e informações sobre a Covid-19 junto dos seus fiéis; “recorrer ao serviço de mensagens (sms) enviadas através das redes de telefonia móvel, para mandar mensagens mais enriquecidas em termos de conteúdo, por exemplo, sugerindo reforço de medidas de prevenção (lavar as mãos e permanecer em casa); indicando os números de emergência em caso de mal-estar por sintomas gripais (estas mensagens podem ser disseminadas igualmente em línguas nacionais) Instruir as televisões pública e privadas a difundir mensagens de prevenção de forma inclusiva, incluindo linguagem gestual e línguas nacionais, e enfatizando o papel crucial da mulher que exerce a educação das crianças”.
Na cadeia de distribuição e comercialização, a organização da sociedade civil propõe que o Governo deve “manter em funcionamento os estabelecimentos de venda de bens e serviços de primeira necessidade e sectores de suporte, bem como dar continuidade à monitoria de possível especulação de preços; mapear agricultores com excedentes agrícolas, por exemplo Niassa, Tete e Manica, comprá-los e usar todos os meios de transporte disponíveis para abastecer províncias com défice de produção; disponibilizar insumos agrícolas e incentivos para produção acelerada de alimentos nas zonas agro-ecológicas, deve iniciar o quanto antes; e iniciar campanha de promoção de hortas caseiras a nível nacional”.
O Centro de Integridade Pública aponta como principal desafio do Governo a disponibilidade de recursos para financiar acções que possibilitem um isolamento social de toda a população. (Carta)