Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

quinta-feira, 25 maio 2023 08:17

Carta do Leitor ‖ As construções em Maputo: Um descaso sobre a qualidade da Cidade

Foi recentemente realizado um Debate Público sobre a Cidade de Maputo. O Debate foi organizado por uma parceria de instituições credíveis como os Cidadãos de Maputo, a Procuradoria Geral da República Ordem dos Engenheiros, Ordem dos Arquitectos, e Cooperativa Repensar. Entre muitos aspectos de grande importância, o assunto da concentração de construções no centro da cidade foi trazido à discussão, dado o impacto negativo que o aumento da densidade de edifícios em altura na zona da Polana e da Baixa têm trazido à qualidade de vida dos citadinos.  Algo que as autoridades não parecem estar a dar ouvidos, com consequências previsíveis, algumas já bem visíveis.

 

O assunto relativo à construção de grandes edifícios em zonas da cidade já sobrecarregadas não é novo. Faz mais de uma década que diferentes sectores e personalidades têm advertido o Conselho Municipal de Maputo (CMM) e o Governo dos vários perigos associados à ausência de um plano de crescimento adequado. Entre essas advertências destaco múltiplas cartas às autoridades assinadas por muitos munícipes pedindo para que não se autorize mais construções, sobretudo em altura, sem que o devido planeamento seja feito. Pelo menos das que são do meu conhecimento, essas missivas raramente tiveram reacção por parte do CMM e, quando isso aconteceu, as respostas vieram invariavelmente a favor dos construtores, independentemente dos argumentos que os cidadãos usaram. Repetidamente, a autoridade municipal alega a confidencialidade dos projectos, o que é contra a lei, e a ausência de obrigatoriedade de avaliação de impacto ambiental para projectos nas regiões urbanas. Há mesmo casos em que, apesar do tribunal reconhecer o direito dos cidadãos à consulta dos projectos, a autoridade municipal acaba por simplesmente ignorar, vencendo os munícipes  pelo cansaço.

 

A concentração de prédios de elevada altura em regiões saturadas pode criar desequilíbrios de vária ordem pelo facto de gerar, em cadeia, um conjunto de condições negativas como são exemplo (1) o aumento do fluxo de trânsito, (2) as dificuldades de mobilidade e (3) parqueamento, (4) o aumento da poluição, (5) a redução da solarização e (6) da ventilação na região, (7) e a pressão nas infraestruturas de abastecimento de energia e água, de saneamento, de drenagem pluvial, de colecta e transporte de resíduos sólidos, entre muitas outras. Na sua maioria, esses prédios destinam-se também a serviços, o que agrava ainda mais todos estes problemas. Acrescenta-se o facto de serem construídos ao lado de edifícios antigos que, segundo alguns pareceres técnicos, poderá criar alguns riscos já que estes são colocados ao lado de novos edifícios com grandes fundações.

 

Encontrar o ponto de equilíbrio entre todos os estes factores não é uma tarefa fácil. As infraestruturas que servem esta região foram planeadas e construídas em meados do século passado sendo difícil acreditar que estejam adequadas ao aumento da densidade que o actual crescimento provoca. Questões como se a rede de esgotos, água, energia, sanitários públicos, estacionamento, largura de estradas para o aumento de fluxo, equipamentos de recreação e tantas outras estão adequadas a tamanho aumento de concentração parecem pertinentes. Autorizar tantos edifícios de grande porte  requer que haja um plano adequado que garanta sustentabilidade. A avaliar pelo que observamos no dia a dia estamos longe de isto ter sido acautelado. Por exemplo, os passeios ocupados com carros, a ausência de estacionamento (agravado pela prática da venda de espaço publico), a enorme dificuldade de circulação seja a pé ou de viatura são realidade actuais que com certeza se agravarão com tanto novo edifício.

 

Um outro aspecto é a descaracterização que se assiste na cidade. De forma voraz, a apetência pelas construções nestas zonas  tem levado à destruição exponencial de edifícios antigos que caracterizavam a cidade. Muitos destes fazem parte de lista dos edifícios candidatos a serem classificados como património edificado, pelo que, até uma decisão final, se esperava que não fossem destruídos. A cidade perde a sua identidade, ficamos mais pobres.

 

É evidente que Maputo está a crescer e precisa de construir. Mas isso tem de ser feito dentro de um Plano Urbano que aparentemente se insiste em não utilizar. Em 2008 o CMM, através de uma equipa credenciada,  elaborou um Plano de Estrutura Urbana do Município de Maputo (PEUMM) juntamente com o seu regulamento. A ser utilizado, o PEUMM, constituiria um inquestionável instrumento para que a cidade crescesse de forma harmoniosa. Infelizmente até hoje esse plano nunca foi tornado lei e muito menos utilizado. Segundo algumas  fontes, todos os anos o CMM coloca no seu programa a revisão do programa, mas já lá vão 15 anos.

 

A situação torna-se ainda mais preocupante quando analisamos que, nesta prática de construir sem olhar a impactos, assistimos à destruição de recintos desportivos e parques de recreação. O número de habitantes de Maputo aumenta e, portanto, a necessidade de infra-estruturas desportivas e espaços verdes também, mas vemos frequentemente serem destruídos recintos desportivos e parques a serem ocupados com construções. Só para citar alguns exemplos, recentemente o campo do Clube Desportivo Estrela Vermelha desapareceu para se construir um edifício, o campo polivalente da Coop foi encerrado para uma obra que não tem sequer a placa exigida pela lei,  os jardins veem a sua área verde ocupada com edifícios comerciais. Apesar de a área máxima legal de construção num parque público estar definida como de 10%, esta percentagem não é geralmente respeitada. Veja-se, os exemplos do Jardim dos Namorados, onde 82% da superfície já foi ocupada,  e do Circuito Repinga que viu mais de metade da sua área inicial transformada em edifícios. Sem contar que desde a independência não se criou um só jardim, deixando as zonas fora do centro desprovidas de infra-estrutura verdes. De uma forma geral, os espaços nos novos bairros são totalmente ocupados com casas de habituação e talvez barracas. Os moradores destes bairros têm de recorrer ao centro da cidade para ter emprego e todo o tipo de serviços. Daí o actual fluxo de trânsito na cidade que, com uma descentralização programada, seria, pelo menos numa parte considerável, evitável.

 

Na sintese publicada relativa ao debate a que nos referimos no início desta nota concluíu-se que os dois principais problemas da cidade se encontravam (1) na ausência de um planeamento urbano implementado e actualizado e (2) na inexistência de um diálogo activo entre as autoridades municipais, as instituições e os munícipes”. Isto tem vindo a ser advertido nas últimas duas décadas sem sucesso. O planeamento urbano continua ausente e o diálogo efectivo e construtivo não está estabelecido. Pelo contrário.

 

A forma como temos vindo a crescer tem um elevado impacto, no caso negativo, na qualidade de vida na cidade. Os prédios não são removíveis e continuam a ser construídos à custa da demolição de casas históricas e em ruas e avenidas que têm quase 100 anos de existência, não havendo espaço para serem alargadas. O preço a pagar é elevado e duradouro. Havendo tanto espaço a precisar de requalificação e uma enorme necessidade de descentralizar a cidade, faria sentido, julgo, investir na construção em outras áreas da cidade.

António Prista

Sir Motors

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