Uma selva fiscal e outra curricular. Hoje trago um pouco do perfume insosso dessa selva fiscal. A natureza putrefeita da selva curricular fica para os próximos dias.
Primeiro, a evidência empírica. Fiz um exercício básico. Calcular os valores médios cobrados pelo grosso das escolas privadas, algumas ditas internacionais (ensino primário e secundário das escolas que operam em Maputo e Matola). Eis alguns elementos, em valores médios anuais de todas as classes: Cantinho do Céu: 52,200 Mts (propina anual); 1800 Mts (inscrição); Colégio Kitabu: (82,260); (5,000); Arco Iris: (100,100); (6,500); Birlik International School: (186,000); (40,000); Willow International School: (230,000); (40,000); Grandeur International School: (240,000); (33,000); Princess Cinderella Kindergarten Primary and High (298,300); (15,000); Maputo International College (285,300); (15,000); Christian Academy Mozambique (337,300); (1,500); Aga Khan Academy Maputo (510,000), (120,000). (Exclui propositadamente as escolas Portuguesa, Francesa, Americana e a nossa Internacional porque elas são públicas, com currículos devidamente certificados).
Muita fruta ne! Pois. Uma pequena operação para dar uma imagem aproximada do significado destes valores: 6 alunos do Agha Khan pagam em conjunto por ano cerca de 100 mil USD. Interessante. E quanto é que o Estado ganha por esses 6 alunos por ano? Várias operações podem ser feitas para dar um maior sentido a estes números. Uma delas é trazer os mesmos valores médios de propinas anual de todos os níveis e respetivas taxas de inscrição de duas instituições do ensino superior privado. Ei-los: UDM (62,500); (3,000); USTM (55,500); (1,800). Uma leitura possível: o valor de propina anual na Princess Cinderella para uma criança do pré-primário chega para custear as propinas anuais de dois estudantes da USTM e da UDM. Faz sentido? Várias simulações podem ser feitas. Para mim, eles valores são escandalosos (já não bastasse a fraude curricular da maioria dessas escolas, mas isso é outra história).
A ideia de selva fiscal decorre do seguinte: o ensino privado é afetado por um encargo fiscal apenas, o IRPC (imposto sobre rendimento de pessoas coletivas). A matéria coletável depende da declaração de rendimentos que cada uma faz. Se o Estado não tiver capacidade de monitoria, obrigando as escolas a uma contabilidade rigorosa, então pode estar a acontecer um grande nível de descaminho fiscal. O sector privado da Educação não cobra IVA porque ele é considerado um investimento social. Mas o facto é que seus operadores não operam num quadro puro de investimento social. São guiados pelo preceito capitalista da acumulação de capital.
O Governo, o FMI e a chamada sociedade civil discursam recorrentemente sobre a necessidade de alargar a base tributária para reforçar o financiamento dos sectores sociais. Mas não fazem um trabalho de campo exaustivo para identificar evidências de acumulação isentas de impostos e taxas (ou taxadas de forma limitada) em cada sector da economia. Com o corte do apoio orçamental pelos doadores em função da crise da dívida, o sector da Educação precisa de mais financiamento para coisas como livro escolar, investimentos ou apoio direto às escolas, hoje suportados por programas bilaterais de cooperação. Mas, se o Estado quiser, pode reformar a dimensão fiscal do sector privado da Educação para que ela contribua também para a melhoria do ensino público. Vamos isso?