O actual figurino de alocação de recursos financeiros às entidades descentralizadas mostra-se ainda longe de garantir a prossecução das suas atribuições, havendo necessidade de ser repensado. Esta é a opinião manifestada esta terça-feira pelo jurista Ivan Maússe durante o debate sobre “Descentralização e Sustentabilidade Financeira das Entidades Descentralizadas em Moçambique”, organizado pelo Centro de Integridade Pública (CIP).
Actualmente, refira-se, os Governos Provinciais não dispõem de qualquer legislação fiscal, financiando-se através da cobrança de taxas, créditos e das transferências do governo central. Já os Municípios dispõem de Código Tributário, que lhes permite cobrar taxas e impostos (Imposto Autárquico de Veículos, Imposto Pessoal Autárquico, Imposto Predial Autárquico e SISA). Também contam com as contribuições de melhorias e com as transferências do Governo (Fundo de Compensação Autárquica, Fundo de Investimento Autárquico e Transferências Extraordinárias).
Para Ivan Maússe, este modelo de alocação de recursos financeiros limita a capacidade de prestação de serviços pelos governos provinciais e municipais; potencia o aumento de taxas ou criação de novas; e, por fim, mina a crença dos cidadãos na descentralização, atribuindo, assim, “certificados de incompetência” às entidades descentralizadas.
No caso dos Governos provinciais, Maússe sublinha que estes dividem as taxas com os Órgãos de Representação do Estado na província, facto que os condiciona a arrecadar mais receitas. “É impossível desenvolver uma província com base em taxas”, atirou o jurista.
Em relação aos municípios, o jurista refere que a cobrança dos Impostos Pessoal Autárquico, Predial Autárquico e do SISA ainda não é efectiva. Fala, por exemplo, da dupla tributação no caso do IPA, nas situações em que alguns funcionários públicos são cobrados mediante a retenção na fonte.
Tal facto, sublinhe-se, ocorre geralmente nos municípios da região metropolitana do Grande Maputo (Cidade de Maputo, Matola e Boane), onde alguns funcionários têm o seu domicílio fiscal num determinado município e a sua residência noutra autarquia, causando confusão e polémicas na cobrança deste imposto.
Maússe defende ainda haver injustiça na transferência do Fundo de Compensação Autárquica por parte do Governo, pois, acaba beneficiando em grande escala a cidade de Maputo em detrimento das restantes autarquias. Tal situação, justificou, pode derivar do facto de muitas empresas terem o seu domicílio fiscal também na cidade de Maputo, embora esta não seja a mais industrializada do país.
O jurista entende ainda que a limitação do tecto salarial das autarquias pode causar focos de corrupção devido à baixa capacidade de colecta de receita. É que as despesas salariais dos órgãos municipais não devem ultrapassar 40% da receita própria do Município.
Temos de alargar a base tributária
Presente no evento, o Edil do Município da Matola, Calisto Cossa, disse haver necessidade de se alargar a base tributária, para que os municípios atinjam a sua capacidade de arrecadação de receitas.
“Cada autarquia deve olhar para o volume e a capacidade que existe no seu território de arrecadar receitas, através do alargamento da base tributária”, disse, advogando, para tal, a criação da capacidade humana para o cadastro dos contribuintes.
Por outro lado, Cossa defendeu a consciencialização dos cidadãos sobre a importância de pagar impostos, pois, não basta exigir melhores serviços públicos, se não contribui para tal.
Já Yaqub Sibindy, Presidente do Partido Independente de Moçambique (PIMO), diz que o país não se pode acomodar nas políticas desenhadas em 1998 e pensar que a descentralização política é o padrão eterno para desenvolver os municípios.
“Depois de uma descentralização política, o Estado deve agora orientar onde vamos buscar dinheiro”, disse Sibindy, para quem o Governo deve criar condições para que os municípios atraiam o sector privado para investir no seu território, de modo a ganhar o seu campo fiscal.
Refira-se que o debate sobre a “Descentralização e Sustentabilidade Financeira das Entidades Descentralizadas em Moçambique”, ocorrido ontem em Maputo, é o primeiro de um total de quatro que estão a ser programados pelo CIP, no quadro da implementação dos órgãos de governação descentralizada provincial. (A.M.)