Já não sou propriamente um homem de euforias, as festas do Natal e do fim-de-ano não mudam muito a minha rotina. A cidade transforma-se, eu não. Há um entusiasmo na vizinhança, denunciado pela música alta demais, então tenho que fazer um esforço doloroso para suportar aquilo. As compras que vou fazer são as mesmas de sempre, poucas, ao limite das possibilidades. Mas vai ser difícil dormir com este barulho todo, que não me permite sequer assistir a televisão ou ouvir transquilamente a Rádio.
Se não fosse o David estaria lixado. Foi ele que ligou para o meu celular perguntando se queria dar uma volta, eu disse que sim, assim estaria livre deste inferno. David é um solitário como eu. Detesta barulho, nem que seja em festa. Cultiva o silêncio no bairro de Nhapossa onde vive numa casa sem muro de vedação, para quê o muro se eu sou um homem livre! Nem grades tem nas portas e janelas, não preciso!
Então veio no seu carro, um Mitsubichi Pajero velhaco, porém em condições de nos levar para onde queremos ir nesta noite de quarto crescente. Olhou para mim e disse, estás jovial! Respondi com um sorriso, ao mesmo tempo que lhe perguntava sobre a trajectória que iamos seguir. David não tinha mapa traçado, eu também não. O que queriamos era encontrar um lugar tranquilo, sem música e esse lugar não sabemos onde está.
Saímos da Fonte Azul e andamos ao calha. Passamos pela Ponte Cais - uma obra inquebrantável - cujas lâmpadas de iluminação dependuradas nos postes, ao longo de toda a plataforma, tornam o lugar muito lindo à noite, sobretudo quando é contemplado a partir da zona da prancha. E hoje não está ninguém neste sítio que se tornou, durante tempos e tempos, um ponto importante de encontro da juventude, e o David disse, vamos ficar aqui um tempinho.
Sentamo-nos no passeio com as pernas suspensas para a água em maré cheia que se esbate na barreira, movendo-as em relaxamento como quatro badalos que, mesmo cansados, ainda têm duas almas fortes que as sustentam. Parecemos fedelhos, mas issos é mentira. As memórias que alimentam a nossa conversa não nos deixam enganar a ninguém, nem a nós própriios. Somos felizes assim, longe das nossas namoradas que decidiram passar com as suas famílias, e nós sozinhos.
A maré é calma, não se ouve nenhum som daqui onde estamos, a não ser o cantar do próprio silêncio e, de longe, o leve roncar dos motores fora-de-bordo das barcaças que vão e vêm com passageiros indo ao encontro dos seus sonhos e frustrações, cada um com o seu destino, como nós que estamos aqui, ruminando alegrias da infância e da adolescência e da juventude. Ninguém nos dá cavaco. Temos um catalisador no coleman que alimenta os nossos vaipes. Cada vez que vai um copo, vamos ficando mais lúcidos, e assim amanheceu sem darmos conta, felizes da vida.
São cinco horas da manhã e já não dá para mais. Voltamos para casa animados e satisfeitos pela decisão que tomamos de nos isolar, e no dia 25 já não houve o barulho do dia anterior, de modo que deu para repousar e agradecer a Deus por nos ter protegido.
A eleição da figura do ano, no nosso País, não tem um padrão definido claro, através do qual, as pessoas deveriam procurar encaixar a figura proposta e, por via disso, oferecer espaço de debate público e criar-se um consenso. Cada organização escolhe a figura e justifica a sua escolha e assim vamos andando com figuras da nossa Pérola do Índico!
Devo dizer que não faz parte das minhas reflexões propor figura do ano e tão pouco discutir essa figura proposta seja por quem for. No entanto, este ano, abro excepção para propor como figura do ano o Senhor Juiz Dr. Efigénio Baptista, Juiz das “dívidas ocultas” que esteve em foco ao nível do País e do mundo. Não creio que antes deste caso fosse tão conhecido e badalado o Juiz Efigénio Baptista, mas, graças a este julgamento, qualquer cidadão nacional sabe que existe um cidadão de nome Efigénio Baptista!
A minha escolha não visa avaliar o seu desempenho como Juiz, não tenho essa capacidade e tão pouco me proponho a tão hercúlea tarefa, mas tão somente falo de um homem cujo nome saiu do anonimato e passou a ser parte do quotidiano dos moçambicanos e não só. Hoje, arrisco-me a dizer que o Juiz Efigénio Baptista é tão popular quanto os políticos, músicos e outras figuras que estão na boca do povo todos os dias.
Como disse, a escolha pessoal da figura do ano tem que ver com o facto de, na minha opinião, até a altura que ficou com o caso das “dívidas ocultas” não era tão conhecido, mas, o efeito dos órgãos de comunicação social, aliado ao interesse que o caso despertou no comum cidadão, este passou a ser parte dos debates populares em tudo quanto é canto deste Moçambique e não só.
Nesta classe de profissionais, de quando em vez emergem pessoas que se tornam figuras populares e ascendem a cargos de maior visibilidade, graças a causas que julgam. Foi assim com o Juiz Augusto Paulino que julgou o caso do assassinato do Carlos Cardoso. Depois deste caso, o Juiz Augusto Paulino ascendeu a Procurador Geral da República de Moçambique. Não estou a dizer que a ascensão seja automática, tudo depende da forma como a classe política for a avaliar o seu desempenho no caso. Se concluírem que foi de grande competência, naturalmente ascende e se concluírem que não foi competente, provavelmente volte à sua “vida pacata” de um profissional como outro qualquer.
Aqui, o caro amigo pode se questionar, se é preciso agradar os políticos para se ser nomeado para cargos superiores. O agradar a que me refiro não tem que ver com a satisfação de capricho de quem quer que seja, mas com a avaliação objectiva do sucedido. Lembrar que a nomeação de Procurador Geral da República, do Presidente do Tribunal Supremo, do Administrativo e outros é da competência do Chefe de Estado e não resulta da escolha da classe através dos seus pares e como é óbvio o Chefe de Estado é político.
Bom, aqui fica a minha opinião sobre a figura do ano de 2022. Repito, a minha escolha não tem que ver com a avaliação do desempenho do Juiz, não tem que ver com eu gostar dele ou não, tem sim que ver com o grau de popularidade que teve durante o ano de 2022, popularidade ganha no desempenho da sua profissão que, nem ele próprio, acredito, imaginava que pudesse estar nesse patamar de popularidade e, o mais importante, quer me parecer que a popularidade não o envaideceu. Pronto, para mim Efigénio Baptista é a figura do ano 2022!
Adelino Buque
"O balanço é positivo porque existe vontade de busca de uma paz definitiva. Não é um processo fácil. O processo tem muitos aspectos complexos e ambas as partes devem ser ouvidas, mas depois de três anos de desmobilização, estamos felizes e as pessoas que trabalham neste processo estão orgulhosas do resultado".
Mirko Manzoni, in Carta de Moçambique
O Acordo de Paz e Reconciliação Nacional de Maputo foi assinado em Agosto de 2019 pelo Chefe de Estado moçambicano, Filipe Nyusi, e pelo presidente da Renamo, Ossufo Momade, prevendo, entre outros aspectos, o Desarmamento, Desmobilização e Reintegração (DDR) do braço armado do principal partido da oposição, a Renamo, num total de 5221 homens que ficaram por desmobilizar no âmbito do Acordo Geral de Paz, assinado em Roma, a 04 de Outubro de 1992.
O anúncio do encerramento da última base da Guerrilha da Renamo deve encher de orgulho a sociedade moçambicana e os parceiros de cooperação internacional, porquanto, mostra que os moçambicanos têm a vontade de viver em Paz. A desmobilização, desarmamento e reintegração de 5.221 homens e mulheres que militaram na guerrilha da Renamo não é uma tarefa fácil, foi um grande desafio. Digo isso porque, a partir de 19 de Dezembro de 2022, Moçambique não conta mais com um partido armado com assento parlamentar!
Neste quesito, sem menosprezar os diferentes intervenientes no processo, devemos, como moçambicanos, dizer obrigado ao Presidente da República Filipe Jacinto Nyusi e ao Presidente da Renamo, Ossufo Momade, por este passo gigantesco que, acredito, os seus antecessores trabalharam para esse fim. Simplesmente, por várias razões não lograram chegar ao fim, mas vão, igualmente, agradecimentos ao Presidente Joaquim Chissano e ao Presidente Armando Guebuza pelo feito de 19 de Dezembro de 2022. Não menos importante, um especial, a título Póstumo ao Líder da Renamo Afonso Macacho Marceta Dhlakama.
Chegados aqui, é importante recordar que os parceiros de cooperação tiveram uma palavra sobre este processo e espero, muito sinceramente, que cumpram as promessas feitas aquando da assinatura do Acordo de Paz e Reconciliação Nacional de Maputo. Digo isto porque tem sido normal, nos últimos tempos, a comunidade internacional fazer promessas e não cumpri-las, parcial ou integralmente. A questão da Paz é bastante sensível e não gostaríamos de voltar à estaca ZERO!
Felicitar os moçambicanos por essa capacidade de perdoar e integrar esses guerrilheiros residuais da Renamo, não é fácil para quem sofreu várias sevícias com os guerrilheiros e do nada reconciliar-se com o seu detractor. Se a reconciliação deve vir de ambos os lados, é importante dizer que este aspecto não pode ser descurado e os homens da Renamo devem saber estar nessas povoações onde estão inseridos.
Mais, existem cidadãos nacionais que se tornaram pobres devido a esta guerra “estúpida”, pessoas que dormiram em casas de alvenaria e acordaram por baixo de cinzas, pessoas que dormiram empresárias com meios de transportes, com loja e ou outro tipo de negócio e acordaram pura e simplesmente pobres e devedores da Banca Comercial e o Governo não moveu “palha” em seu socorro, estão, até hoje, a pagar por coisas que já não têm e nem têm perspectivas de obtê-las!
Por isso, o dia 19 de Dezembro de 2022, com o encerramento da última base da Renamo na Gorongosa, deve servir de reflexão para todos os moçambicanos sobre o que queremos hoje, amanhã e a longo prazo. Não há vencedores nesta guerra, mas, há gente que empobreceu e isso não é ficção, é realidade, mas, comemoremos o fim definitivo das hostilidades militares entre moçambicanos e que o dia 19 de Dezembro seja perpetuado como de reconciliação e Paz!
Adelino Buque
O governo autorizou, semana passada, que o distrito de Vilankulo, na província de Inhambane, tivesse serviços distritais de turismo, sob o argumento de que é para impulsionar o turismo naquele ponto do país. Um nkulungwani bem forte para a "sábia" decisão do nosso governo. De facto, Vilankulo precisa de uma abordagem diferente, aprimorada, estruturada e estruturante na nossa política… de turismo! As reticências traduzem as minha dúvidas sobre se temos efectivamente política de turismo, actualizada, com abordagens coerentes e eficazes dos variados tipos de turismo, bem como dos desafios actuais do país, sobretudo decorrentes das TIC’s, mas também dos nossos crônicos problemas de vias de acesso, acesso e tratamento de informação, boa qualidade de oferta de serviços e tratamento a turistas (estrangeiros ou não), os ganhos para o país e especificamente para as comunidades locais.
No domínio do antigo presidente Armando Guebuza, havia, na Presidência da República, seminários trimestrais de reflexão sobre vários temas da vida do país, sob organização da Dra. Arlete Matola. Que grande fórum de opiniões, discussões, debate de ideias não tinha o presidente Guebuza. Muita, mas muita ideia, sabedoria, conhecimento pululavam por alí. Só não aprendia ou se deixava enganar quem quisesse. Nisso, a actual ministra da Administração Estatal, na altura investida de Directora Nacional de Turismo, perfilou por lá para apresentar as ideias de turismo de Moçambique - não tenho em mente qual foi exactamente o tópico da sua apresentação -, mas o propósito foi dar-nos conta da situação do turismo no país. E fê-lo com classe.
Fui um dos interpelantes após a sua apresentação. A minha inquietação era/é que o país não tinha/tem uma posição/decisão clara e firme sobre o papel do turismo no nosso desenvolvimento. Sobretudo o turismo ambiental, vulgo de praia. Alguns países como as Maurícias, Seychelles e outros têm no turismo a base do seu desenvolvimento; ou uma fonte bastante robusta de receitas. E investem forte nas infra-estruturas turísticas, nas vias de acesso, nas políticas e estratégias de desenvolvimento deste sector. Nós periclitamos entre ter ou não um ministério de turismo e, quando temos, não se vê nem se sabe o que faz.
Depois da decisão do Conselho de Ministros da semana passada, mantenho a minha forte inquietação. Não temos uma abordagem clara! O que significa decretar apenas o distrito de Vilankulo como aquele que deve ter uma direcção distrital de turismo? Sabemos, aplaudimos e regozijamo-nos que Vilankulo seja um dos destinos turísticos mundiais. Mas, se Vilankulo é o expoente maior do nosso turismo em Moçambique, aceitemos então a máxima segundo a qual não há um sem dois, ou dois sem três… Se Vilankulo é o expoente máximo, há obviamente outras estâncias com outros expoentes.
Nestes verdadeiros termos lógicos, onde situamos Ponta de Ouro (no distrito de Matutuine), Bilene (no distrito da Macia), Inharrime (no distrito de Inharrime), Tofo, Tofinho e Céu (no distrito de Inhambane), as praias de Massinga (no distrito de Massinga), Inhassoro (no distrito de Inhassoro), Zalala (no distrito de… Quelimane), outros distritos costeiros da Zambézia, Nampula, Pemba e por aí fora… PEÇO AJUDA AOS QUE TÊM OS NOMES DE OUTRAS PRAIAS DO NOSSO MOÇAMBIQUE EM DIA!
Qual é efectivamente a nossa abordagem a esta multitude de situações? É declarar Vilankulo como o distrito que merece ter uma direcção distrital de turismo? Ou será a seguir declarar também Matutuine como distrito que deve ter uma direcção distrital? Depois, Bilene, mais tarde Inharrime, depois Inhambane, Massinga, Inhassoro… e por aí em diante? É essa a nossa política de turismo?
Por outro lado, e em termos muito práticos, o que significa proclamar que um distrito passa a ter uma direcção distrital de turismo? Quais são efectivamente as atribuições dessa direcção? O que queremos significar quando dizemos “dinamizar o turismo”? Temos nós em mente que há diferentes tipos de turismo e de qual estamos exactamente a considerar? Haverá orçamento apropriado, à altura, para essa dinamização do turismo? As pessoas que vamos colocar nessa direcção, serão as pessoas certas? Entendem de turismo? Ou será job for the boys?
Acho que devíamos ter uma política de turismo séria, coerente, consequente e sustentável. E declararmos o turismo como uma das bases do nosso desenvolvimento. Temos condições de sobra para tanto!
Apenas duas seguintes mensagens:
(i) Feliz Natal! Feliz Ano Novo! Que 2023 traga melhor do que 2022. Não sei se foi este ano ou ano passado… ou mais para lá que vi as piores fotos da minha vida. Gostaria de não as voltar a ver nunca mais, a começar já em 2023. Nunca antes, em toda a minha vida, tinha imaginado que um humano pudesse fazer a outro humano o que vi/vejo nas fotos!
(ii) Vamos para a quadra festiva. Quadras festivas temo-las desde que nos conhecemos como pessoas. E continuarão depois da nossa passagem. Vamos celebrar com racionalidade e muita prudência. Próximo ano teremos mais quadra festiva. Nossa vida não termina no dia 25 ou 31 de Dezembro de 2022. Paremos (ou moderemos) de nos encharcar de álcool a pretexto de celebrar… álcool que, também, não acaba no dia 25 ou 31 de Dezembro.
Festas Felizes! Até Fevereiro.
Patrício Langa[1] e Jorge Ferrão[2]
O Laissez-faire é um termo da língua francesa que simboliza o liberalismo económico. Na acepção mais radical do capitalismo, o neoliberalismo, o mercado funciona livremente sem ingerência do Estado. O papel do Governo, em representação do Estado, é mínimo. O Governo estabelece o quadro legal, normativo e regulatório suficiente para proteger os direitos de propriedade privada. O princípio da mão invisível, termo cunhado pelo economista clássico Adam Smith, determina a auto-regulação do mercado criando as condições de possibilidade para a troca livre de bens e serviços. A recente história social e económica, em particular depois das crises económicas de 2007 e 2008, seguida da intervenção reguladora dos governos, veio mostrar tanto a ilusão da perfeição da invisibilidade da mão do mercado (laissez faire) como a imperfeição da excessiva regulação do Estado.
A expressão laissez faire, mais conhecida e usada do que outras quase sinónimas como laissez aller, laissez passer, significam literal e respectivamente “deixar fazer”, “deixar ir”, “deixar passar”. A subida ao poder de Margaret Thatcher (a dama de ferro), como Primeira-Ministra da Inglaterra, em 1979, em representação do Partido Conservador, e de Ronald Reagan como Presidente dos Estados Unidos da América, em 1980, em representação do Partido Republicano, dois promotores da ideologia neoliberal do mercado livre e da mão invisível, popularizou os programas de reformas macroeconómicas e financeiras com vista a promoção da privatização de bens e serviços públicos sociais como a educação, a saúde e até a defesa.
Em Moçambique, as reformas macroeconómicas foram precedidas de reformas políticas profundas com a aprovação de uma nova Constituição da República, em 1990. Com a morte de Samora Machel, foi a enterrar também o utópico projecto do experimento socialista de sociedade que abordamos no decénio anterior. O que alguns dos nossos pensadores, como Severino Ngoenha e José Castiano, referem como a Segunda República, nasce no regulado do segundo Presidente de Moçambique, Joaquim Alberto Chissano. Cognominado o pai do ‘deixa-andar’, ou ‘deixa-fazer’, Chissano e seu Governo representam, simbolicamente, o período do laissez faire da história política, social e económica do país.
O laissez faire no ensino superior
A reforma económica e financeira conhecida como Programa de Reabilitação Económica (PRE) e Social (PRES), ainda que iniciados após a negociada adesão do país ao financiamento e disciplinarização fiscal pelas instituições de Bretton Woods, Banco Mundial (BM) e Fundo Monetário Internacional (FMI), em meados de 1980, ganharam corpo após os acordos de paz que puseram fim à Guerra Civil dos 16 anos entre o Governo da FRELIMO e a RENAMO, em 1992, e a realização das primeiras eleições gerais multipartidárias, em 1994.
No ensino superior, a implementação da primeira Lei 1/93 veio abrir espaço para o surgimento das primeiras iniciativas de provisão da educação superior por entidades não públicas. Assim, podemos falar de diferentes fases, estágios, ondas, ou até gerações de instituições de ensino superior (IES) em Moçambique.
A origem das primeiras IES privadas
A primeira geração de IES, como referimos, gerou apenas uma instituição, os Estudos Gerais e Universitários de Moçambique – EGUM (1962), ainda durante o período colonial, mais tarde elevada ao estatuto de universidade e renomeada Universidade de Lourenço Marques (ULM) em 1968. Após a independência do país, a ULM foi transformada em Universidade Eduardo Mondlane (UEM) em 1976. A segunda geração de IES surge apenas nos anos de 1985 e de 1986, com a criação respectivamente do Instituto Superior Pedagógico (1985), actual Universidade Pedagógica, e o Instituto Superior de Relações Internacionais (1986), actual Universidade Joaquim Chissano. A terceira geração introduz, pela primeira vez, instituições de ensino superior privadas. Este texto aborda as IES até a terceira geração, sendo que as subsequentes irão ser abordadas nos próximos decénios. As primeiras entidades particulares a criarem IES privadas incluem aquelas de natureza secular empresarial e as de natureza religiosa, todas se propondo a prestar serviço público.
A actual Universidade Politécnica (A Politécnica) foi a primeira instituição de ensino superior privada e secular a entrar em funcionamento em Moçambique. Inicialmente designada Instituto Superior Politécnico e Universitário (ISPU), foi criada através do Decreto n.º 44/95, de 13 de Setembro. No entanto, o início do seu funcionamento deu-se apenas no ano académico de 1996/97 quando foi autorizada através da Resolução n.º 16/96, de 6 de Agosto.
No mesmo período, a SOPREL – Sociedade Promotora de Ensino e Serviços Limitada – fundou o Instituto Superior de Ciências e Tecnologia de Moçambique (ISCTEM), aprovado pelo Decreto n.º 46/96, de 5 de Novembro. O Instituto Superior de Transportes e Comunicações (ISUTC) foi instituído pela Transcom, Sociedade Anônima. A sua criação foi aprovada pelo Decreto n.º 32/99, de 1 de Junho de 1999, e a autorização de entrada em funcionamento pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 33/99, de 1 de Novembro de 1999. Iniciou com as Licenciaturas no ano lectivo 2000-01, precedido de um Semestre Zero no início de 2000. Estas são as primeiras IES privadas que surgiram no país, particularmente tendo promotores de cariz privado-empresarial.
As primeiras IES de cariz religioso
A Igreja Católica de Moçambique, detentora de um património de infra-estruturas sociais considerável, parte da qual nacionalizada a 24 de Julho de 1976, negociou a recuperação do seu património que reverteu a favor do estabelecimento da Universidade Católica de Moçambique (UCM), em 1995, na província de Sofala. Este marco teve um significado simbólico assinalável, pelo facto de a UCM ter levado o ensino superior privado para fora da capital do país pela primeira vez na história, especialmente através de uma entidade privada.
Consta que a ideia de criação da UCM surgiu com Dom Jaime Pedro Gonçalves, Arcebispo da Beira. Dom Jaime e outros membros distintos da Cidade da Beira, tal como o antigo governador de Sofala, Francisco de Assis Masquil, propuseram a criação de uma universidade com enfoque nas questões da promoção da paz e reconciliação nacional.
Assim, a UCM foi fundada oficialmente em 1995 como uma instituição de ensino superior privada através do Decreto n.º 43/95, de 14 de Setembro. A UCM, portanto, é uma instituição da Conferência Episcopal de Moçambique (CEM), com sede na cidade da Beira, província de Sofala. A UCM, assim como as demais IES, depois se expandiu através de delegações provinciais. Em Agosto de 1996, a UCM abriu uma Faculdade de Economia e Gestão (FEG), na Beira, e uma Faculdade de Direito (FADIR), em Nampula. Subsequentemente, criou a Faculdade de Ciências de Educação, actualmente Faculdade de Educação e Comunicação (FEC) em Nampula (1998), a Faculdade de Agricultura (FAGRI) em Cuamba (1999), a Faculdade de Medicina, actualmente Faculdade de Ciências de Saúde (FCS), na Beira (2000), a Faculdade de Gestão de Turismo e Informática (FGTI) em Pemba (2002), o Centro de Ensino à Distância na Beira (2003) e a Faculdade de Engenharia (FENG), a mais recente, em Chimoio, no ano de 2009. A UCM abriu, ainda, três delegações: uma em Tete (2008), outra em Quelimane (2009) e a terceira, de Informática, na Beira (2010).
No Decénio 1993-2003, juntaram-se à família das IES também a Universidade Mussa Bin-Bique (UMB) fundada em 1998. Se as autoridades eclesiásticas cristãs viram na criação da UCM a materialização da ideia de inclusão e expansão do ensino superior para além da capital do país, as autoridades islâmicas, predominantemente no Norte do país, juntaram-se ao movimento criando a Universidade Mussa Bin Bique, abreviadamente designada por UMB. A UMB estabeleceu-se como uma instituição privada de ensino superior criada pelo Centro de Formação Islâmica, ao abrigo do Decreto n.º 13/98, de 17 de Março, tendo a sua sede na cidade de Nampula.
O primeiro passo estava dado para o início da expansão do ensino superior privado no país. O contexto regulatório do laissez-faire permitia que, com algum esforço, se pudesse criar uma IES. No entanto, ainda havia alguma timidez por parte das entidades promotoras, mas este cenário prevaleceu apenas no decénio em análise.
Neste sentido, podemos falar tanto de uma primeira geração de IES privadas seguida de novas fases onde a pujança para a criação de outras aumentou, como também das exigências, em termos de requisitos, à medida que as alegações de baixa qualidade entravam para a ordem do discurso.
Com o surgimento das IES privadas, o subsistema do ensino superior começou um processo de diversificação e de diferenciação. Destaca-se aqui a diversificação das ofertas de cursos e programas e a diferenciação em termos do tipo de IES, não somente entre públicas e privadas mas também de carácter, estas últimas promovidas por entidades religiosas e por sociedades empresariais. Timidamente, começou a surgir o debate sobre a intenção lucrativa ou não-lucrativa das entidades promotoras, dado que se percebia que, nalguns casos, o investimento para a criação das IES não permitia o provimento de condições mínimas para as actividades do ensino superior.
Com efeito, parte significativa da informação sobre as IES neste texto foi obtida com recurso às suas páginas da Internet (vulgo website). É notório como algumas IES com mais de 20 anos de existência, algumas oferecendo formações até ao nível do doutoramento e outras, inclusivamente, em áreas relacionadas com a informática, não dispõem de uma página web funcional, para falar do mínimo. A facilidade de se criar uma IES levou a alguma banalização do ensino superior, sem deixar de referir que nas IES públicas também surgia e se consolidava a expansão por via da abertura de delegações e da abertura do regime pós-laboral. As consequências da expansão desenfreada com um pendor para a comodificação, comoditização e tratamento da educação como um produto comercializável serão escrutinadas nos próximos textos desta série.
O relatório da comissão Comiche
O relatório da Comissão Comiche da revisão do ensino superior em Moçambique deve ser um dos documentos mais referenciados, mas pouco difundido ou até mesmo indisponível ao público. Um de nós já entrevistou vários actores-chave e personalidades que fizeram parte dos trabalhos da comissão e que o citam como um documento fundamental para entender a reforma do ensino superior, particularmente no decénio após a virada do milénio. No entanto, ninguém tem o documento disponível.
Entre 1997/8, a comissão foi constituída e encarregada pelo Presidente Joaquim Chissano para repensar o ensino superior e o papel dos diferentes actores públicos e privados face ao crescente discurso e a preocupação com a necessidade da expansão sem comprometer a qualidade.
Consta que é das recomendações da Comissão que o novo Governo saído das eleições gerais de 1999 fundamentou a criação do primeiro Ministério para a Coordenação do Ensino Superior, Ciência e Tecnologia (MESCT), cuja pasta foi assumida pela académica Lídia Brito, saída da Vice-Reitoria da UEM. Foi sob tutela do MESCT que se preparou o primeiro Plano Estratégico do Ensino Superior 2000-2010, no qual os pressupostos da expansão, diversificação e diferenciação, bem como dos mecanismos de garantia de qualidade, foram lançados.
O trabalho da criação de um quadro legislativo, normativo e de regulação, traduzido num plano estratégico e operacional de desenvolvimento do sector, conduziu a necessidade de revisão da primeira Lei do Ensino Superior 1/93, de 24 de Junho, e a aprovação de uma nova Lei, a 5/2003, de 21 de Janeiro. Os instrumentos regulatórios da nova lei abriram espaço para o surgimento da terceira geração de IES e uma nova onda de expansão, diversificação e diferenciação do sistema que iremos abordar no decénio 2003-2013.
(Continua*)
[1] Sociólogo, Professor de Estudos de Ensino Superior
[2] Reitor da Universidade Pedagógica de Moçambique
O fechar das cortinas de mais um ano, serve para uma breve radiografia de mais 365 dias de um país na sua longa marcha.
Iniciamos o ano com mensagens de esperança renovada que já nos é característica enquanto povo. Expectativas, altas ou baixas, vão variando de moçambicano para moçambicano em função das suas experiências e vivencias. As nossas dúvidas foram se transforando em nossas dívidas, e as nossas incertezas ficaram mais certas.
O povo forte, resiliente e muito lutador está em busca de forças para manter sua fé (in) abalável e sua crença quase que ortodoxa de que o futuro melhor está por vir.
O custo de vida tem estado a disparar de forma preocupante; a condição de vida deteriora-se dia após dia desafiando diariamente o povo da pátria amada; a condição social e económica das famílias está a degradar-se; as desigualdades e os focos de pobreza urbana e rural alastraram.
O restart ainda não esta programado e, não é possível ainda. Como povo estamos em busca de uma reinvenção e de um redescobrimento. Redescobrir forças para enfrentar a sagacidade desta selva que faz apelo a teoria da evolução das espécies de Charles Darwin. No actual contexto, parar pode ser sinonimo de desaparecimento, e desaparecimento pode significar o parar do pulsar da moçambicanidade.
As liberdades fundamentais vão a reboque, o espaço cívico vai regredindo e as marchas de repudio, sejam pacificas ou não, são proibidas e/ou reprimidas pelas forças policiais – Temos até medo de pedir respeito pelo direito de podermos ser cidadãos. Porque a força policial intimida, reprime e asfixia as liberdades deste povo já sofrido.
A violência estrutural que o povo (considerado patrão) sofre transcende o chamboco da polícia e o gás lacrimogénio - está na subida do preço do pão, do transporte e dos produtos de primeira necessidade. Está na impossibilidade de prover bens básicos ao povo: uma refeição condigna, acesso a educação, a saúde, a água, ao saneamento digno e a livre circulação.
A mamana do dumba nengue queima de sol a sol para garantir seu sustento e dos seus. Ela é a imagem da resiliência da nossa mulher moçambicana – volta e meia aquela mesma mamana vê suas bacias de chamussas, mahanti e badjias ou até da sua peneira com amendoim torrado tomada pelos agentes da polícia em nome da postura urbana do município.
A nossa educação esta mergulhada numa crise alarmante e que exige uma reflexão e accão profunda, mas vamos lançando esse sujo para debaixo do tapete. O escândalo dos manuais são apenas mais uma gota grossa neste balde que se faz transbordar e que pode inundar o futuro do país com quadros com formação duvidosa. Negar boa educação é negar que sejamos um país próspero e que possamos sonhar com um amanhã risonho para o nosso belo e vasto país.
Cabo Delgado chora desde 2017, e nem parece que seja parte de Moçambique pelo desdém que recebe por parte de alguns. Vários distritos, localidades e vilas da terceira maior baía do mundo, vão queimando ao sabor das investidas dos insurgentes, e os bombeiros vieram de Kigali e de alguns países da SADC para conter a queima da insurgência. A insurgência ensaiou um alastramento para as províncias circunvizinhas e, tentou espreitar as terras do Lago e da Reserva do Niassa e chegou a entrar em Nampula.
Os raptos, começaram como algo pequeno, de fácil resolução e, tornaram-se uma prática grande, extremamente lucrativa, e com selo de cumplicidade e cobertura institucional. Quem põe guiso ao gato? Com a naturalidade que acontecem, sugere uma realização cinematográfica de Hollywood com Bollywood a mistura, mas são uma realidade bastante coordenada e sincronizada.
A pandemia da COVID19, que nos mergulhou em restrições e estados de emergência e de calamidade pública, parece ter abrandado. Este abrandamento permitiu que o antigo normal voltasse a ocupar o seu lugar empurrando o apelidado “novo normal” – voltaram os beijos, abraços, apertos de mão e convívios à nossa maneira. O tecido social e económico vai tentando se recuperar com maior ou menor dificuldade. E como a COVID19 foi oportunidade para alguns edificarem seus impérios com fundos públicos, em breve teremos a actualização dos novos ricos de Moçambique.
O gás do Rovuma já jorra – A Plataforma flutuante chegou ao mar moçambicano vinda das águas asiáticas e já opera. Há quem a considere a nossa bandeira energética depois da imponente e majestosa Cahora Bassa. Estamos na jogatana dos hidrocarbonetos e conquistamos um lugar na geografia e economia política dos recursos naturais. O nosso grande desafio é tornar esse ganho sustentável e diversificar para que possamos ter menos dependência no futuro.
A eleição de Moçambique para Membro Não Permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas foi um momento de exaltação da nossa diplomacia e, há quem considere um ganho tremendo para o país – essas são palavras dos entendidos arautos da diplomacia. Eu como leigo vou dedicar um tempo e estudar um pouco mais sobre as vantagens desta eleição.
O Programa Sustenta promete agitar o polo de desenvolvimento e dinamizar o processo de integração entre o familiar e o industrial. Os campos verdejantes são uma realidade e espera-se que a produção possa suprir paulatinamente as necessidades da população que cresce a olhos vistos. Mas não basta produzir se a cadeia de produção não incluir os mercados e não desenharmos políticas e medidas protecionistas.
Os buracos do nosso país receberam nova nomenclatura: sugeriu-se que os buracos das nossas estradas recebessem nomes de membros do maior partido da oposição e que famosa lixeira do Hulene recebesse novo nome à moda das picardias entre a Renamo e a Frelimo.
A FACIM continua a ser a super feira de Maputo e cada vez mais concorrida. Os machos de Maputo mostram sua pujança financeira e sua tentam disfarçar a sua suposta fraca condição viril, comprando tudo o que os stands de Manica e Sofala oferecem como solução - (os pós e raízes milagrosas vão fazendo história e batendo recordes de venda a cada edição). Daqui a algum tempo iremos confundir a tradicional FACIM com uma feira de afrodisíacos.
Realizou-se, com muita pompa o Congresso do glorioso partido e, diga-se um, dos mais agitados dos últimos tempos - numa atmosfera de muita festa, trajes à rigor com o vermelho e o branco a dominarem a indumentária dos camaradas; fotos e estampas que sugeriam uma a apologia ao empregado do povo e, muito suspense e expectativas sobre o que se passava lá dentro. Notas de destaque foram a renuncia da Mamã Graça, ascensão meteórica de novos e queda frustrante de antigos. A renovação e arrumação da casa esta em curso.
A Tabela Salarial Única (TSU), que a meu ver é a expressão do ano, veio como uma solução para uniformização dos salários da função pública, mas tem mostrado incongruências e chega a confundir até os próprios proponentes. Muita expectativa se criou em torno dela, e muito se disse sobre as melhorias que ela traria aos funcionários públicos. Porém, a realidade na sua implementação mostrou gralhas e incongruências de palmatória. Mais do que isso causou descontentamento e frustração no seio da classe de funcionários a vários níveis.
A TSU veio mostrar que quando o assunto é dinheiro até os manos do MEF saem a rua para mostrar descontentamento – vestiram a pele de povo e alguns foram parar na procuradoria. Os médicos se mantêm firmes na sua corajosa atitude de paralisação parcial dos serviços básicos; Os professores até tentaram mas terminaram a beber água e a fazer manifestações isoladas com menor impacto; Os juízes e os magistrados sentiram-se amuados e desrespeitados por serem órgãos de soberania sem o devido respeito e tratamento que se espera diferenciado de outros sectores vão se esgrimindo numa surdina negocial.
O julgamento das chamadas dívidas ocultas – um enredo sem igual com um início cáustico e promissor, e um fim considerado decepcionante para muitos dos que esperavam penas exemplares. A tenda montada na BO viu o melhor e o pior durante meses de uma maratona bastante desgastante. Tubarões reduzidos a peixes de aquário à peixes que almejam ser tubarões foram vistos neste enredo que quase paralisou o país. A façanha serviu para assistirmos a nata de advogados a desfilar sua classe, seu linguajar jurídico, suas lutas internas e suas fragilidades epistemológicas e processuais. Serviu também para expor e oferecer gratuitamente a segurança e inteligência do estado, seu funcionamento e sua informação classificada a todos interessados em aprender sobre alguns do modus operandi da segurança. A valoração do desfecho da sentença, deixo a cargo de cada moçambicano.
A minha retrospectiva não apresenta o método e o rigor sequencial que se pede e, pode ser algo atabalhoado. Mas não poderia deixar de trazer um grande momento desportivo que foram as medalhas internacionais que as nossas pugilistas (Alcinda Panguane e Rady Gramane) trouxeram ao país, mostrando que é possível com o querer e vontade institucional.
A província de Inhambane, distrito de Vilanculos acolheu o africano de futebol de praia. Uma festa de exaltação da moçambicanidade e exibição cultural, gastronómica, turística e muito mais – com um pontapé de saída magistral e emblemático.
Não saberei adjectivar este 2022. E para não usurpar as funções do mais Alto Magistrado da Nação, irei esperar pelo informe sobre o Estado Geral da Nação que será lido em breve.
Feliz 2023. A Luta Continua
A minha pátria é outra e ela ainda está por nascer. Mia Couto - (in " Mulheres de Cinza ")
Por: Hélio Guiliche