Desde 5 de Outubro de 2017, a vida da população na província de Cabo Delgado mudou na plenitude, concretamente nos distritos do centro e norte. O alastramento dos ataques, que a princípio foram tratados como actos esporádicos, acabou levando a vida de vários cidadãos para um buraco sem volta. Um trabalho investigativo que “Carta” vem realizando sobre a guerra em Cabo Delgado revela que o circuito de infiltração e recolha de informação por parte dos terroristas é devidamente organizado.
O sistema funciona com a introdução de informantes no grupo de deslocados e com colaboração de prostitutas, que estranhamente desaparecem em distritos como Mueda, levantando diversas teorias em círculos populares, de que terão sido mortas ou detidas. Tudo aconteceu, segundo fontes militares e investigadores independentes, devido ao sistema de venda de informações em que algumas realizavam, uma vez que a sua acção se cingia exclusivamente em envolver-se com militares, em que ficavam a saber quando estes teriam recebido seus ordenados e se teriam chegado novos elementos.
Outra situação importante está relacionada com a central de comando do grupo. A figura de Bonomade Machude Omar é bastante referenciada em estudos e trabalhos jornalísticos, entretanto, dados colhidos de quem já esteve nas mãos dos terroristas permitiram-nos aferir que a estrutura é maior e organizada, facto demonstrado durante o período em que Mocímboa da Praia estava nas mãos dos terroristas, pois, recebiam constantemente avionetas que transportavam armamento e diversos produtos alimentares.
Na senda destas incursões aéreas, conforme apuramos, estava uma cidadã estrangeira, bastante conhecida no circuito internacional dos terroristas, treinada para fazer voos em baixas altitudes, dificultando, deste modo, que seja identificada pelas autoridades nacionais. Aliás, esta informação foi confirmada por integrantes dos terroristas recentemente capturados pelas forças ruandesas e moçambicanas. A referida cidadã, conforme apuramos, é apontada como uma das peças fulcrais sobre a movimentação da logística dos terroristas.
De acordo com informações recolhidas de fontes militares, para além de Machude, fazem parte da estrutura Sheik Hassan, Abu Fassali, Sheik Ibraimo, Sheik Muamudo, Sheik Bongue, Abu Surat, Abu Bazar, Sheik Namatil e Abu Munir, estando estes concentrados nas matas de Macomia, Mocímboa da Praia, Nangade e nas proximidades do rio Rovuma.
De acordo com dados em nossa posse, embora as Forças Conjuntas estejam constantemente a desmantelar algumas das bases, o facto é que o processo de movimentação pela mata e disfarce lhes permite escapar das operações realizadas pelas Forças Conjuntas no Teatro Operacional Norte (TON).
No entanto, a chegada e a forma abnegada com que o exército ruandês conduz as operações deixa os terroristas em alvoroço, uma posição confirmada por fontes militares moçambicanas e detalhada pelos terroristas capturados e que são levados para centros isolados de monitoria militar. A par das incursões terroristas, está o processo de doutrinamento e repartição de funções das pessoas raptadas pelos terroristas.
Entre as profissões, o destaque vai para enfermeiros, mecânicos, motoristas e técnicos informáticos que, em função da sua entrega, acabam sendo recompensados.
Entretanto, os terroristas têm informantes ou membros infiltrados no grupo dos deslocados e que controlam algumas pessoas que saibam demais. Também há pessoas que escaparam das bases, que acabam se infiltrando nas vilas, passando a dedicar-se a actividades comerciais, com destaque para os serviços de moto-táxi. Em finais de Janeiro, por exemplo, uma mulher, natural de Macomia e hoje acolhida em Pemba, deparou-se com o homem que decapitou o esposo, mas na tentativa de contactar as autoridades, este acabou fugindo.
De salientar que, só em Janeiro último, pelo menos 2.800 casas foram queimadas pelos terroristas e cerca de 14 mil pessoas foram forçadas a abandonar as suas aldeias, nos distritos de Meluco e Macomia, naquela província do norte do país. (O. Omar)