Nos últimos tempos estamos a ser, literal e sistematicamente, inundados com a figura de Daniel Chapo, o candidato presidencial da Frelimo às eleições de Outubro próximo. Chapo é já uma vírgula nacional. Nascido em Inhaminga, distrito de Cheringoma, Sofala. Chapo chegou a este vale de lágrimas no ano em que organização que o endossa, se assumia em congresso (o Terceiro) de orientação marxista-leninista, abraçando o doce socialismo científico, na esperança certa de instalar o homem e uma sociedade novas onde cada qual viveria conforme as suas capacidades e cada qual segundo as suas necessidades. Curiosamente, o ano do início da guerra entre os moçambicanos.
Em 1994 quando Moçambique realizava as suas primeiras eleições gerais e multipartidárias, Chapo navegava ainda nas turbulentas e doces águas da puberdade, ainda não podia votar. Hoje 30 anos se passam da única eleição que ele não terá votado, e o bebé de 1977, já adulto e senhor, é um dos em quem se espera votar e, para sua felicidade, que a maioria o confie e escolha.
Na eventualidade de ser eleito, será de facto o marco da propalada transição geracional na Frelimo e no estado moçambicano. O primeiro, que vive os seus momentos mais moribundos da sua existência; sem ideologia, sem valores e o segundo, arrastado pela indefinição e incapacidade agravada pelo recuo tribalista de um partido que se diz de “massas”. “A Frelimo é o Povo!” gritava Samora, mas que guarda as ma$$as para um grupo cada vez mais reduzido.
A utopia que pairava no ar quando Chapo viu a luz do dia no agora longínquo ano é uma doce recordação de um país martirizado por um liberalismo bandido, pela consagração de uma burguesia prostituída aos sabores e encantos de grupos criminosos internacionais e pela cada vez mais ousada e desavergonhada malandragem local.
A burguesia, outrora combatida num hino “Avante operários camponeses/ na luta contra a exploração (...) Somos soldados do povo marchando em frente na luta contra a burguesia”. Hoje o revolucionário refrão foi substituído pelo liberal “pela paz, pelo progresso” vincando uma união quase incestuosa numa Frelimo bipolar onde Chapo não é nenhum extraterrestre nas metamorfoses que atravessam a história do partido e do país.
Aliás, Bob Dylan anunciara nas vésperas da queda do murro de Berlim que “the times are changing” e a Guerra Fria hoje decorre sob outros prismas e em pequenos tamanhos, onde a economia é campo fértil. Chapo pode agarrar o ceptro mas o consulado de Nyusi pode deixar-lhe de herança, tal como Guebuza deixou a Nyusi, uma realidade minada e múltiplos barris de pólvora com os rastilhos acendidos:
1.) as Dívidas Ocultas: apesar das boas notícias recentes;
2.) Cabo Delgado: onde ainda se escondem na noite os feiticeiros da estranha guerra que martiriza inocentes e fortalece um grupo específico que ainda esconde-se nas sombras; e
3.) o tráfico de drogas: que ganha mais terreno na nossa sociedade que assaltou muitas instituições e já gangrena o país.
As notícias falam de um Nyusi que levou Chapo pelas mãos para Kigali para o chancelar junto ao General Paul Kagamé, (O Mau) o verdadeiro Comandante em chefe da luta contra o terrorismo e da protecção dos interesses gauleses na região Austral de África. Uma iniciação que pode custar muito caro a Chapo.
Chapo é um dos “quadros” saídos dos bancos da Faculdade de Direito da maior e mais importante universidade pública moçambicana. Certamente, aprendeu dos seus professores e mestres, conhecimentos sólidos sobre as múltiplas dimensões da natureza do Estado de Direito democrático, do primado da lei e dos riscos da sua subversão. Não é de todo desavisado.
Outro dinamismo que nos é dado a assistir é a romaria do entrosamento apressado, nos círculos partidários de um Chapo (já) Presidente e da repetição da entronização do líder visionário no movimento associativo de “Amigos de Chapo”, “Família de Chapo”, “Tias de Chapo”, “Colegas de Chapo”, “Vizninhos de Chapo”. Tal como aconteceu com Nyusi, mas na versão exagerada da então Anyusi. Sendo, sempre, os seus mentores movidos por muito boas intenções, as tais que enchem o inferno e a terra infernizando a nossa já mísera vida.
Assiste-se nas televisões ou em leaks imprudentes, um Chapo bastante ocupado ou uma multidão bastante agitada em tê-lo como seu, ou à espera da sua atenção. Empresários, académicos, políticos, músicos, homens, mulheres e crianças, santos e pecadores. Todos estão à espera do Mano Chapo para lhe renderem as vénias e o colocarem no panteão de líder visionário e colherem os frutos dessa entronização enganadora para anos depois falarem mal dele e o acusarem de não ouvir ou de ser alguma coisa até incapaz e ambicioso.
Numa organização já assumidamente assaltada, falta apenas assaltar o próximo timoneiro e tudo está a ser feito nesse sentido. Deste lado, pedimos e alertamos, Mano Chapo, que ponha a família de lado e acima de tudo proteja os seus filhos das tóxicas poeiras do castelo do poder quando escolher seguir esses grupos de malandros e abandonar os desejos e vontades adiadas de um país e um povo que até aqui, quando não faz guerra, só tem vivido de bichas, reuniões e promessas.
Esperamos, rezamos e esperamos que seja finalmente o tão esperado Pagador de Promessas.
Como empresário, tenho visto de perto as oportunidades e desafios que surgem para os jovens na transição do ambiente acadêmico para o mercado de trabalho. Respondendo ao desafio colocado pelas famílias e sociedade, tentarei partilhar algumas reflexões e propostas, afim de construirmos a ponte essencial para a profissionalização dos recém graduados e licenciados, que, inevitavelmente, serão o futuro do País e do mundo.
Ser futuro não é garantia de desenvolvimento ou progresso. Poderá ser bom ou mau, rico ou pobre, feliz ou triste. Para que os nossos jovens tenham o futuro risonho, o que têm direito, depende de como os responsáveis educacionais irão equipá-los com princípios e valores (soft skills), de conhecimento teórico e/ou saber fazer. Estes responsáveis devem colocar os seus pés no chão, serem pragmáticos e valorizar o que de facto tem valor. Todavia, esse valor só o será no futuro. Este é o maior desafio dos responsáveis, ensinar aos nossos jovens o que são virtudes - são hábitos que permitem ao indivíduo o caminho do bem.
Normalmente, os benefícios das virtudes são visíveis a longo prazo, o que para os nossos jovens não faz muito sentido, já que estão habituados à velocidade das tecnologias. Vivemos numa era de rápidas transformações tecnológicas, sociais, culturais e económicas. Os casos de sucessos de ontem poderão não o ser amanhã. O mercado não tem empatias, é intolerante, instável e cruel.
As empresas têm que se adaptar, inovar, ser competitivas, ou seja, oferecer produtos com o binómio preço/qualidade. As ameaças e oportunidades vêm de geografias inesperadas, onde o factor humano é fundamental para as vencer. Para o efeito, esse indivíduo terá que estar capacitado de conhecimento à altura dos desafios.
O capital mais valioso das empresas são os Recursos Humanos. Esse capital tornar-se-á efectivo, se estes indivíduos tiverem como sua fundação, virtudes, Saber Fazer e integrarem-se profissionalmente, com adaptabilidade e inovação permanente. Ser portador de diplomas, no mundo real ou empresarial, a partir do segundo dia de trabalho, conta muito pouco.
Como disse o Líder Chinês, Mao Zedong, século XIX (19) passo a citar: “a teoria é um produto da observação da prática” fim de citação.
Em outras palavras, partilhar teorias, sem exercícios práticos, laboratórios, estágios, projectos de pesquisas, socialização profissional, constitui um grande desafio para o aprendiz, bem como para o docente que muitas vezes, ele próprio, não tem experiência, aumentando o seu grau de dificuldade na transmissão do conhecimento.
Ninguém dá o que não tem, nem mais do que tem.
A maioria dos recém graduados não sabem que não sabem, o que eleva o grau de dificuldade na integração profissional. Este desconhecimento entre a teoria e a prática normalmente causa experiências traumáticas aos recém-chegados, nos locais de trabalho.
Afim de incorporarmos conhecimentos, que facilitem a vida destes indivíduos pós-graduação como trabalhador e ou empreendedor, proponho que:
- Os sistemas de ensino dêem prioridade ao saber fazer e, para o efeito, terão que actualizar os currículos e corpos docentes, de acordo com as necessidades dos mercados.
Quem são esses cruéis mercados?
Somos nós que contribuímos na construção do PIB, produzimos alimentos, transformamos matéria-prima, recebemos salários, prestamos e compramos serviços e produtos, pagamos propinas e impostos e recebemos assistência social, entre outros.
Nós os produtores e consumidores, pagadores de impostos e taxas, os transportados, usuários dos serviços públicos, estaremos satisfeitos com a generalidade dos serviços, produtos, salários, infra-estruturas, educação, saúde, segurança, justiça, etc.?
A maioria de nós critica e com razão a qualidade dos nossos políticos. Mas afinal de onde vêm estes políticos?
Serão extraterrestres?
Os políticos que conheço, e são muitos, vêm das nossas famílias, comunidades e escolas, o que pode querer dizer que, como sociedade, não temos cumprido com as nossas obrigações, na formação de indivíduos virtuosos.
Rudolf Steiner pedagogo e filósofo do século XIX (19) desenvolveu a teoria dos septénios:
Dos 0 aos 7 anos ensina-se princípios e valores;
Dos 7 aos 14 ensina-se as bases teóricas;
Dos 14 aos 21 ensina-se a saber fazer.
Toda a gente ralha e ninguém tem razão!
Quando fazemos uma avaliação, estamos a comparar se o que está em questão é bom, é menos bom, ou é mau. Como fazemos frequentemente, em relação ao nosso modelo e sistema de educação. Contudo, uma comparação exige um coeficiente ou Standard. Podemos comparar o sistema de educação, por exemplo, com os impostos que (não) pagamos?
Podemos comparar o nosso sistema de educação com os salários dos professores?
Podemos comparar o nosso sistema de educação com o nível de destruição das carteiras escolares e degradação das escolas, nomeadamente casas de banho?
Podemos comparar os resultados obtidos pelos nossos estudantes com o nível de ausência dos pais ou educadores?
Senhoras e Senhores, temos que ser mais sérios, se quisermos mudar o rumo alarmante da ignorância da maior parte dos nossos alunos.
A minha experiência de 45 anos de trabalho ensinou-me que o maior capital que um profissional deve ter são os Princípios e Valores,ou seja, Virtudes. Muitos colegas com quem trabalho há mais de 30 anos têm em comum nessa longevidade são os princípios e valores.
A tecnologia aprende-se, adequa-se e adapta-se. As virtudes são transversais a todas as épocas, profissões, comunidades, sociedades do Universo.
Podemos ser mestres, especialistas, graduados, dirigentes, políticos, jornalistas, empresários, operários, camponeses, endinheirados, etc., entretanto, se não tivermos princípios e valores, será como caminhar num chão que não nos pertence e que a qualquer momento pode nos ser retirado.
A Luta Continua!
Amade Camal
Não sei bem onde moro. É por isso que você nem sequer me procura. Na verdade eu vivo neste buraco escuro, sem estrelas, ao lado de outras ratasanas que saem nas noites a procura de alimento inexistente nos celeiros. Mas eu não tenho medo das pessoas, você é que tem medo de mim. Sou ratasana da nova espécie, não violo as machambas. Mesmo que quisesse fazer isso, aqui não há terra cultivada, a mandioca secou com o tempo, então as minhas mãos vão criar novas searas.
Não sei bem onde moro, moro em todas as tocas sombrias onde já não espero nada, nem de você. Aqui não há pássaros. Morreram todos, deixando o cheiro das melodias que se transformaram em sinfonia do diabo na memória de mim. Nunca amanhece neste lugar, então é mentira a poesia de Jorge Rebelo.
Não sei bem onde moro, e todas as minhas forças estão se esvaindo no escuro. A chuva que cai neste lugar, todos os dias, é pegajosa e mal cheirosa. É por isso que o sol tem medo de raiar, faz muito frio. E os pássaros têm medo do frio e da chuva, fugiram sem deixar vestígio. Nem os sons sobrevivem onde eu moro. E já não oiço a fala do próprio silêncio, moro numa tumba.
Não sei bem onde moro, mas eu existo. Definhando em cada palavra dos discursos vazios anunciando as vitórias que no fundo são uma falácia, não há vitória nenhuma, tudo isto é mentira. Se houvesse vitória eu retumbaria dos abismos onde não há música nem poesia, e de onde não vejo a possibilidadde de sair e vir cá fora rebolar na dança. E você entregou todas as minhas canções buriladas na honestidadde e integridade, e voltei a ser um escravo desprezível. Um cão sem nome, sem lugar para viver. As minhas terras estão sendo levadas e entregues aos poucos e poucos. Outra vez!
Mas eu estou cansado de ser ratasana, não é essa a minha vocação. Eu sou orca, a fúria dos mares! E você tem medo da minha revolução. Eu sou a turbina do povo e vou chegar a todas as tumbas e ressuscitar todas as ratasanas e transformá-las em orcas também, como eu. Eu não sou ratasana, porra! Sou uma das lenhas amarradas no feixe da luta popular, e não é você que vai quebrar este feixe! A este feixe não se quebra.
Eu sei bem onde morava, morava na tumba como as ratasanas do fim do mundo, mas agora acabou, não volto mais para lá. Sou o remoínho das canções transformadas em comportas que enchem albufeiras inteiras: Eyuphuru, Gorhwane, Kapa Dêch, Djaka, Massuku, Alambique!
Eu sou a tempestade do povo!
Ferrugem é madureza, ferrugem.
E a pluma murcha do milho;
Pólen é tempo de acasalamento quando as andorinhas
Tecem uma dança
De setas emplumadas
Fiam espigas de milho em feixes
De luz alada. E, nós amamos ouvir
O vento a jungir frases, ouvir
O rascar dos campos, onde folhas de milho
Perfuram qual lascas de bambu.
Agora, nós, catadores
Aguardando a ferrugem em franjas, puxamos
Longas sombras do crepúsculo, trançamos
Palha seca em fumos de madeira. Espigas cheias
Levam a queda do germe – esperamos
A promessa da ferrugem.
(Wole Soyinka)
Wole Soyinka, dramaturgo, poeta, romancista, ensaísta, memorialista, professor, activista, nascido em Abeokuta, na Nigéria, a 13 de Julho de 1934, faz hoje 90 anos, imortalizado, em 1986, aos 52 anos, com o Prémio Nobel da Literatura, é, simultaneamente, ioruba, nigeriano, universal e cosmopolita. Os mitos, a cosmologia e a cosmogonia, a tradição e os seus signos, a modernidade e as suas contradições, atravessam a sua vasta, múltipla, profunda, vultosa, expressiva e impressiva obra. Para além disso, o seu activismo, que lhe valeu a prisão e o exílio, a perseguição e o oblívio, sem nunca ceder à ignomínia dos falsários, dos perjuros do poder e do infortúnio africano. É, seguramente, das últimas grandes figuras do continente, numa África arisca, sufocada, tolhida e incapaz.
A sua biografia regista, com dureza, as suas passagens nas prisões nigerianas e longos períodos de exílio. Há legendários anúncios em que é procurado vivo ou morto pelos regimes ditatoriais da Nigéria. Quando esteve vinte e dois meses preso (entre 1967 e 1969) registou essa experiência em “The Man Died” (1972). É também um exímio ensaísta e um proeminente poeta. Destaco, no domínio da ensaística: “Neo-tarzanism: The poetics of Pseudo-Transtion”, “Art, Dialogue and Outrage”, “From Drama and the African World View” (1976), “Myth, Literature and the African Word” (1976). Também é um memorialista inexpugnável: “You Must Set Forth at Dawn” (2006) é um volumoso livro de suas memórias. Em 1981 publicara “Aké: The Years of Childhood” sobre a sua infância em Aké, numa missão onde fez os estudos primários. Filho de pastor anglicano e mãe activista dos direitos das mulheres, cresceu entre livros e a sua vida seria obstinadamente dedicada à literatura.
No território da poesia: “Idanre and Other Poems” (1967), “Poems from the Prison” (1969), que seria reeditado com o título “A Shuttle in the Crypt” (1972), ou “Mandela´s Earth and Other Poems” (1988). A editora britânica Methuen publicou-lhe uma antologia com estes três prévios títulos: “Selected Poems”. Publicou, entre 1958 e 1960, três livros de contos: “A Tale of Two”, “Egbe´s Sworn Enemy” e “Madame Etienne´s Establishment”.
“Os Intérpretes” (1965) é considerada a sua magnum opus. Publicou apenas três romances. Sendo que o último tem um lapso temporal de meio século em relação ao anterior. É sobretudo dramaturgo. Também encenou as suas peças. Foi um activista pela independência do seu país e participou na efervescência da libertação. Não perdeu, porém, a lucidez, nem a liberdade de criticar. O optimismo da realidade não o impediu de praticar o pessimismo da razão, como queria o aforismo de Gramsci.
Na sua vasta obra sobressaem títulos como “A Dance of the Forests” (peça encenada em 1960 e, posteriormente, publicada em 1963) pensada para as comemorações da independência do seu país. Estreara-se, aos 20 anos, com a peça “Keffi´s Birdhday Treat “ (1954) e ficaria célebre com o seu teatro de intervenção. Sobretudo peças como “The Lion and the Jewel” (1959), “A Dance of the Forests” ou “Death and the King´s Horseman” (1975). Tem uma vastíssima obra teatral e é provavelmente o mais importante dramaturgo africano de sempre.
Quando lhe concederam a maior láurea literária tinha já uma vastíssima e importante obra e era uma voz intrépida na história política do seu país e de África. Em “Os Intérpretes”, uma verdadeira obra-prima, romance complexo, polifónico e sagaz há um grupo de jovens universitários, pretensamente intelectuais, que procuram “interpretar-se” e assim, com o seu passado, as suas crises, os seus fantasmas, os seus amores, as suas luzes e sombras, fazem o caleidoscópio de uma sociedade em mudança. Uma poderosa metáfora da Nigéria, de África, das suas promessas e frustrações, das suas esperanças e desenganos.
A ironia é um registo que atravessa toda a obra de Soyinka. A sátira como forma de crítica contundente. Na sua obra teatral, como se sabe, ele vitupera os opressores e os ditadores, abomina os corruptos, os falsificadores, os colonialistas e os que sobrevieram depois, os assassinos. Os sátrapas., os déspotas, os tiranos. Na peça “A Dance of the Forests”, a comemoração da independência da Nigéria se confunde da enxúndia da corrupção e atinge inclusive algumas personagens ligadas à organização das celebrações da Nação recém nascida. Há seres sobrenaturais que são convocados para denunciar a verdadeira face dos humanos. Em “Kongi´s Harvest” (1964) está em conflito um ditador e um rei tradicional e, de permeio, denuncia as atrocidades que o ditador pratica para relevar a sua superioridade.
Esta é a essência da obra dramática de Wole Soyinka. Está no cerne da sua escrita uma necessidade imperativa de intervenção. Uma assombrosa lucidez. Na sua obra vemos os conflitos entre os ditadores e líderes tradicionais numa realidade diversa e imprevisível e quase sempre satírica. Escreveu e encenou peças, criou poemas e declamou-os, redigiu ensaios e ensinou. Percorreu o mundo. Interveio. Sempre. Tem verve, é um grande tribuno. É de uma grande elegância quando fala ou dá entrevista. Um sábio, avisado, precatado. Erudito, pensador, humanista.
Li, em 1985, “Os Intérpretes”. Voltei a ler este tremendo livro há meses. Naqueles belos e ominosos anos 80 (parece um paradoxo dizer isto) nós líamos profusamente e os autores africanos eram traduzidos e publicados numa mítica colecção “Vozes de África”. Hoje quando vejo estas organizações inúteis, frívolas, imprescindíveis, como a SADC, que não servem mais do que alimentar o ego dos nossos intendentes, não sei se choro ou rio. Não são capazes de fazer a verdadeira comunidade cultural que somos. São a inequívoca expressão da nossa miséria, da nossa ignorância e da nossa inadimplência. Somos visceralmente ineptos. No entanto, há escritores espantosos no nosso continente.
Naqueles anos, de que sou nostálgico, lia sobretudo o senegalês Sembène Ousmane (“O Harmatão”), o nigeriano Chinua Achebe (“Um Homem Popular”), o queniano Ngugi Wa Thiong`o (“Um Grão de Trigo” e “Pétalas de Sangue”), ou Camara Laye da Guiné Conacry e o seu fabuloso “O Menino Negro”. Lia também escritores sul-africanos como Alex La Guma (“País de Pedra” ou “Tempo da Morte Cruel”), Peter Abrahams (“O Rapaz da Mina”) ou Alan Paton (“Chora Terra Bem Amada”). Lia o moçambicano Luís Bernardo Honwana (“Nós Matámos o Cão Tinhoso”), que pertence a esta geração e a esta estirpe única de escritores africanos (aceno aqui, subliminarmente, à “African Writers Series” da Heinemamm). Mais tarde haveria de ler o egípcio Naguib Mahafuz, ou os sul-africanos Nadine Gordimer e J.M. Coetzee (sobretudo o brutal romance “Desgraça”), laureados com o Nobel. Ou ainda Njabulo Ndebele (“Death of a son”, dilacerante história do tempo do apartheid).
Hoje leio sobretudo as mulheres. África tem escritoras espantosas. Cito três nomes, poderia citar muito mais, mas não tenho espaço para tanto. Fico-me pela nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie (“Americanah”, um romance portentoso e fecundo), pela etíope Maaza Mengiste (“O Rei Sombra”, romance soberbo, espantoso e iconoclasta) ou pela zimbabweana Tsitsi Dangarembga (“Condições Nervosas” – um livro prodigioso, escrito magistralmente). Tsitis é para mim a mais ingente escritora africana da actualidade. Poderia citar o queniano Binyavanga Mainaina (escritor brutal – “How to Writhe about Africa (2022) –, cujo destino lembra o infortúnio do zimbabweano Dambuzo Marechera, autor de “House of Hunger”, de 1978) que criou uma revista “Kwani?”, decisiva na promoção das novas estrelas africanos no domínio da literatura. Fê-lo com o dinheiro que ganhara do Cain Prize em 2002. Numa antologia “Africa 39 – New Wiriting From Africa South Of Sahara” (2014), com prefácio de Wole Soyinka, celebra-se esse sumptuoso esplendor da nova literatura africana.
Soyinka acaba de publicar novo e porfiado romance: “Chronicles from the Happiest People on Earth” (“Crónicas do Lugar do Povo mais Feliz da Terra”), em 2021, no qual vergasta uma sociedade doente, com o vírus endémico da corrupção e do tráfico, num registo que deslisa entre a descrição pura e dura de uma realidade abjecta e a sátira e o pícaro de um humor absolutamente hilariante. Considerou-o, aliás, uma homenagem à Nigéria. Estes tempos e estes problemas (corrupção) que assolam o continente são as suas personagens de sempre. Desde 1973, quando deu a conhecer “Season of Anomy”, que não publicava um romance. O seu vinagre milenar está lá.
Num dia de Março, do longínquo ano de 1995, fui ao seu encontro, na companhia do Pedro Rosa Mendes, para o entrevistar para o jornal “Público”, onde ambos éramos jornalistas. Ele estava de visita a Lisboa para compromissos literários. Recordo-me sobretudo da sua figura hierática, da sua legendária cabeleira afro, da sua barba aparadíssima, do seu colete mítico e da sua voz poderosíssima. Lembro-me de ouvi-lo dizer o poema “´No´ He Said” (for Nelson Mandela): “In and out of time warp, I am that rock / I the black hole of the sky”. Lembro da sua voz e da sua majestade. Da sua voz que ainda reverbera em mim. E de duas coisas que ele nos disse, entre várias, naquele encontro irrepetível.
A primeira: que os africanos deveriam ter tido coragem de desfazer as fronteiras que eram a herança da Conferência de Berlim e que estavam na origem de intermináveis guerras étnicas e fratricidas: “Os políticos traíram África”, disse-nos desassombradamente. Escolhemos, aliás, esta frase indomável para título da entrevista. A segunda: “Eu não sou neo-tarzanista”. Era, por conseguinte, contra a ideia de que o homem africano deveria retornar ao tempo místico da tanga e da floresta (palavras minhas) – ao tempo do mito selvagem. Afirmava-se como um homem moderno e não tinha pejo nem se coibia quando reclamava dos avatares da modernidade. Para além disto, não esqueço as suas intrépidas posições sobre as ditaduras africanas, de que era um opositor visceral e que estão impressas em toda a sua obra.
Vi-o, muitos anos depois, num comum voo entre a Cidade do Cabo e Joanesburgo, mas não tive o arrojo suficientemente juvenil de me dirigir a ele. Admirei-o de longe: a sua elegante figura, o seu olhar fixo no que lia, a sua silhueta e o cabelo todo branco como um belo ancião. Estava longe do homem de 52 anos que dera o primeiro Nobel da Literatura à África. O seu indubitável nome esplendia há muito sem equívoco nos lustros literários africanos ou ocidentais, onde actua como professor em diversas universidades. Fiquei empolgado quando o vi e tive o sobressalto de todos os que se entrevistam com os seus ídolos. Mesmo quando a sua devoção é púdica ou acanhada.
Wole Soyinka nasceu há 90 anos. Tem sido celebrado em África e no Mundo. Vejo-o como um africano digno, um intelectual probo, de um modelo exemplar, sempre inspirador, não só pela sua lucidez e coragem, mas sobretudo pelo quilate das suas ideias e obras, cujo jaez é indubitavelmente singular e esplendorosamente distinto. Admiro a sua fleuma em certas intervenções e o facto de ser compassivo. A sua imensa sabedoria e a sua bonomia. Como nos versos em epígrafe, em tradução brasileira, do poema “Estação”, onde ele surge sensível, mavioso, terno. Aqui deixo o meu preito e, humildemente, também o celebro.
KaMpfumo, 13 de Julho de 2024
“Moçambique tem mais cinco, no máximo dez anos, para se estruturar para um diálogo sério e responsável. O diálogo não é feito quando convém a uma das partes, não se faz diálogo com imposição do tempo para a reacção, como se tem observado hoje. Não se faz diálogo de “barriga vazia” como acontece hoje. Diálogo não possui vitoriosos antecipados, entra-se no diálogo e não se tem ideia do que irá sair desse mesmo diálogo. O resultado do diálogo, que se pretende sério, é uma incógnita. Esta geração de empresários e de sindicatos irá passar e aí preparemo-nos para o diálogo, sobretudo, para quem tenha interesse em governar, deve preparar-se bem para o diálogo. O diálogo deve ter roteiro, definição das regras do jogo. A médio prazo, não será fácil”
AB
“O diálogo é uma conversa durante a qual os interlocutores, interagindo um com o outro (dialogein[1] em grego), trocam argumentos com vista a chegar a um acordo fundamentado. O acordo é a condição e ao mesmo tempo o fim do diálogo. Condição, porque só existe o diálogo se os interlocutores renunciarem à violência, e se submeterem à exigência da verdade.”
In Gisele Leite
“O diálogo é um campo desconhecido. É onde precisamos entrar sem o controlo de onde vamos sair. Precisamos estar abertos aos novos olhares e perspectivas, para, na somatória das nossas experiências com a dos outros que tomamos contato, construir nossa realidade. É assim que criamos significados para as palavras, sentimentos, acontecimentos, relações do mundo. Assim que compartilhamos signos e que desenvolvemos a cultura de uma sociedade”
In Aron Freller
Como Nação, Moçambique possui vários Fóruns de diálogo. Primeiro, destaco o diálogo público-privado, que acontece entre o Sector Privado e o Sector Público, que culmina com a chamada CASP – Conferência Anual do Sector Privado. Devo dizer que se trata de um Fórum de suma importância para a economia do País, mas não é um Fórum oficial de diálogo, ou seja, não existe nada que obrigue as partes a esse diálogo, existe, sim, vontade de ver algumas coisas resolvidas, o que leva as pessoas a reunirem. Claro que podem e quando o assunto lhes interessa!
No âmbito do Diálogo Público-Privado, muitas vezes, os Ministros, ou melhor as instituições públicas, na área de economia, reúnem em dois momentos cruciais, ou quando se aproxima a reunião de avaliação com o Primeiro-Ministro ou quando se aproxima a CASP, de modo a não criar “zangas” na presença, quer do Primeiro-Ministro, quer do Presidente da República. Ora, a isso se pode chamar de diálogo? Creio que não, são encontros ocasionais de interesse de uma das partes.
Por outro lado, se uma instituição do Governo pretende fazer passar uma Lei na Assembleia da República e o roteiro é ter a opinião dos interessados na Lei, essa instituição manda o Draft à CTA, solicitando, no prazo máximo de 72 horas, o parecer desta entidade. Com sinceridade, é possível obter a opinião de um Sector Privado, sobre matéria legislativa em tão curto período? Casos há em que uma determinada instituição convoca ou convida uma, duas ou três associações, com as quais reúne por duas horas e chancela a participação da sociedade civil.
Não, isso não é diálogo, infelizmente, os visados não têm a dimensão da importância que a sua presença em reuniões desse género representa ou significa e, ao mesmo tempo, não tem a dimensão do que poderia acontecer em caso de não participação, limitando-se à submissão para não criar problemas a S. Excia. Ou ao camarada Ministro ou outra coisa qualquer. Tudo menos o estabelecimento de um diálogo estruturado e consistente. Mas nós, como país, temos condições bastantes para o estabelecimento de um diálogo consistente e que produza resultados que podem ajudar no desenvolvimento de Moçambique.
A outra coisa que mata o diálogo é a existência de funcionários, ao mais alto nível, com actividades não públicas, ou seja, estes funcionários/empresários são a pior coisa que poderia acontecer, pois, tudo o que for a beneficiar o desenvolvimento, como um todo, eles bloqueiam e, em contrapartida, usam em benefício próprio essas possibilidades. Como testemunho disso, tu tens em Moçambique funcionários públicos mais “ricos” que os empresários que possuem um “exército” de trabalhadores. A riqueza dessa gente não resulta do trabalho oficial que ostentam, não, são traficâncias que lhes enriquece.
Enquanto tivermos esse tipo de funcionários públicos, o desenvolvimento de Moçambique estará hipotecado, não sairemos do “Chão” em que nos encontramos. Enquanto o funcionário público não recebe o salário resultante da colecta dos impostos do sector produtivo real, não teremos desenvolvimento, mas, acima de tudo, se o funcionário público rende mais com o tráfico de influência do que com o salário, Moçambique continuará como está ou pior ainda. O diálogo, que é a fonte de mudanças, não irá acontecer porque quem deve promover jamais o fará!
Hoje, Moçambique vive um período de graça em relação a vários assuntos de interesse público. O sector privado que temos resulta das políticas do PRE – Programa de Reabilitação Económica. Muitos de nós eramos trabalhadores e beneficiamos do chamado GTT – Gestores técnicos e Trabalhadores na alienação de empresas. Outros ainda, por alguma influência, ficaram com fábricas, que antes eram pertença do estado e, por vi disso, não podem falar muito porque temem ser bloqueados. Mas esse tempo está a acabar, mesmo os que alienaram empresas com base nas influências, os seus herdeiros não reconhecem isso, ou porque os pais nunca falaram disso ou porque, pura e simplesmente, não querem saber.
Isso terá como consequência, a breve trecho, o desligamento das relações entre governantes e governados e, sobretudo, do privado e do estatal. O privado fará exigências que lhes são próprias e a não concessão das mesmas poderá degenerar em greves e levantamentos. Os actuais sindicatos, que têm origem igual, farão reivindicações realistas e não terão a compreensão que tem os sindicatos hoje e, aí, saberemos a importância do diálogo. Hoje, francamente, não há diálogo, há traficância de interesses. Sejamos sérios!
Adelino Buque
ME Mabunda
Viver em Maqueze não está nada fácil. É certo que em outros muitos cantos do nosso vasto território também as coisas não estão fáceis, mas hey!…
A 2 de Março passado, publiquei aqui uma mensagem recebida de um amigo de Maqueze, distrito de Chibuto, nos seguintes termos:
“Mensagem recebida de um amigo!
ENERGIA E ÁGUA PARA A CASA DE MAQUEZE
> 500,00MT, pagos por transferência, via M Pesa ao Senhor C., a 19/02/2024. No dia seguinte o Senhor P.L. mandou-me uma mensagem informando que o valor de 500,00MT, tinha comprado uma energia de 7,81 KWh.
Observação: Na EDM com 500,00MT, depois de se proceder aos descontos do IVA e outras taxas, o cliente tem uma energia de 59,6 KWh. Fazendo a diferença de: 59,6 KWh - 7,81 KWh = 51.79 KWh, e esta diferença de 51,79 KWh é exorbitante.
RESUMINDO: Na EDM compra-se 1 KWh/8,00MT e na ARC POWER compra-se 1 KWh/64,00 MT.
Está-se a trucidar a população de Maqueze, como se esta fosse a mais rica do mundo, porque em Moçambique não há comparação igual.”
Terminava eu a transcrição perguntando: Is this true?
Alguma coisa aconteceu, a comunidade bateu com o pé… mas só ganhou algo ainda muito longe de contentar uma alma normal na situação moçambicana. O custo de 1KWh desceu dos 64 meticais para 35 meticais! Que capacidade têm os maquezenses para comprar energia a estes preços? Está claro que não queremos que aqueles compatriotas usufruam de electricidade. Não é este o espírito do “Energia para Todos”! Ou melhor, com este espírito nunca chegaremos lá…
Vejamos a mensagem de um outro amigo, também com residência em Maqueze, que se deslocou para lá semana passada para atender a uma missa familiar. Para não ficar às escuras, teve que comprar energia para a casa dele. Disponibilizou 1500 meticais e teve… 42.85 kw/h! Isto é, 1KWh custa 35 meticais. Na EDM, 1KW/h está a 8,5 meticais! Com os seus 1500 meticais, teria obtido por ai 176 KWh. Ou seja, em Maqueze 1KWh custa 4.11 vezes mais do que a tarifa da EDM!
Alto Changane, ali ao lado, também tem um sistema fotovoltaico semelhante, mas a tarifa que se aplica é de 9 meticais o KWh!
Afinal, que mal fez Maqueze? Que mal fizeram os maquezenses? E a quem?... Quando e onde?... Sem estrada razoável - seja a partir de Chibuto, seja a partir de Mohambe; sem água - a história de água dá para um livro e ninguém está mais para resolver; sem…
Há uns anos aí, já lhe quiseram fazer uma ponte em Alto Changane (é mais prático/rápido ir a Maqueze via Alto Changane do que via Mohambe), mas alguém depois entendeu que Maqueze não merecia! Até as carradas de pedra e de areia grossa que já tinham sido descarregadas na margem sul do rio Changane desapareceram!... não há mais ideia de ponte ali!... e o sofrimento continua!
Quando se entendeu que se devia dar corrente eléctrica aos maquezenses, inicialmente, pensou-se em esticar a rede nacional ou por Chibuto, que são uns 60, 70 quilômetros; ou por Mohambe, que não passa os 75/80 quilômetros. Achou-se que para ambas as alternativas, os custos eram enormes e aparentemente não se conseguiram os fundos necessários. Recorreu-se então ao sistema fotovoltaico. Para a sede do posto administrativo, Alto Changane, tudo correu aceitavelmente!
Mas, para Maqueze… foi-se trazer uma empresa desconhecida, aparentemente sem licença mesmo: a ARC POWER. Chegou lá, quase ignorou tudo e todos… começou a implementar o projecto sem o ter apresentado à aprovação das estruturas competentes como a ARENE, nem as autoridades distritais. Obrigou as pessoas a desmontarem as instalações eléctricas já feitas em suas casas e a montarem outras novas e diferentes, à maneira e ao gosto dela, mas com custos para os locais… e quando terminou de montar os seus equipamentos, apenas os seus equipamentos num contentor e esticar as baixadas, começou a vender a energia, aplicando uma tarifa que não tinha sido apresentada ao… governo, nem à ARENE! How can?
Mas, o pior, o pior, é que não montou nenhum contador em nenhuma casa! Tudo se resume em SMS’s! A pessoas enviou dinheiro para um determinado número de onde recebe uma informação/mensagem a dizer que tinha adquirido energia em quantidade X ou y! Contador como aquele que conhecemos PUTO! Não se tem como certificar a energia comprada, nem como controlar o consumo…
Iluminação pública na pacata vila… zero! Nhlanganine, um pouco mais à frente, é uma cidade autêntica neste aspecto. Quando se passa à noite, pode-se confundir com outra vila por aí!
Não era mais fácil alugar/arrendar-se ou vender-se mesmo Maqueze a um interessado qualquer aí?!...
ME Mabunda