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quarta-feira, 01 dezembro 2021 05:33

Sobre o Aeroporto Filipe Jacinto Nyusi: Até quando o culto à personalidade, questiona Abilio Maolela

O culto à personalidade revela-se uma prática já enraizada na República de Moçambique e tudo indica que a mesma veio para ficar. Em quase todos os sectores da sociedade moçambicana, há um “Deus” que deve ser venerado, alguns bajulam por imposição (para não serem sancionados) e outros por mera cultura de agradar o “chefe” (para granjear simpatia).

 

Na última segunda-feira, Moçambique e o mundo assistiram à inauguração, no distrito de Chongoene, do primeiro Aeroporto a ser construído na província de Gaza. Trata-se de uma infra-estrutura avaliada em mais de 60 milhões de USD, financiados pelo Governo chinês em forma de donativo.

 

Inicialmente designada “Aeroporto de Chongoene”, a infra-estrutura sempre esteve na boca do povo pela negativa. A crítica moçambicana sempre defendeu que o empreendimento era/é desnecessário e inviável, tendo em conta a sua proximidade com o maior Aeroporto do país, o de Maputo, que se localiza a pouco mais de 230 Km. Também entende ser inviável, devido aos custos do transporte aéreo, que são de longe proibitivos ao bolso dos moçambicanos, facto que faz prever um cenário idêntico ao do Aeroporto de Nacala, um dos maiores elefantes brancos do país.

 

Entretanto, se a sustentabilidade do empreendimento sempre marcou o dia-a-dia da execução do projecto, a “má” fama da infra-estrutura subiu de tom ao ser baptizada com o nome do Chefe de Estado, Filipe Jacinto Nyusi, a quem coube a honra de inaugurar.

 

Trata-se do primeiro Aeroporto nacional a ser baptizado com nome de uma figura, sobretudo um estadista, de um conjunto de 21 Aeroportos e Aeródromos (incluindo o de Gaza) espalhados em quase todas as províncias moçambicanas. Entretanto, esta não é a primeira infra-estrutura e nem a única a ser baptizada com o nome de um estadista, durante o exercício do seu mandato.

 

No seu discurso, por ocasião da inauguração do empreendimento, o Presidente da República, Filipe Jacinto Nyusi, disse ser embaraçoso inaugurar uma infra-estrutura que foi baptizada com o seu nome, porém, não revelou que acções irá tomar para inverter a situação. Em 2017, por exemplo, recusou-se que a Assembleia Municipal da Cidade de Maputo atribuísse o seu nome à Escola Primária Completa Unidade 30, localizada no bairro 25 de Junho B, arredores da capital moçambicana.

 

“Devem imaginar, o quão é embaraçoso proceder à inauguração de uma infra-estrutura económica que foi atribuída o nome que me diz respeito, sobretudo, quando sei que os proponentes conhecem a minha posição sobre este tipo de procedimentos. Respeitando a vontade manifestada pelos representantes dos demais compatriotas da província, vou fazer esforço para falar”, disse, antes de proceder à leitura do seu discurso.

 

Publicamente, são desconhecidas as razões que concorreram para a atribuição do nome do Chefe de Estado ao novo Aeroporto moçambicano. Também são desconhecidos os proponentes do nome, porém, sabe-se que Filipe Nyusi foi o principal defensor do projecto, que prometera aos “gazenses” em 2014, durante a sua campanha eleitoral.

 

À “Carta”, os Aeroportos de Moçambique distanciaram-se do assunto, encaminhando a nossa reportagem ao Ministério dos Transportes e Comunicações para possíveis esclarecimentos. Porém, debalde!

 

Nyusi já deu nome a escola, sala de congressos do partido… mas não é o único

 

Conforme avançamos, esta não é a única infra-estrutura baptizada com o nome do Chefe de Estado e em pleno exercício do seu mandato. Em Quelimane, capital provincial da Zambézia, por exemplo, existe uma Escola Secundária, baptizada com o seu nome. A infra-estrutura foi inaugurada em 2019 pelo Primeiro-Ministro, Carlos Agostinho Do Rosário. Não se conhecem também as razões que ditaram a atribuição do nome de Filipe Nyusi àquele empreendimento.

 

A nível partidário, a tenda de reuniões localizada no bairro de Malhazine, arredores da cidade de Maputo, também foi atribuída o nome do actual Presidente da Frelimo, Filipe Jacinto Nyusi, numa clara demonstração de culto à personalidade. Aliás, os membros da Frelimo, em todos os níveis, são proibidos de fazer qualquer intervenção sem saudar o seu líder partidário. Os deputados são a “cara mais visível” do culto à personalidade do Presidente do partido Frelimo.

 

Guebuza foi “Doutor Honoris Causa” em pleno mandato

 

Entretanto, engana-se quem pensa que Filipe Jacinto Nyusi é o único Chefe de Estado moçambicano a baptizar infra-estruturas construídas durante o seu mandato com o seu próprio nome. Armando Emílio Guebuza fê-lo em 2009, quando “construiu” a ponte sobre o Rio Zambeze, ligando as províncias de Sofala e da Zambézia, através da Estrada Nacional Nº 1. Aliás, no seu último mandato, foi alvo de inúmeras homenagens, incluindo a atribuição de títulos honoríficos académicos: foi atribuído o título de Doutor Honoris Causa em Economia do Desenvolvimento, pela Universidade Eduardo Mondlane, em Dezembro de 2014.

 

Por seu turno, Joaquim Chissano baptizou escolas com o seu nome, incluindo um Centro Internacional de Conferências, construído em Maputo durante o seu mandato (2003), com o objectivo de acolher a Cimeira dos Chefes de Estado da União Africana.

 

Já Samora Machel atribuiu o seu nome à antiga ponte Marcello Caetano, construída pelo governo colonial português sobre o leito do rio Zambeze e que liga as duas margens da cidade de Tete, província com o mesmo nome.

 

Enfim, trata-se de uma realidade que marca gerações na República de Moçambique e a questão que não se cala é: até quando o culto à personalidade? (Abílio Maolela)

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