Cerca de 120 milhões de raparigas em todo o mundo - mais de uma em cada dez - sofreram violência sexual ao longo da sua vida, segundo dados da UNICEF. Em Moçambique, quatro de cada dez mulheres já foi vítima de violência sexual desde os 15 anos; seis em cada 20 revelou já ter sido violada. A nível mundial, uma de cada 14 já sofreu algum tipo de agressão sexual - abusos com e sem penetração, por exemplo - por parte de alguém que não é seu parceiro, como aponta um estudo da OMS, o maior informe global feito até agora.
Cerca de 120 milhões de raparigas em todo o mundo - mais de uma em cada dez - sofreram violência sexual ao longo da sua vida, segundo dados da UNICEF. Em Moçambique, quatro de cada dez mulheres já foi vítima de violência sexual desde os 15 anos; seis em cada 20 revelou já ter sido violada. A nível mundial, uma de cada 14 já sofreu algum tipo de agressão sexual - abusos com e sem penetração, por exemplo - por parte de alguém que não é seu parceiro, como aponta um estudo da OMS, o maior informe global feito até agora. Uma maré abrumadora de cifras que, apesar de tudo, segundo os experts, não oferece a radiografia real do que se considera uma epidemia silenciosa.
No contexto moçambicano, a violação sexual é a sexta maior causa de admissão nos serviços de urgência de ginecologia. A mulher, como sempre, é uma vítima: primeiro da nossa discriminação; segundo da sua condição e; terceiro da desconfiança generalizada que recai sobre o designado sexo fraco. Portanto, sempre que se dá um caso de violação sexual ou de acusação a mulher é que tem de provar e nunca o agressor.
Após o anúncio da reabertura da investigação do caso Kathryn Mayorga meio mundo desdobrou-se a julgar a senhora com um contentor de nomes espúrios, colocando em causa o seu bom nome e fazendo, por tabela, troça dum episódio que devia ser tratado sem a mínima leviandade. Ignoram, esses defensores de agressões daquele jaez, que os abusos sexuais são uma epidemia silenciosa e com um alto custo social. As vítimas, essas, calam por culpa, pelo estigma e pelo medo. Um depoimento aterrador, que ouvi enquanto jornalista foi com uma mulher aos prantos, contando uma violação sexual. Deixei, no artigo que nunca terminei, assim o registo:
A primeira vez que ele irrompeu pelo seu quarto estava a dormir. Fazia frio e estava completamente coberta. Passam 21 anos, mas Ana (nome fictício) volta a essa noite e outras muitas. Pode ver a cor dos sapatos, recordar-se que ele estava vestido. Com o passar dos anos essa recordação, difusa ao princípio, é cada vez mais clara. Ela tinha sete anos e se sentia muito feliz. Hoje tem 28 é uma jovem dedicada ao próximo. Custou-lhe muito falar dos abusos sexuais que sofreu por parte de um familiar muito próximo ainda criança. Abusos esses que duraram até aos 17 anos quando ela decidiu falar pela primeira vez. “Nunca contei por causa da minha mãe”, revela com uma tranquilidade que assusta.
Outro depoimento é de Luísa que conta que aos 15 anos foi violada por oito homens. “As pessoas próximas e a minha comunidade julgaram-me como culpada e não como a vítima de um crime. Isolaram-me. Consideravam-me uma prostituta”. Como no caso de Ana e Luísa, mas de 80% dos abusadores são conhecidos: familiares, amigos e inclusive o próprio parceiro. Esse é um dos factores que contribui para perpetuar o silêncio. O papel atribuído ao homem é igualmente responsável pelo número de casos. O que se diz, em defesa de Ronaldo, é que se ela não queria não devia ter aceite o convite para visitar o apartamento do jovem. Um enorme equívoco esse que julga que aceitar um copo por cortesia significa abertura total ao desejo do homem provedor. É a mesma lógica que se usávamos, no contexto da nossa juventude, quando uma mulher irrompia pelo nosso quarto.
O caso de Ronaldo não é diferente. No primeiro momento o português afirmou que se tratavam de notícias falsas que visavam gerar promoção graças à dimensão do seu nome. “Querem fama através do meu nome (…) nego firmemente as acusações contra mim. A violação é um crime abominável que contra tudo que creio. Por muito claro que possa ser para limpar o meu nome, recuso-me a alimentar o espectáculo mediático criado por pessoas que procuram promover-se a si mesmas às minhas expensas.
É bom que Cristiano diga estar tranquilo, mas tal só é bom até descobrirmos o acordo firmado por ele em 2009, no qual reconhece o acto e paga pelo silêncio. Não se trata, como se pode pensar, duma campanha contra Cristiano, mas do exemplo que se deve dar ao contentor de homens que ultrapassa a barreira da decência e respeito pelo corpo feminino, ao exército de animais que julga que o poderia económico dá direito ao exercício de abusos sem penalização. Curiosamente, quem mais defende Cristiano depois da publicação do acordo que revela a culpa do português é mulher. É gente que foi gerado no ventre duma mulher; são homens que têm filhas e que não querem que um acto daquela dimensão lhes bata a porta.
O facto de o caso ter se dado em 2009 não é atenuante suficiente para desculpabilizar o astro português e nem o facto de ter pago pelo silêncio reúne suficiente força. Cristiano deve servir de exemplo. A única coisa que me parece negativa em tudo isso é que ainda assim subsiste um exército de acéfalos que continuar a violar coberto pelo anonimato. Por um mundo livre de violações sexuais Ronaldo deve ser julgado com toda justiça possível. Responsabilização aos violadores sexuais e se Ronaldo for, como os dados indicam, um deles está na hora de manifestarmos o nosso total repúdio e toda falta de respeito que lhe podemos lhe podemos votar.
Um fogão de três pernas. Um lençol encardido no quarto. Uma capulana no assento de uma cadeira plástica. Um prato com sobras de arroz e um cabeça de carapau 17. Duas revistas pornográficas. Quatro vibradores. Uma candeeiro de petróleo e duas velas. Um espelho com a marca de um beijo roxo. Uma fotografia da filha querida que ficou na província. Cartas da mãe de Teresa que ficou a cuidar da criança de Beatriz em Anchilo. O solo negro de restos de cinza. A porta aberta para que os clientes não tenham de bater. O corpo inerte de Beatriz. Os vestígios do que sobrou da menina que veio para cidade grande para ser "gente" e acabou se prostituindo para ter o que comer. Uma entre milhares de estudantes que se entregam à vida nocturna da baixa de Maputo.
Beatriz* era uma jovem vulnerável de 21 anos. Vivia só numa casa de caniço à beira da portagem que separa Maputo da Matola. Foi assassinada de madrugada sem a mínima possibilidade de se defender. Beatriz não era conhecida pelos vizinhos: de dia entregava-se aos livros e de noite à profissão mais antiga do mundo. Era uma vizinha anónima. Invisível. Quase um fantasma.
Morreu por uma paragem cardíaca. Assim revelam os resultados da autópsia, que se conheceram 15 dias depois que foi encontrada sem vida. A autópsia conclui que a rapariga sofreu uma paragem por conta da perfuração de um objecto pontiagudo no ventrículo esquerdo. "Com toda probabilidades, sofreu tonturas por falta de oxigénio", lê-se no documento que foi entregue, na impossibilidade da mãe fazer-se presente, aos colegas da faculdade.
A vida da jovem era feita literalmente entre quatro paredes. Golpeada pela precariedade, vivia alheia ao dinamismo das ruas normais de Maputo, a maior cidade do país.
A polícia afasta qualquer hipótese de investigar a situação. Em voz baixa dizem que Beatriz teve o que mereceu e que a sua condição de prostituta retira-lhe o direito de ser cidadã.
Viveu anónima e morreu anónima. Numa vala comum e sem cumprir a promessa de dar o que não teve a pequena Júlia. A filha que teve com Manuel.
Sentado, no estabelecimento do Zefas Guambe - um dos mais concorridos de Mumemo - deliciava-me com a minha terceira cerveja. Quando estava meio que consumido aproximou-se um jovem e pediu um peixe grande.
- Quero um peixe, mas dos grandes.
A balança indicou o peso do carapau e o respectivo preço. Eram 74 meticais. O jovem contou as moedas que tinha. Voltou a contar na expectativa de deparar-se com algum milagre da multiplicação. Debalde. Mesmo depois de contar nove vezes as moedas não chegavam. Pediu que colocassem dois peixes pequenos na balança. Deu 58 meticais. Ainda assim não chegava. Colocaram o menor dos peixes na balança e ela registou 24 meticais. Eu já nem conseguia olhar. Senti-me impotente. Não sabia se parava de beber e ia fazer alguma coisa útil ou me deixava embriagar diante daquele quadro de miséria e impotência. Não pensei tanto porque vi o jovem partir ao encontro de uma mulher que o aguardava um pouco mais distante do estalecimento. Estava com um recém-nascido nas costas e uma criança de mais ou menos cinco anos. Voltou e pediu patinhas de galinha. Foram seis patinhas no total. Custaram 22 meticais. Todo dinheiro que o jovem tinha naquele dia. Caminhou em direcção aos familiares que o aguardavam. São seis patinhas, talvez duas para o chefe do agregado, duas para a criança que já anda e duas para mãe. Muito possivelmente tudo aquilo pode ser transformado em dois jantares. Uma patinha para cada um.
Pois, há muita pobreza neste país e isso é que nos vai matar. Não porque seja injusto beber três cervejas por 100 meticais, mas porque um dia aquele pai vai se revoltar por ser injusto que a sua família tenha de se virar com derivados de frango. Vida do raio.
Ouve-se “bola de Cristal” de Olho Vivo numa casa de bloco cru em Memo. São 9 horas da manhã e Ernesto espreguiça-se na sua cama casal. Teve, mais uma vez, uma noite intranquila. Estamos em 25 de Novembro e as taxas de câmbio testemunham o fracasso do metical face ao dólar. O homem levanta-se com a sensação de que a subida do carapau, do dia anterior, será compensada com o excesso de oferta de verdura nos mercados. A realidade, no grossista do Zimpeto, não lhe dá razão. A couve acompanhou o peixe. Dói-lhe, agora, ter experimentado aquela sensação. “Estou de luto”, comenta para os seus botões.
Não tem sido fácil para Ernesto, o homem de negócios que prosperou com a venda de carros segunda mão. Desde que o esquema dos partidos foi desmantelado, o pequeno negociante não vê a cor do dinheiro. Na sua casa culparam-lhe, primeiro, pela falta de queijo e, depois, pela falta de derivados de frango. Agora falta pão e culpa continua imensamente dele. Ao lado, numa outra casa, Julião sorri pela desgraça de Ernesto. Sob ponto de vista da estética dos bons costumes é indecente festejar o fim de um homem. Como também seria indecente festejar a morte duma criança. Mas isso não impede Julião de celebrar os maus dias de Ernesto. É que a lógica do ódio não se move pela racionalidade e nem pela justiça.
Ernesto julga-se detentor legítimo do direito de festejar a desgraça alheia. Não festeja, como pretende fazer transparecer, o fim dos negócios ilegais do vizinho. Ele celebra, isso sim, a vizinhança no lodo da desgraça. Ele hoje não vai comer e sequer reuniu dinheiro suficiente para o my love, mas esboça o maior dos sorrisos pelo simples facto de partilhar a situação com o vizinho. Na casa ao lado Ernesto faz contas a vida e pensa nos preços que corroem os últimos pilares da sua dignidade. Começou por ser o chefe do agregado e acaba assim, como um zé-ninguém. Começou com um carro topo de gama e acaba curvado num my love. A prosperidade efêmera e sucumbiu ao cerco contra ilegalidade. Ciente da incapacidade de realizar o milagre da multiplicação, Ernesto coloca uma corda ao pescoço e põe termo a vida. Já, aliás, estava morto, a partir do momento em que se revelou incapaz de realizar o prodígio de alimentar o seu agregado em época de crise.
Em relação à FMF a opinião de Nhacila não é válida. Ele está em claro conflito de interesses. Portanto, a integridade e a independência em relação aos vários poderes (no caso FMF) e às fontes de informação (FMF de novo) que deviam definir a conduta profissional de Nhacila não existem. Para falar com isenção e sem estar manchado pelo conflito de interesses Nhacila devia recusar cargos e funções incompatíveis com o estatuto do jornalista. Por exemplo: ligações governativas ou ao poder autárquico, às Forças Armadas, polícias e similares; à publicidade, relações públicas, assessorias e gabinetes de imprensa e/ou de imagem (incluindo-se neste âmbito a chamada imprensa partidária, empresarial, de clubes, etc.).
Enfim, quaisquer vínculos aos poderes estabelecidos, privados e oficiais. Ou qualquer género de actividade empresarial, liberal ou assalariada que (caso da advocacia), pela sua natureza ou conflitualidade de interesses, condicione o trabalho jornalístico específico. Não sabendo com que Nhacila se fala aqui não tenho, em sã consciência, como crer nele por mais boa vontade que revele. Apenas um exemplo: jornalista X está encarregado de acompanhar todo o "dossier" do mandato de Simango — especialmente "quente" com a questão da promessa da qualificação ao CHAN. O mesmo jornalista tem uma posição claramente militante sobre o presidente da FMF. Por isso, assina um texto sobre as mentiras dos críticos da FMF. Que, como é bom lembrar, dividem o "país esclarecido".
Como vai ser visto, doravante, o trabalho do jornalista X? Ficou ou não alterado (logo, desequilibrado) o seu relacionamento com as posições em confronto, em termos de acesso a informações e iniciativas? Como passa a ser visto o seu trabalho. Nhacila, neste caso, não está ao serviço do jornalismo e muito menos do país. Ele já defendeu a direcção do GDM e hoje sequer o clube tem o campo. É o velho hábito de estar do lado errado da história e na mesa do poder. Não me espanta. Mas essa é a poeira que se lança aos olhos dos incautos para justificar o indefensável, que afinal o homem do futebol não detinha nenhuma poção mágica para desandar o caminho da mediocridade. Simango é culpado. Nem ele e nem os seus antecessores o foram.
Simplesmente passaram pela FMF dois homens sem ideias nenhumas, com o agravante dos problemas estruturais do nosso desporto, no geral, serem completamente ignorados. Mas só se salva quem tem um Nhacila.