A mudança de líder na Tanzânia é "uma oportunidade ímpar para renovar laços" com Moçambique no combate ao terrorismo em Cabo Delgado, disse à Lusa Manuel de Araújo, académico e um dos autarcas mais conhecidos de Moçambique, presidente do município de Quelimane.
A Tanzânia, país com o qual Moçambique partilha a fronteira virada a norte, tem desde sábado como chefe de Estado Samia Suluhu Hassan, a primeira mulher no cargo, na sequência da morte por doença de John Magufuli, na semana passada.
"Eu acho que há uma oportunidade ímpar, agora, porque vai entrar em jogo na Tanzânia um novo actor, a nova Presidente", afirmou Araújo, diplomado em Relações Internacionais e ex-pesquisador da Amnistia Internacional (AI).
As relações entre os dois países "amargaram" porque as reuniões das comissões mistas bilaterais deixaram de acontecer com a regularidade dos primeiros anos da independência de Moçambique e a questão da partilha do gás natural do Rovuma, norte do país, pode não ter sido gerida com o devido "equilíbrio de interesses" entre os dois países, principalmente da Tanzânia.
"Havia interesses da Tanzânia e interesses de Moçambique e parece que as nossas comissões de defesa e outras não foram capazes de equacionar este problema a um nível que permitisse uma colaboração. Aí começou o esfriar [da cooperação]", destacou Manuel de Araújo.
Apesar do alegado esmorecimento dos laços bilaterais, Araújo assinalou que "o processo de delimitação da fronteira entre Moçambique e Tanzânia foi pacífico".
Manuel de Araújo avançou que o aparente afastamento entre as lideranças pode ter permitido que a ameaça do "terrorismo" em Cabo Delgado não tenha sido abordada com a necessária seriedade.
"Se as comissões conjuntas se reunissem regularmente, esses assuntos [dos ataques armados em Cabo Delgado] seriam resolvidos lá, antes de se chegar ao nível a que estamos", enfatizou.
Um dos factores da instabilidade naquela província, prosseguiu, são os tráficos de droga e pessoas, cujo controlo exige uma estreita cooperação bilateral.
"Temos de voltar, primeiro, à normalidade das nossas relações e começar a gerir os vários assuntos, incluindo o tráfico de droga, seres humanos e a questão de terrorismo", salientou.
O autarca de Quelimane assinalou que o actual Governo moçambicano "negligenciou a gravidade da ameaça terrorista em Cabo Delgado" e a necessidade de cooperação bilateral com os países vizinhos e com a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC).
"Muitas vezes, quem apaga o fogo da sua casa quando está a arder é o vizinho. Isso sempre fez parte de um dos princípios de relações externas de Moçambique e agora está a ser negligenciado", frisou.
Manuel de Araújo considerou que há uma frustração na SADC pela "incoerência" com que as autoridades moçambicanas estão a lidar com a violência em Cabo Delgado.
"Existe um pacto da SADC que diz que um ataque a um país membro é um ataque à região, esse mecanismo deveria ter sido accionado", destacou.
Manuel de Araújo disse que a violência em Cabo Delgado se reveste de uma dimensão interna, que compreende factores económicos, antropológicos e sociológicos, e uma dimensão externa, que integra o terrorismo internacional e várias formas de tráfico.
A Tanzânia é um aliado histórico de Moçambique, tendo albergado a sede e as principais estruturas da guerrilha da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) durante a luta armada contra o colonialismo português.
Manuel de Araújo é autarca de Quelimane desde 2011 e, em 2028, foi Prémio Personalidade Lusófona do Ano do Movimento Lusófono Internacional (MIL).
A violência armada em Cabo Delgado, onde se desenvolve o maior investimento multinacional privado de África, para a exploração de gás natural, está a provocar uma crise humanitária com cerca de 700 mil deslocados e mais de duas mil mortes. (Lusa)