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segunda-feira, 30 março 2020 06:41

Covid-19: Dois Analistas rejeitam confinamento total em Moçambique

Está iminente a declaração do Estado de Emergência, na República de Moçambique, devido à propagação do novo coronavírus, pandemia que já infectou cerca de 700 mil pessoas, em todo o mundo, das quais oito no território nacional. A recomendação saiu da Primeira Sessão do Conselho de Estado para o quinquénio 2020-2024, que teve lugar na passada sexta-feira, em Maputo.

 

Composto por 21 membros, o Conselho de Estado usou das suas competências, descritas na alínea b) do artigo 165, da Constituição da República, conjugado com a alínea b) do artigo 2, da Lei n˚ 5/2005 de 1 de Dezembro, que regula a organização do Conselho de Estado e define o estatuto de seus membros, para aconselhar Filipe Jacinto Nyusi a enveredar pela declaração do Estado de Emergência, como forma de conter a propagação do Covid-19.

 

De acordo com a Constituição da República, no seu nº 1, do artigo nº 281, o Estado de Emergência só pode ser declarado, no todo ou em parte do território, “nos casos de agressão efectiva ou eminente, de grave ameaça ou de perturbação da ordem constitucional ou de calamidade pública”.

 

O Covid-19, tal como referimos, já infectou oito pessoas, sendo seis casos importados e dois de transmissão local. Todos os casos foram identificados na cidade de Maputo, sendo que os infectados já mantiveram contacto com 103 pessoas, de acordo com o Ministério da Saúde. No total, já foram testados 217 casos suspeitos.

 

Aliás, ontem, a Directora Nacional da Saúde, Rosa Marlene, admitiu haver falhas no rastreio das pessoas com sintomas da pandemia Covid-19, bem como no acompanhamento de cidadãos que vivem distante, o que revela o risco a que o país está exposto face à pandemia.

 

Mais de 20 países declararam o confinamento obrigatório, em todo o mundo, como forma de evitar a propagação da pandemia, que já causou mais de 32 mil óbitos, sendo 10 mil na Itália, o país mais arrasado pela doença. Na África Austral, alguns países também optaram pelo recolher obrigatório, como a África do Sul e a Angola. Já o Zimbabwe e o Reino de eSwatini optaram pela restrição de entrada de cidadãos estrangeiros, excepto os que residem e trabalham naquelas nações vizinhas.

 

Para perceber os impactos sócio-económicos que o Estado de Emergência poderá ter no país, “Carta” conversou com Tomás Vieira Mário, Director-Executivo do Centro de Estudos e Pesquisa de Comunicação – SEKELEKANI e João Feijó, investigador auxiliar e coordenador do Conselho Técnico do Observatório do Meio Rural, uma organização da sociedade civil que se dedica à pesquisa de temáticas agrárias e desenvolvimento rural.

 

Os dois académicos defendem que qualquer medida que for tomada, com vista a conter a propagação do Covid-19, no âmbito do Estado de Emergência, deverá ter em conta a realidade económica do país.

 

“Não se pode copiar de forma mecânica o que foi feito pela África do Sul”, Tomás Vieira Mário

 

Admitindo que a declaração de Estado de Emergência, no território nacional, é oportuna, tendo em conta a propagação da doença, Tomás Vieira Mário defende que qualquer medida a ser tomada deverá ter em conta as características específicas, em particular económicas, do país.

 

Mário rejeita qualquer hipótese de confinamento total da população, afirmando que, se tal acontecer, as medidas podem ser mais devastadoras para o tecido social moçambicano que os próprios efeitos do novo coronavírus.

 

“Não se pode copiar de forma mecânica o que foi feito pela África do Sul ou outros países. Coloco fora de hipótese o fecho total do país, porque o país não tem condições para tal”, afirma o também Presidente do Conselho Superior da Comunicação Social, advogando a possibilidade de o Presidente da República declarar um Estado de Emergência parcial, restringindo a circulação numa determinada área ou em certos períodos do dia.

 

“Esta será a maior crise, depois da guerra”, João Feijó

 

Por seu turno, João Feijó afirma: “qualquer medida a ser tomada não pode ser vista sob ponto de vista médico, mas também sob ponto de vista económico”.

 

Feijó defende que o país irá enfrentar a maior crise, depois da guerra civil, apesar de sublinhar que nenhum país está preparado para enfrentar esta crise e muito menos para ficar confinado.

 

“É preciso que se tome cuidado com as medidas a serem tomadas, tendo em conta a situação económica do país, pois, Moçambique não se pode comparar com a Itália, África do Sul ou mesmo qualquer país da região. Cada país tem as suas especificidades”, afirmou a fonte.

 

Por essa razão, Feijó revela que o seu maior receio não são precisamente os efeitos que a doença poderá causar ao país, mas a situação em que estarão as famílias moçambicanas, caso o Presidente da República opte pelo confinamento total dos cidadãos.

 

“Podemos ter uma revolta de fome. Estamos num país que depende de doações e é irrealista que o país poderá ter apoios para garantir a assistência alimentar às famílias. Pela primeira vez, o país vai contar consigo mesmo. O período também não permite que se mobilize pessoas a produzir produtos básicos para a alimentação”, referiu a fonte, sublinhando a necessidade de a sociedade ser solidária para garantir a eficácia das medidas a serem tomadas com vista o combate desta pandemia.

 

“É necessário que a sociedade seja solidária, pois, temos a mania de ignorarmos o outro. Quem tem trabalhador deve continuar a pagar salário. Não podemos contar com o Estado porque o nosso Estado é frágil”, sublinhou a fonte.

 

Referir que o Estado de Emergência pode durar até 30 dias, de acordo com o artigo 283, da Constituição da República, sendo prorrogável por iguais períodos até três, se persistirem as razões que determinaram a sua declaração.

 

Durante esse período, determina o artigo 286 da Lei Fundamental, podem ser tomadas algumas medidas restritivas da liberdade das pessoas, tais como a obrigação de permanência em local determinado; detenção; detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns; restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão; busca e apreensão em domicílio; suspensão de liberdade de reunião e manifestação; e a requisição de bens e serviços.

 

Lembre-se que, no passado dia 20 de Março, o Presidente da República anunciou a suspensão de aulas em todos os estabelecimentos públicos e privados, desde o ensino pré-escolar até ao superior; a não organização de eventos que contem com a participação de mais de 50 pessoas, salvo actividades de interesse estritamente público; a suspensão da emissão de vistos de entrada para Moçambique; a imposição de medidas de protecção por todas as instituições públicas e privadas; o reforço das medidas de vigilância para se garantir o pleno funcionamento da cadeia de abastecimento; e a obrigatoriedade de quarentena domiciliária de 14 dias para todos os viajantes, que estiveram em países com casos confirmados de Covid-19. (Abílio Maolela)

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