“As mudanças que proponho devem assentar em 2 pilares:
1º Pilar: Os Governos africanos devem reconhecer formalmente que:
- a)A SAÚDE É UM DIREITO HUMANO E UM BEM PÚBLICO e b) É DEVER DO ESTADO GARANTIR O BOM ESTADO DE SAÚDE DE TODOS OS CIDADÃOS SEM QUALQUER DISCRIMINAÇÃO.
Idealmente tal devia estar inscrito na Constituição de todos os países africanos.
2º Pilar: FORTALECIMENTO DOS SISTEMAS DE SAÚDE, tendo em conta as suas 6 componentes:
- Liderança e Governação
- Recursos Humanos para a saúde
- Financiamento para a saúde
- Sistemas de Informação para a saúde
- Produtos e Tecnologias essenciais para a saúde
- Provisão de Serviços de saúde.
Este será um processo longo e gradual, que irá durar décadas e que, para ter sucesso, deve assentar em bases científicas sólidas. Cada país africano deve conceber um Plano de Fortalecimento do seu Sistema de Saúde com etapas e metas de curto, médio e longo prazo. Os governos africanos devem ceder às tentações do momento e às modas de cada década, tantas vezes concebidas longe do continente africano.
Os sistemas de saúde de África devem centrar a sua actividade em duas direcções:
- Prioridade aos Cuidados de Saúde Primários, tal como definido na Conferência de Alma-Ata em 1978
- Prioridade à redução das iniquidades em Saúde. Hoje fala-se muito na luta contra a pobreza, com a qual concordo. Mas quero enfatizar que tão importante como a luta contra a pobreza é a luta contra as desigualdades económicas e sociais, nas quais se integram as iniquidades em saúde.
A situação de saúde de indivíduos e de grupos da população é determinada pelas suas condições de vida e de trabalho
- Dito de outra forma, a maior parte do fardo das doenças, assim como as desigualdades de saúde – que existem em todos os países – derivam das condições em que as pessoas nascem, vivem, trabalham e envelhecem
iii. Assim a saúde dos indivíduos e das comunidades depende – para além da qualidade e da acessibilidade dos serviços e cuidados de saúde – da quantidade e qualidade de alimentos que a pessoa ingere regularmente, da qualidade da água e do saneamento a que tem acesso, das condições de habitação e de transporte, do nível educacional, do ambiente de trabalho, do consumo ou não de tabaco, álcool e outras drogas e do estado de saúde mental de cada indivíduo ou comunidade
Por isso, se queremos melhorar o estado de saúde individual ou colectiva não basta agir apenas sobre os Sistemas de Saúde. Temos de agir em simultâneo sobre as restantes instituições políticas e económicas da sociedade.
Tenho consciência de que o que acabo de propor pode parecer irrealista. Mas eu sou um optimista incurável. Por isso termino com uma frase de Nelson Mandela que nas últimas 3 décadas tem guiado a minha prática:
A frase é: SEMPRE PARECE IMPOSSÍVEL ATÉ QUE SEJA FEITO, Nelson Mandela”.
*Extractos de uma intervenção de Ivo Garrido (Professor Associado da UEM, antigo Ministro da Saúde) num webinar subordinado ao tema, organizado pela FIOCRUZ (Fundação Oswaldo Cruz).(Carta)