Director: Marcelo Mosse

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Actualizado de Segunda a Sexta

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Marcelo Mosse

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A PGR fez mal em ir a Londres e batalhar para que as “dívidas ocultas” fossem judicialmente declaradas ilegais? Não!

 

A PGR agiu correctamente. Toda a sociedade civil se indignou com a descoberta do endividamento corruptivo e suportou a posição segundo a qual os moçambicanos não devem pagar dívidas que se revelaram num calote e beneficia meia dúzia de agentes do colarinho branco a soldo de uma máfia franco-libanesa.

 

A PGR ir a Londres foi um acto de bravura do advogado do Estado. As acções judiciais no estrangeiro tiveram um tremendo significado político. Moçambique ergueu-se para defender sua soberania (mesmo no caso do processo da extradição de Manuel Chang para Maputo), distanciando-se de uma dívida perversa e fazendo com que, em última análise, e depois de alguns anos em banho-maria, o Fundo Monetário Internacional (FMI) reiniciasse seu programa de empréstimos a Moçambique, com financiamento directo ao orçamento, arrastando, paulatinamente, outros doadores que tinham virado costas ao país e àquela modalidade de ajuda.

 

Por outras palavras, o custo político de uma inacção da PGR no estrangeiro seria grave. E, eventualmente, o diálogo com e o apoio dos doadores permaneceria no limbo. Aliás, o Conselho Constitucional também declarou a dívida como inconstitucional. De modo que ir a Londres foi também uma atitude de alinhamento com essa declaração de inconstitucionalidade. 

 

E se a PGR ganhar o principal processo (Estado moçambicano contra o CS, Privinvest e outros – Declaração de ilegalidade das garantias e responsabilização civil dos que participaram na contracção das dívidas – High Court of Justice, Business and Property Courts of England and Wales Commercial Court)? No caso dessa hipótese ainda em aberto se verificar, será a cereja no topo do bolo. Moçambique recuperaria boa parte dos milhões roubados. E se perdemos, uma nova tragédia orçamental.

 

Mas...

 

Mas a PGR, como entidade do Estado, tem o dever de ser transparente, ela própria. A PGR tem o dever de prestar contas à sociedade. A PGR deve explicar qual foi o critério usado para contratar cada uma das firmas de advocacia estrangeira, as quais prestam serviço a Moçambique enquanto autor de acção judicial e as que nos defendem de acções e contra-atacam, seja em tribunais criminais como em fóruns de arbitragem.

 

A PGR tem o dever de explicar quem paga as suas despesas no estrangeiro. Se é o Governo, via orçamento do Estado, ou se são outras fontes...deve explicar-nos se os custos dessa toda assessoria não ultrapassam os limites orçamentais aprovados pela AR. Deve, em suma, vir a público explicar porque contratou esta firma e não aquela outra. É isto que pedimos!

 

“Carta” não está contra a PGR ter ido a Londres disputar a legalidade do endividamento oculto. O que pretendemos é que a Procuradoria Geral da República preste contas relativas às suas acções, sobretudo quando isso não acontece em sede da Assembleia da República.

 

A PGR não deve ser uma ilha isolada num arquipélago onde todas as outras ilhas devem actuar com probidade. Ela deve ser o exemplo cimeiro da transparência. É isso que exigimos! (Marcelo Mosse)

segunda-feira, 20 junho 2022 08:38

O gás do Rovuma e a celebração do futuro

A incursão de jihadistas em Memba, depois de atravessarem o Lúrio descendo de Cabo Delgado e penetrando no eixo Macua, fez de um pacato vilarejo daquela região um ponto de atenção no mapa-mundi. Twitters, postagens de facebook e partilhas em whatsapps e telegrams pipocaram como cogumelos na última sexta-feira.

 

Parecia a celebração de um ataque, abominável. Em vez da condenação, as partilhas “normalizaram” a tragédia, tornando-a nosso destino colectivo. O ISIS estava mesmo descendo para o Sul. A incapacidade das forças da SAMIN (dominada por sul africanos) foi exaltada. Mas no fundo estava o pano negro do ISIS e o manto diafáno do seu terror cobrindo toda a esperanca sobre gás do Rovuma. Parecia que a bacia tinha jorrado sobre todos nós, em vez do milagroso recurso, uma torrente de desesperança.

 

A atenção mundial centrou-se na insegurança de Moçambique como destino, o medo aplacou-se nas conversas e os americanos declaravam que Ancuabe e Metuge eram lugares inóspitos para seus cidadãos em virtude da insegurança, contrariando o Presidente Nyusi, que escalou Ancuabe e disse que a vida estava normalizada, e a Syrah Resources, que declarava, também na sexta feira, sua retomada de operações na mineração de grafite em Balama, que fica a sudoeste de Ancuabe.

 

O terror estava de novo implantado nas nossas cabeças, dominando as narrativas.

 

Mas o Governo, numa diligente estratégia de comunicação politica e maquinação psicológica, tirou um coelho da cartola. Náo anunciou o arranque da produção de gás no Rovuma, mas parece tê-la anunciado. 

 

O comunicado do MIREME sobre o assunto fez manchete em todo o mundo, em todos os jornais, que acriticamente e sem contraditório, abriram extemporaneamente os Moets e Chandons que deverão ser abertos pelo Presidente Filipe Nyusi, quando a produção do gás começar, efectivamente, lá mais para o final do Ano.

 

E, de repente, o terror foi substituído pela celebração. A celebração de uma tragédia que teima em resistir, a tragédia do terror, uma celebração acrítica, foi derrubada por uma meia verdade governamental que carrega consigo um carrada de esperança e optimismo. Uma espécie de celebração do futuro. O gás do Rovuma é uma questão de meses. (Marcelo Mosse)

terça-feira, 14 junho 2022 09:51

Alguns desafios para Magala

Quando Mateus Magala deixou a EDM em Novembro de 2018 e regressou ao Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), onde antes fora funcionário sênior, ele foi incumbido por Akinwume Adesina, o Presidente do BAD, para reformar o banco e torná-lo mais visível, actuante e responsivo relativamente a crises, à escala global. Seu mandato era de três anos. 

 

Regressado ao BAD, encontrou um cenário de desalinhamento interno, nomeadamente entre a Direcção Executiva e o Conselho de Administração. Magala resolveu as "makas" que lá encontro.

 

Sua ida ao BAD, onde assumiu as funções de Vice-Presidente para Recursos Humanos e Relações Institucinais, foi uma escolha pessoal de Adesina, uma verdadeira  “head hunting”.  As negociações entre Adesina e Filipe Nyusi levaram sete meses. Nyusi libertou-o devido a insistência do BAD...e consciente de que encontrar um substituto para Magala na EDM não seria fácil (e não foi; o sucessor, Aly Sicola Impinja, foi como que um tiro pela culatra).

 

Magala regressa a casa, mas agora com responsabilidades políticas acrescidas. Ele deverá ser testado, nomeadamente a sua capacidade de lidar com interesses políticos de acumulação na Frelimo.

 

No plano das comunicações, a questão da taxa de interligação na telefonia móvel, incluindo a abertura da Tmcel a privados, são dois desses assuntos que suplantam o escopo da gestão. O velho problema do “gateway” nas chamadas internacionais deve ser abordado (chamadas internacionais de Moçambique para o exterior vão primeiro para a África do Sul, que as reencaminha para o destino final; é uma questão de infraestrutura de hardware-software, que pode ser implantada internamente, reduzindo custos e protegendo a soberania).

 

A gestão danosa da antiga Mcel deve ser responsabilizada. Isto depende da Justiça, mas Magala pode mexer seus cordelinhos, se o deixarem. Trata-se de influenciar a Justiça para que esta siga a pista do dinheiro, onde ele foi aplicado, e ressarcir-se o Estado (ou a empresa). A actual gestao da Tmcel tem sido muito comedida a este respeito, carregando, no entanto, o fardo e as consequências da roubalheira consigo

 

No domínios dos transportes, Magala deverá retomar o desafio da cabotagem e da operacionalização do regulador portuário. A cabotagem morreu porque ela era insustentavel economicamente. Os barcos regressavam do centro e norte sem carga que justificasse o negócio (frete seco) num contexto em que as taxas portuárias foram pensadas para a cabotagem internacional.

 

A provisão e humanização dos transportes públicos terrestres é uma grande prioridade.

 

A navegação fluvial, como uma ferramenta para comercialização agrícola, deve ser equacionada, mas certamente a discussão do papel dos CFM, que virou uma empresa rendeira, é incontornável. A empresa deverá investir mais do que fez no recentemente inaugurado Porto Seco de Ressano Garcia, para viabilizar melhor a Linha de Ressano, preterida a favor de um forte “lobbie” de transporte rodoviário de carga, que a par da eficiência na tramitação fronteiriça, coloca pressão sobre auto-estrada N4.

 

Coisas como a LAM com seu descalabro, e a Aeroportos de Moçambique (com sua gestão tacanha: Mavalane não tem ar-condicionado) são aspectos de mera gestão e Magala saberá como lidar com elas. A expectativa é enorme. A ver vamos, se bem que dois anos de mandato é um horizonte temporal limitado .(M.M.)

segunda-feira, 13 junho 2022 08:38

O risco das escoltas sem revista em Cabo Delgado

O agravar da situação terrorista em Cabo Delgado, nomeadamente a sul de Pemba, faz crer que os chamados insurgentes tencionam atingir a capital provincial. Qualquer que seja a pretensão terrorista, o facto é que os níveis de alerta são elevados. Isso explica a presença na província da Ministra do Interior, Arsénia Massingue, e do Comandante Geral da Polícia, Bernardino Rafael, tendo visitados vários acampamentos militares e policiais, secundarizando o Ministério da Defesa, que continua ausente no plano da comunicação pública. 

 

A tropa continua calada. E a Polícia parece ter voltado a assumir protagonismo neste domínio, embora na última aparição ela (e o seu Comandante Geral) tenha sido prontamente rechaçada pelo Presidente Filipe Nyusi.

 

Os níveis de alerta são altos, a crer também nas movimentações das forças castrenses nas regiões de Metuge, Ancuabe, Metore e Chiure, seguindo a indicacao de que os insurgentes estão caminhando, dispersamente, em direcção ao sul, e que podem ter, inclusive, intencoes de entrar em Pemba (ontem foram vistos em direcção a Chiure).

 

Ontem também, ficou claro que, apesar da tentativa de desmentidos oficiais, foram organizadas escoltas militares para proteger quem quisesse entrar ou sair de Pemba, num percurso de 50 km. Mas, apurou "Carta", localmente, as escoltas não implicavam revistas. Sem revistas, os militares podem “escoltar” também os terroristas, que têm feito incursões, em grupinhos disfarçados, em aldeias a 100 km de Pemba.

 

Os terroristas usam agora as armas da decapitação, da desinformação e do pânico, confundindo as populações e alimentando receios em Pemba. O cenário é o de confusão total, terreno fértil para o ISIS introduzir armas em Pemba, disfarçados de deslocados, tal como aconteceu na véspera do ataque a Palma, em Março de 2021, quando  meteram armas em malas e colchões, etc.

 

Para controlar a desinformação, e evitar a repetição da mesma táctica de Palma, as FDS têm de deixar de fazer segredo destas movimentações e incursões terroristas em Ancuabe e explicar o que está realmente a acontecer no teatro das operações. É preciso explicar qual é a dimensão do fluxo a sul dos terroristas e o papel das forças do Ruanda e da SADC na sua contenção. 

Com o recente acordo entre o Governo e o FMI (mais de 470 milhões de USD canalizados directamente para o Orçamento do Estado), Moçambique inaugurou um novo ciclo na relação com o Fundo e outros doadores, e a retoma do chamado "diálogo político" já é notória, com o representante-residente do Fundo,  Alexis Cirkel-Meyer, a enfatizar veementemente os condicionalismos por detrás do novo desembolso, cujos detalhes ainda não foram divulgados.

 

Um dos riscos que este diálogo tem é o risco da comunicação distorcida ou do discurso contido; ou o beliscar com paninhos quentes na mão, prontos a usar. A recente entrevista de Cirkel-Meyer, à Lusa, mostra as intenções positivas do novo programa do FMI para Moçambique, mas o discurso vendido é marcado por hesitações, palavras escolhidas à lupa, passando para a opinião pública, pelo menos no caso reacção anticorrupção (a marca-de-água por detrás desta retoma) uma abordagem minimalista, naive até, sobre o que o Fundo (e outros doadores) espera que seja feito no plano político, na arena das políticas e melhoria legislativa e no campo da acção prática contra o flagelo.

 

 

Cirkel-Meyer foi de um simplismo arrebatador. A publicação do Relatório das Contas do Covid 19 para 2020, elaborado pelo Tribunal Administrativo, foi, para ele, um marco significativo. E elogiou o Governo por isso. Foi um elogio exagerado. A publicação de relatórios de auditorias a fundos do Estado responde apenas ao requisito da prestação de contas.

 

Na cadeia de valor do controle da corrupção, esse é um requisito intermediário. Não vale a pena falar de prestação de contas sem se reafirmar o imperativo da responsabilização. O discurso de Cirkel-Meyer falhou por não enfatizar a necessidade da responsabilização de quem se lambuzou, por exemplo, nos fundos do Covid 19. As evidências coletadas pelo TA não escondem a dimensão da festança. Os doadores devem cingir-se na responsabilização, na reação penal contra a grande corrupção em Moçambique. Eis o grande Calcanhar de Aquiles!

 

A expectativa de toda a sociedade é a mesma: que este novo ciclo de policiamento dos doadores à Governação seja mais incisivo e contribua para a mudança dos Estado das coisas. Só assim se dará valor prático aos requisitos aos novos condicionalismo acordados.

Vem aí uma crise inflaccionária, com os preços dos principais bens e serviços subindo à catadupa. Em Abril, a inflação situou-se acima dos 7%. E o banco central manteve ontem a “prime rate” nos 15% (para a banca comercial; mas nesta para o mercado retalhista está acima dos 19%, demasiado puxado em tempos de crise).

 

A revista The Economist traz na sua última capa um título alarmista: uma crise alimentar sem precedentes está a bater às portas do mundo. Por causa da Rússia, eis a ladainha!

 

E nesse diapasão surgiu ontem o Senhor Blinken, com sua salvação americana:

 

"Países com grãos e fertilizantes significativos, bem como aqueles com recursos financeiros, precisam acelerar e fazê-lo rapidamente. Os Estados Unidos anunciaram mais de US$ 2,3 bilhões em novos fundos para assistência alimentar de emergência para atender às necessidades humanitárias globais desde a invasão da Ucrânia pela Rússia. Dada a urgência da crise, estamos anunciando outros US$ 215 milhões em nova assistência alimentar de emergência”.

 

Se parte desta mola chegar até nós, já se sabe para onde vai. O mais recente aprendizado foi a roubalheira impune dos fundos do Covid 19. A auditoria do Tribunal Administrativo a esses fundos foi posta na gaveta. Devia estar no Gabinete Central de Combate à Corrupção. As crises endinheiram nossas elites.

 

E Moçambique vai vegetando de entre choques externos sem nenhuma panaceia interna. Recentemente foi o calote, depois o Covid e agora os efeitos de uma guerra quente/fria entre imperialismos se degladiando.

 

Nos últimos meses, foi amplamente noticiado que tínhamos atingido um patamar de segurança alimentar, de não fome, em razão do SUSTENTA. Esse sucesso narrativo enfrenta agora o seu primeiro grande teste. Um grande teste ao ministro da "onda vermelha". Até que ponto o Sustenta pode minimizar os efeitos da crise alimentar global em Moçambique?

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