Estamos a assistir a mais uma vaga de promoção do pânico através de uma avalanche de informações circuladas pelos mais diferentes meios, muitas das quais usando notícias antigas, outras falsas e na maior parte emitidas por quem não sabe sequer do que está a falar. Não é possível distinguir entre o que é intencional e o que é apenas um efeito de bola de neve. Mas o resultado sabemos ser catastrófico. São supostas mensagens de supostos médicos a anunciarem o “colapso” do sistema de saúde, são anúncios de tsunamis virais que vão arrasar a humanidade se não nos escondermos debaixo da terra, às mais diversas preleções sobre variantes mortíferas, mesmo sabendo que todo o vírus tem muitas variantes, e a que damos o nome de países, letras gregas e mais refinadamente rotulamos em categorias pomposas que mais faz lembrar castas de vinho. A partir de classificações científicas complexas se massifica e vulgariza a ciência para anunciar o fim do mundo. Assistimos a dezenas de gráficos criados por pessoas que de um dia para outro viraram epidemiologistas.
Na era das redes sociais e do jornalismo sensacionalista a que se associam interesses obscuros nada disto parece ser uma surpresa. O que surpreende é ausência de contramedida organizada, atitude indispensável numa situação tão séria como a que estamos a viver. Os médicos e outro pessoal de saúde são treinados para apaziguar os pacientes em todo o tipo de doenças. Eu próprio já passei por doenças de elevada letalidade, inclusive a COVID, e sempre me deparei com médicos confiantes, tranquilos, transmitindo serenidade, esperança e atitude positiva para lidar com a situação. O que surpreende agora é assistir a algumas (e mesmo só algumas) autoridades técnicas em matéria de saúde disseminando o pânico. Isso é fatal. Ao invés de uma liderança firme e forte, serena, realista e tecnicamente fundamentada dominam as mensagens de terror.
A chamada 3ª vaga não pode ser uma surpresa. Estava prevista faz tempo com dados fundamentados que não importa aqui anunciar. Entre o pânico e a histeria vamos estabelecendo a ideia do medo ao invés dos cuidados, e como o medo só tem eficácia a curto prazo, o resultado acaba sendo o contrário. Tomamos medidas que acabam por afectar muitos, mas não levar ninguém a aderir, sobretudo porque muitas delas, constituindo cópias de outras realidades, não são aplicáveis para países onde as pessoas teriam de escolher entre cumpri-las e morrer ou violá-las e muito provavelmente sobreviver. É assim nos machibombos e chapas, nos mercados e outras actividades essenciais à sobrevivência. É assim porque ao invés de chambocada não conseguimos criar condições higiénicas a tal ponto que até centros de saúde não têm as condições mínimas, como por exemplo água e sabão.
Se no princípio o desconhecimento nos fez acreditar na fé em medidas de “pelo sim pelo não”, ao final de quase 18 meses da pandemia já muito mais se sabe, mesmo não sabendo muito mais ainda. Em qualquer actividade é preciso avaliar o resultado do que fizemos, detectar o que foi eficaz e o que não foi e, sobretudo, fazer o balanço entre benefícios e malefícios. E todas as medidas têm sempre isso: podem causar bons efeitos, maus efeitos ou, simplesmente, não causar nada. E entre as três hipóteses nada é linear, elas interagem de forma complexa e dependente do contexto. Assim há que colocar na balança e ir ajustando de forma que o prato das vantagens esteja sempre acima das desvantagens.
Dentro de grandes limitações, a avaliação das nossas curvas de casos, oposta às medidas que foram sempre tomadas, sugere-nos que nem tudo valeu a pena e nem tudo foi inútil. Não é possível determinar com exactidão os ganhos e perdas entre o impacto desastroso na economia e no bem-estar das pessoas, por um lado, e nas vidas que se salvaram, por outro. Mas é possível observar, por exemplo, que a actividade de muitas das unidades económicas que estiveram encerradas, como escolas, actividades culturais entre outras afectadas pelas medidas não foram os responsáveis pelos momentos mais críticos da pandemia. Assim, quando os “paniquentos” advogam agora que tudo se volte a fechar ignoram por completo o dano versus eficácia de medidas como essas. Foram, e em muitos casos são, crianças e jovens que sofreram atrasos não recuperáveis, artistas desempregados, desportistas paralisados, informais perseguidos que resistiram porque não têm outro remédio se não sair de casa para vender o que vão comer nesse dia. Acredito que na maior parte dos casos os apóstolos do pânico são pessoas cujo rendimento não é afectado e se tornaram completamente desprovidos de uma visão de comunidade, de nação. Seria interessante verificar se os defensores das medidas radicais o seriam caso lhes fosse retirado o salário.
A terceira vaga está aí, estava anunciada pelos dados da ciência e é preciso levá-la a sério e tomar medidas de contenção. Mas não foi a mudança de comportamento, pois pelo que todos sabemos pouco mudou. Nós não paramos o vírus com decretos, apenas reduzimos o impacto, sobretudo em momentos de “vaga”, com comportamentos. As escolas, por exemplo, abriram em Março e só passados três meses começou a denominada 3ª vaga. Mas já muita gente em pânico advogando que os seus filhos devem voltar para casa. Só que esses pais são com certeza quem tem internet em casa e como sabemos são muito poucos. Talvez em momentos críticos seja de admitir que os que o podem fazer o façam, mas não podemos levar uma nação inteira para o prato das desvantagens.
A pandemia existe e tem de ser tomada muito seriamente. E por isso mesmo há que levar muito a sério a avaliação do que pode valer a pena fazer e do que é inútil e danoso, como seja tirar o emprego e o bem-estar (porque afinal saúde é isso) apenas porque se está em pânico e sem qualquer fundamento. Pior quando naquilo em que os fundamentos sugerem o contrário. Pior quando desatamos à chambocada por vezes exactamente em situações menos lesivas como é o andar ao ar livre sem máscara que é muito menos perigoso que reuniões cheias de gente e em salas fechadas, mas que todos acham porque temos uma máscara estamos invictos.
A experiência já nos diz muita coisa. Temos de garantir a sobrevivência em todos os sentidos. A capacidade de informar é demonstradamente existente e elevada. Os focos de aglomeração estão detectados. Não se pode continuar a querer fechar o que não faz mal apenas para justificar o que não conseguimos fazer onde era necessário. Há todas as evidências de que o pânico faz mal em todos os sentidos, não podemos tolerar que cidadãos e autoridades ou porque não sabem ou porque fingem não saber, continuem a advogar uma política de terror, muito menos podemos achar que a atitude repressiva com chambocos, inclusive de prender pessoas que estão na rua sem máscara (ao ar livre diga-se) e fechá-las numa cela é uma medida saudável.
Um facto curioso é que vejo muitos profetas do pânico promovendo e participando em reuniões, seminários, team buldings, perfeitamente adiáveis, continuando a drenar verbas públicas sem qualquer coerência com o que os seus organizadores advogam. Ao mesmo tempo que pedem a quem tem de trabalhar para não morrer para ficar em casa e exigem que as autoridades fechem o ganha pão que nem chega para o básico.
Bem, se todos sabíamos que estamos numa pandemia e a 3ª vaga aí chegar, bem como outras virão, porque não nos preparamos seriamente apetrechando as unidades e os profissionais de saúde com o que necessitam para tratar convenientemente os doentes que com ou sem medidas vão aparecer e, em alguns momentos, em número elevado. E por que não vacinamos urgentemente e organizadamente os cidadãos urbanos com idades e co morbidades que são afinal quem está em perigo, ao invés de andarmos a distribuir vacinas sem critério como está a acontecer? Se fizermos contas não é assim tanto dinheiro comparando com tantas coisas. Do que sabemos virão várias vagas, o apetrechamento de hospitais tem de ser uma prioridade absoluta. A repressão histérica a cidadãos que estão a circular ao ar livre é desproporcionada se comparamos com a quantidade de reuniões à porta fechada que por aí se faz. A pandemia é coisa séria, temos de levá-la de forma estratégica e planificada, o que é antagónico ao pânico e histeria.
PS: uma palavra de carinho a todos os profissionais do sistema de saúde de quem são visíveis os enormes esforços. Votos que vos dêem melhores condições para trabalharem que muitos precisam.
(António Prista)