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segunda-feira, 21 fevereiro 2022 07:20

Um olhar “desapaixonado” à audição de Armando Guebuza, escreve Abílio Maolela

Armando Emílio Guebuza, Presidente da República de Moçambique entre os anos 2005 e 2015, esteve no Tribunal semana finda (quinta e sexta-feira) para contar a sua versão sobre o projecto do Sistema Integrado de Monitoria e Protecção (SIMP) da Zona Económica Exclusiva (ZEE), que deu lugar à criação das três empresas que endividaram o país no valor de 2.2 mil milhões de USD.

 

Trata-se de uma audição que era aguardada com enorme expectativa, por um lado, por ser a primeira vez na história do país em que um ex-Chefe de Estado é chamado ao Tribunal para ser ouvido (como declarante) e, por outro, por se tratar de um homem que chefiava as entidades envolvidas na contratação da dívida que levou o país à sarjeta.

 

Nos dois dias da sua audição, Armando Guebuza apresentou-se calmo, sereno e atento às questões que lhe eram colocadas pelos sujeitos processuais (Juiz, Ministério Público, defesa e assistente). Nas quase 10 horas em que esteve a ser ouvido, Guebuza mostrou ainda desenvolver cultura de Estado e provou ser um homem muito bem assessorado. Disse, por exemplo, que a tenda da B.O. não era o local certo para se discutir questões de soberania e que não seria ele a pôr mais lenha na fogueira, sempre que era questionado sobre assuntos que envolvessem aspectos de segurança.

 

No entanto, no lugar de esclarecer os moçambicanos sobre como nasceram as “dívidas ocultas”, Armando Guebuza deixou o país às escuras. Optou por responsabilizar Filipe Nyusi e Manuel Chang, Ministros da Defesa Nacional e das Finanças, respectivamente, à data dos factos, pelo escândalo das “dívidas ocultas”.

 

Perante o Tribunal e as câmaras de televisão, Guebuza disse que assumia a responsabilidade, enquanto Chefe de Estado e Comandante-em-Chefe das Forças de Defesa e Segurança (FDS), pela criação da PROÍNDICUS, EMATUM e MAM. Porém, não assumiu a responsabilidade pelas dívidas contraídas ilegalmente pelas três empresas.

 

Disse que Filipe Nyusi, na qualidade de Chefe do Comando Operativo (órgão que integra ainda o Ministro do Interior e o Director-Geral do SISE) é quem liderou o processo que culminou com a contratação das “dívidas ocultas” e que Manuel Chang não o consultou e nem o informou sobre a emissão ilegal das garantias soberanas a favor das três empresas.

 

Ou seja, Filipe Nyusi e Manuel Chang apunhalaram Armando Guebuza pelas costas. Trataram assuntos sensíveis do Estado sem o conhecimento do seu superior hierárquico e nem o Serviço de Informação e Segurança de Estado (SISE) conseguiu descobrir este facto. Impensável.

 

Com este posicionamento, Guebuza está a dizer aos moçambicanos que, durante a sua governação, os gestores públicos por ele nomeados e confiados a sectores-chaves do Estado agiam à sua revelia. Pior ainda, está a dizer aos moçambicanos que nunca esteve interessado (ao ponto de não questionar aos seus colaboradores) em saber onde o país ia buscar tanto dinheiro para financiar aqueles projectos. Está a dizer aos moçambicanos que não fez o cruzamento das informações que lhe chegavam ao Gabinete acerca da criação daquelas empresas. Impensável!

 

Outro ponto que levanta polémica da audição de Armando Guebuza é o facto de ter dito, bem alto e em bom som, que não conhecia Teófilo Nhangumele, indivíduo que participou na concepção do projecto da PROINDÍCUS.

 

De acordo com a acusação, Teófilo Nhangumele fez duas apresentações do projecto PROINDÍCUS nas reuniões do Comando Conjunto (presididas por Armando Guebuza), que decorreram na Presidência da República. A informação foi confirmada por Nhangumele perante o Tribunal.

 

Contudo, Guebuza disse ter conhecido Nhangumele na cadeia do Língamo, quando ia visitar o seu filho, Armando Ndambi “Cinderela” Guebuza. Isto é, Nhangumele entrou e saiu da Presidência sem se identificar. Pior ainda, esteve na mesma sala que Armando Guebuza, a tratar de um assunto de segurança nacional e, mesmo assim, não se identificou e o Comandante-em-Chefe das FDS também não se preocupou em saber quem era a figura que se encontrava naquele local a apresentar um projecto de tamanha magnitude. Impensável!

 

Também causou estranheza o facto de Armando Emílio Guebuza ter dito que não conhecia Bruno Evans Tandane Langa, amigo de infância do seu primogénito, Armando Ndambi “Cinderela” Guebuza. À semelhança de Teófilo Nhangumele, Bruno Langa também teve o seu primeiro contacto com o pai de Ndambi Guebuza na cadeia do Língamo, quando Guebuza ia visitar o filho.

 

Aqui, Guebuza transmite também a ideia de ser um pai ausente, um chefe de família que sequer conhece os amigos dos seus filhos. Algo também impensável.

 

Em suma, a audição de Armando Guebuza serviu para o seu renascimento político, mas em nada serviu para esclarecer o que os moçambicanos ansiavam: como nasceram as “dívidas ocultas” e onde foram parar os 500 milhões de USD que estavam destinados à compra de equipamento para as Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM). (A. Maolela)

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