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quinta-feira, 14 setembro 2023 05:44

Na clínica privada: Paciente exige responsabilização depois duma suposta perfuração da bexiga, denuncia o OCS

Quando se fala de negligência médica e outros problemas no sector da saúde em Moçambique, aponta-se sempre o dedo ao sector público, dado que este apresenta mais problemas de funcionalidade devido à exiguidade de fundos e recursos humanos . No entanto, o presente artigo debruça-se  sobre uma instituição privada, acusada de estar supostamente envolvida numa situação de negligência médica. Ou seja, instituições privadas também contribuem para a classificação negativa do Sistema Nacional de Saúde, como um todo.


Há semanas, o Observatório Cidadão para Saúde (OCS) recebeu uma chamada proveniente de uma senhora que respondia ao nome de Telma Galimoto, reportando um problema de que fora vítima.

Gailmoto, dos seus 33 anos de idade, acusa a CliniCare – clínica  sediada em Maputo – de estar envolvida na perfuração da sua bexiga,  numa clara falha de intervenção cirúrgica por parte do médico, quando este pretendia levar a cabo um exame de laparoscopia, uma abordagem cirúrgica destinada ao tratamento de diversas doenças na região abdominal e pélvica. Esta  técnica é frequentemente indicada na clínica ginecológica, na cirurgia bariátrica, no tratamento de apendicite e de hérnias abdominais, entre outras situações.    


De acordo com a paciente, o procedimento cirúrgico que teria com o médico, de nome Agostinho Daniel, em serviço na CliniCare, era de apenas algumas horas. No entanto, sucede que depois de o médico aperceber-se do erro por si cometido, exigiu que a paciente pagasse pelo seu próprio internamento para o processo de correção do cometido erro.


“Marquei um exame de laparoscopia na CliniCare, é um procedimento relativamente simples, não envolve nenhum internamento. É uma questão de chegar e fazer. Durante o procedimento, acabei contraindo outros efeitos colaterais, isto é, o médico furou a minha bexiga, e, em virtude disso, tive que realizar uma cirurgia para corrigir o problema”, relatou a paciente.

Telma não se recusou a ser internada, mas negou que fosse ela a arcar com as despesas na clínica, uma vez que não estava nos seus planos e nem tinha dinheiro para o efeito.


“Liguei para minha irmã para pedir o valor do internamento, e ela achou estranho, pois o combinado era que voltássemos juntas a casa. Acabei por contar o que realmente estava a acontecer, que durante o processo de laparoscopia o médico reconheceu que furou a minha bexiga, e teve de fazer um corte no abdómem para corrigir o erro”, continuou a explicar.

 

 “A cirurgia deveria ter sido realizada por um urologista, sendo que ele é ginecologista. Contudo, acabou por fazer dois procedimentos cirúrgicos num só dia, e o segundo procedimento foi sem o meu consentimento”, acrescentou.

 

Como a irmã da paciente não tinha o valor disponível para o internamento àquela hora, o médico sugeriu que ela fosse levada ao Hospital Central de Maputo (HCM), onde poderia ficar sob os cuidados dos seus amigos médicos.


“Passei a noite lá, e, às 09 horas da manhã, tive alta. Saí com a minha barriga aberta e, mais tarde, descobri que, durante aquelas intervenções, ficaram algumas compressas dentro de mim, que acabaram por culminar em infeções”, revelou.

De referir que a doente foi para o HCM sem nenhuma guia de transferência, tanto que logo pela manhã, o profissional que tinha sido encarregue de a observar mandou-lhe para casa, mesmo ainda padecendo de dores.


Outra intervenção médica para retirada de compressas na bexiga

Mais tarde, Telma procurou a CliniCare para ver se esta interviria no seu caso, mas a resposta que teve foi “isto foi um erro médico, nós somos uma instituição…”

Porque ela continuava com dores, mais tarde procurou uma outra clínica e foi encaminhada a um imagiologista. Tendo-se observado o caso, ela foi submetida a uma cirurgia para retirar as compressas  do seu interior, conforme ilustram algumas imagens de exames a que foi submetida.

“Mostrei as fotos da imagiologia ao médico e a direção da CliniCare e constatou-se que lá estavam as compressas. No entanto, o mesmo médico que cometeu o erro disse que eram paranoias da minha cabeça”, referiu.


“Já não sinto quando quero urinar”


Como consequência dessa negligência, a paciente reclama hoje de efeitos colaterais, pois já não consegue detetar a manifestação da urina antes do próprio acto de urinar. Assim sendo, ela é obrigada a urinar de duas em duas horas.

“Essa situação afectou a minha relação conjugal e familiar”, confessou.

Para a paciente, um pedido de desculpas por parte do médico seria suficiente para a demonstração de humanismo, embora não se pudesse desfazer o erro já cometido. Entretanto, sempre que procura dialogar amigavelmente com o médico Agostinho, este mostra-se arrogante.


“Nem um pedido de desculpa por furar a minha bexiga e por ter esquecido as compressas na minha barriga, não ouvi por parte dele, e, para piorar, a Clinicare e o médico não abrem um espaço para negociações”, sublinhou.

Como forma de alertar outros pacientes sobre este caso, Telma assegura que levará o caso até aos tribunais, se for necessário.

“O médico responsável por esta situação toda está muito relaxado e não mostra nenhuma preocupação em enfrentar a justiça, e nem mesmo  teme ser questionado pela Ordem dos Médicos.”

 

O caso, conforme ilustram as imagens, já foi submetido à Ordem dos Médicos de Moçambique e caso não haja solução, recorrer-se-á à intervenção de outras instâncias superiores, ao ministro da saúde ou Primeiro-Ministro.


Médico recusa-se a falar do caso


Em seguimento do caso, o Observação do Cidadão para Saúde procurou entrar em contacto com médico envolvido, para ouvir o seu posicionamento sobre a acusação feita pela paciente. Após várias tentativas, o médico não se mostrou aberto para tecer declarações sobre o caso, tendo simplesmente dito que a nossa equipa que só pode falar do assunto com a permissão da paciente. Este argumento, todavia, é incongruente visto que a própria paciente é que se queixou ao OCS.

 

“Nada tenho para declarar porque a paciente não tinha comentado nada sobre conhecimento do caso por parte do OCS, muito menos pelos advogados envolvidos”.

Numa nota em resposta ao nosso pedido de reacção, a CliniCare afirmou que o assunto foi encaminhado a entidades competentes, daí que “não acha ético efectuar qualquer tipo de pronunciamento sobre a denúncia que o OCS recebeu.”


Caso já em observação na Ordem dos Médicos


A Ordem dos Médicos de Moçambique, através do respectivo bastonário, Gilberto Manhiça, reconhece a existência do caso e afirma que o mesmo já está a ser legalmente tramitado.

Sem fazer um comentário aprofundado sobre o caso, o bastonário apenas explicou que, após receber a queixa por parte da paciente, acompanhada pelo advogado, abriu-se espaço para efeitos de julgamento.

“Quando o problema é da área ginecológica, quem faz a avaliação é o colégio de ginecologia e obstetrícia. Se for da área cirúrgica, então é o colégio de cirurgia é que faz a análise. Se enquadrar duas áreas diferentes, que é este caso, nós encaminhamos para as duas e cada um dá o seu parecer sobre aquilo que teria sucedido”, referiu.

Manhiça disse ainda que, neste momento, já foram prestadas as informações necessárias para a análise do problema e agora aguarda-se pelo parecer sobre estas matérias.

“Para evitar que haja reações inapropriadas por parte das pessoas que vão intervir no processo, apelamos o bom senso até que o processo termine. Aí, sim, poderemos fazer comentários sobre o caso”, concluiu.


Deve haver responsabilização criminal


Do ponto de vista jurídico, o OCS ouviu o advogado Henriques Pereira Júnior. De acordo com este, a situação é muito sensível e pode ser vista de várias maneiras, como um erro médico genuíno, assim como um erro médico derivado de negligência, este último criminal.


“Nós temos o Código Penal, que é a lei 24/2019 de 24 de Dezembro, que no seu artigo 81, fala da intervenção e discute a ofensa à integridade física. Isto enquadrar-se-ia um pouco neste âmbito porque nós não temos uma lei específica sobre o erro médico”, vincou.


O jurista mencionou ainda a  Resolução 73/2007, de 18 de Dezembro, que fala dos Direitos e Deveres dos Doentes, instrumento que orienta o tratamento e acompanhamento dos pacientes e as responsabilidades do próprio médico.

Explicou que existem erros técnicos, que são considerados involuntários, mas o caso vertente é considerado de negligência, pois o médico esqueceu-se de material médico clínico no corpo da paciente. Principalmente quando se está a tratar de cirurgias invasivas, abertura de corpo, esquecer-se de instrumento pode se considerar negligência e, assim sendo, deve haver uma responsabilização, não só cível e administrativa a nível do Ministério da Saúde, bem como da Ordem dos Médicos, mas também criminal a nível da Procuradoria e dos órgãos de justiça.

 

“Provando-se que houve negligência, deve haver uma responsabilização. Não sei se solidária ou não. A responsabilização dependerá muito do tipo de contrato, pois há médicos que alugam um sítio numa clínica para trabalhar, mas há outros que tem contrato com a clínica e prestam actividades em nome daquela entidade. Então, se assim for, a clínica não se furtará desta responsabilidade”, esclareceu. (Observatorio Cidadão para a Saúde)

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