O Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD), organização não-governamental (ONG) moçambicana, considera que a reeleição de Filipe Nyusi como presidente da Frelimo com 100% dos votos reflete uma “cultura de autoritarismo” dentro do partido no poder em Moçambique.
“A eleição com 100% dos votos não surpreendeu e documenta a arregimentação dos delegados” ao congresso do partido e “o medo pelo pensar diferente”, lê-se num documento de comentário ao 12.º Congresso da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo).
O CDD contrapõe a unanimidade da votação, por um lado, e, por outro, a intervenção do ex-Presidente Joaquim Chissano, que aconselhou Nyusi a promover a reconciliação no seio do partido.
O encontro magno arrancou na sexta-feira e termina hoje (um dia mais cedo que o previsto), transmitindo uma “unanimidade imposta através da cultura de autoritarismo que marca a liderança de Filipe Nyusi nos destinos da Frelimo e de Moçambique", refere o CDD.
Como principais exemplos, a ONG aponta a repreensão da Comissão Política contra Castigo Langa, membro do Comité Central e o processo disciplinar contra Samora Machel Júnior, filho do primeiro Presidente de Moçambique. São “dois exemplos que exteriorizam a sedimentação do autoritarismo na Frelimo”, escreve.
Samora Machel Júnior quis concorrer (pelo partido e através de uma associação cívica) ao município de Maputo em 2018, enquanto Castigo Langa pediu, há duas semanas, uma clarificação sobre se Nyusi pretende concorrer a um terceiro mandato como Presidente da República, obrigando a rever a Constituição.
O CDD refere que Langa apenas fez "uso dos seus direitos, em sede própria". Na sexta-feira, Filipe Nyusi já tinha feito um pedido, na abertura do 12.º Congresso. “Apelamos a todos para conduzimos os debates dentro da nossa agenda, agenda que nos une e não na agenda que nos pode dividir”, disse.
O CDD diz que as “clivagens internas” justificaram o discurso do antigo Presidente Joaquim Chissano no Congresso, em que “fez questão de apelar à reconciliação dentro e fora da Frelimo”.
“Um vai levantar a voz, um dia, e outro vai estremecer, mas no outro dia poderão se abraçar e construir a paz, a reconciliação”, disse Chissano, dirigindo-se a Nyusi e dizendo-lhe: “A sua tarefa, que continua, é a tarefa de produzir sempre a paz através de uma constante reconciliação. Reconciliação no seio do partido e a todos os níveis”.
O CDD considera que o discurso de Chissano mostra como “a eleição com 100% dos votos também serve para dissimular o momento fraturante que o partido atravessa, representado pela guerra aberta entre Armando Guebuza e Filipe Nyusi”.
Em causa está o escândalo das “dívidas ocultas”, que levou à detenção de Ndambi Guebuza, filho do ex-Presidente da República, bem como de alguns dos seus antigos colaboradores.
O 12.º Congresso da Frelimo arrancou na sexta-feira e termina hoje com a eleição do secretário-geral, Comissão Política e Comité de Verificação, que é o órgão de disciplina do partido. Depois do congresso, passará pelos novos órgãos a escolha do candidato às eleições presidenciais de 2024. (Lusa)